quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Economistas que nos envergonham embaraçam

A lei da procura é a mais fundamental das leis de todo o corpo da teoria económica: se tudo o resto se mantiver constante (a necessária condição ceteris paribus), um aumento que se verifique no preço de um bem ou serviço terá como consequência uma diminuição da sua quantidade procurada pelas pessoas. Recordo-me, ainda de joelhos esfolados, ouvir o meu avô materno, pequeno agricultor de sequeiro e desconhecedor do alfabeto, referir-se-lhe frequentemente, saber de experiência feito. Mas há quem teime, entre os que ominosamente se reclamam de economistas, que há um caso específico em que esta lei não se observa e, por conseguinte, a invalida, tese que o governo, pela voz do ministro Mota Soares, subscreve (apesar da troika). Walter Williams, no artigo que hoje seleccionei (minha tradução), volta a explicar por que razão essa alegada excepção é um rematado disparate gerador de desemprego entre os menos qualificados. Uma pergunta: já repararam no recente "mobiliário" com que muitas lojas da McDonald's foram recentemente dotadas? (Via LRC)
Por Walter Williams
20 de Outubro de 2014

Economistas que nos embaraçam
(Embarrassing Economists)

Com o objectivo de transmitir uma certa perspectiva, vou pedir ao leitor que faça algumas conjecturas quanto ao comportamento humano antes de explicar o meu embaraço perante alguns dos meus colegas economistas.

Walter E. Williams
Suponha o leitor que os preços das jóias de senhoras aumentaram 100%. O que preveria que iria acontecer às vendas? E se o aumento de preços fosse de 25% ou 50%? A minha suposição é que uma pessoa comum iria prever que as vendas cairiam.

Emitiria a mesma previsão acerca das vendas de automóveis se os seus preços aumentassem 100% ou 25% ou 50%? Suponha o leitor que é o presidente executivo da General Motors e o seu director de vendas lhe diz que a empresa poderia aumentar as vendas de automóveis através do anúncio de um aumento de preços de 100% ou 50%. Eu imagino que despediria o director de vendas invocando quer insanidade como incompetência.

Tentemos mais um exemplo. Qual seria a sua previsão, caro leitor, quanto às vendas de habitações se os seus preços subissem 50%? Supondo que iria prever uma queda nas vendas. Nesta altura, dirá: "Ok, Williams, já me está fazer perder a paciência com essas questões óbvias. Onde é que pretende chegar?"


Sucede que há uma lei em Economia que é conhecida como a primeira lei fundamental da procura, para a qual não se conhecem excepções no mundo real. A lei estipula que quanto maior for o preço de uma coisa menor será a sua quantidade procurada pelas pessoas (e vice-versa). Outro modo de enunciar esta lei muito simples: existe um preço pelo qual as pessoas podem ser induzidas a procurar mais de algo, e existe um preço pelo qual as pessoas procurarão menos de algo.

Há quem advogue que se o preço de uma coisa aumentar, os compradores procurarão uma maior ou, pelo menos, uma quantidade igual dessa coisa. Isso é uma tolice porque, se assim fosse, não haveria limite para o preço que os vendedores cobrariam. Por exemplo, se um merceeiro soubesse que iria vender mais - ou a mesma quantidade de - leite ao preço de 3 euros o litro do que a 1,5 euros o litro, por que carga de água iria vendê-la a 1,5 euros o litro? A pergunta torna-se: por que iria ele vendê-lo a 3 euros o litro se as pessoas continuassem a comprar a mesma quantidade a um preço mais elevado?

Há economistas, e notavelmente o detentor do prémio Nobel Paul Krugman, que sugerem que a lei da procura se aplica a tudo excepto aos preços do trabalho (salários) dos trabalhadores pouco qualificados.

Krugman diz que pagar aos trabalhadores da indústria de fast-food 11 euros por hora não conduziria a que grandes empresas como a McDonald’s diminuíssem os postos de trabalho. Por outras palavras, Krugman sustenta que o aumento do salário mínimo não altera o comportamento do empregador.
Antes de respondermos à falaciosa alegação de Krugman, pense-se nisto: uma das leis de Galileu estabelece que a influência da gravidade sobre a queda de um corpo no vazio provoca uma aceleração [da velocidade] dessa queda ao ritmo de 9,8 metros por segundo. Isso aplica-se a uma pedra, a uma bola de aço ou a uma pena. O que pensaria o leitor sobre a capacidade de raciocínio de um físico vencedor de um Nobel que argumentasse que, porque os seres humanos não são pedras, bolas de aço ou penas, a lei de Galileu sobre a queda dos corpos não se lhes aplica?

Krugman diz que a maioria dos trabalhadores que ganham o salário mínimo estão empregados no que ele designa de indústrias de bens não-transaccionáveis ​​- indústrias que não se podem deslocar para a China. Ele diz que há poucas oportunidades de mecanização nas actividades onde os trabalhadores que auferem o salário mínimo estão empregados - por exemplo, restaurantes de fast-food, hotéis, etc. Sendo esse o caso, alega, visto que não há bons substitutos para os trabalhadores que ganham o salário mínimo, os aumentos do salário mínimo não irão provocar desemprego entre eles. Por outras palavras, a lei da procura não se aplica a eles.

A McDonalds vai dotar 7000 dos seus restaurantes com máquinas deste tipo

Analisemos um pouco da história de algumas das indústrias de bens não- transaccionáveis ​​de Krugman. Durante os anos das décadas de 1940 e 1950, havia muito poucas bombas de abastecimento de combustível em regime de self-service. Havia também arrumadores nos cinemas para levar os clientes aos seus lugares. Em 1900, 41% da força de trabalho dos EUA estava empregada na agricultura. Agora, a maioria dos postos de combustíveis são self-service. Os arrumadores desapareceram. E apenas 2% da força de trabalho de hoje está afecta a empregos agrícolas. Há muitos outros exemplos de compradores de prestações de trabalho que buscam e acabam  por encontrar substitutos quando os preços do trabalho sobem. Constitui negligência económica dos economistas sugerirem que não é isso que os empregadores fazem.

5 comentários:

floribundus disse...

constou que num encontro suiço no início do milénio um grande empregador terá dito que no decorrer deste século a % de empregados tenderia para 20% da população activa

no início dos anos 90 o treinador de fute apresentou um estudo sobre a diminuição dos frequentadores da bola
e chamaram-lhe besta quadrada

Diogo disse...

Krugman tem toda a razão. Num mundo em que o exército de desempregados tem vindo a crescer em todos os campos, e em que os salários têm um peso cada vez menor nos custos das empresas, o aumento do salário mínimo (pequeno como é) não tem repercussões na empresa. Se um McDonald’s precisa de trinta empregados, depois do aumento, manterá na mesma esses trinta empregados.

No último ponto, você está a confundir a menor procura de trabalhadores com o avanço da tecnologia. É esta que está a substituir o trabalho humano e a possibilitar o faça-você-mesmo. E não é apenas no trabalho pouco qualificado. A evolução exponencial da automação, da robotização, do software avançado e das telecomunicações estão crescentemente a substituir pessoas em todas as áreas.

Um contabilista, hoje, com um computador e um software de contabilidade pode fazer o trabalho de 100 contabilistas há trinta anos atrás. Eu raramente ponho os pés num banco. Faço praticamente todas as minhas operações bancárias no computador. É por isso que os bancários estão a ser despedidos e os balcões a fechar. E os exemplos nunca mais acabam...

LV disse...

Caro Diogo,

Deixe-me recomendar-lhe a audição de um programa de rádio (Tom Woods entrevista G. Reisman) acerca, justamente, da relação entre tecnologia e emprego.
São trinta minutos bem investidos a pensar estas questões, garanto-lhe.
Um autêntico convite a pensar. A ligação aqui: http://www.youtube.com/watch?v=M60UVXlkbn8



Saudações,
LV

Unknown disse...

Ainda vai ser na vida do meu filho que se vai ter que equacionar o desemprego cronico.

Eduardo Freitas disse...

Caro Diogo,

Nem de propósito, um excerto de um artigo no WSJ de anteontem (minha tradução):

"No terceiro trimestre do próximo ano,  a McDonald's planeia introduzir uma nova tecnologia em alguns mercados "para facilitar a encomenda e o pagamento digital de refeições aos seus clientes dando-lhes a possibilidade de personalizar os seus pedidos", noticia o jornal. O Sr. Thompson, o CEO, disse na terça-feira que os clientes "querem personalizar as suas refeições" e "apreciá-las numa atmosfera contemporânea e acolhedora. E querem possibilidades de optar quanto ao modo de encomendar e quanto ao que podem pedir e à forma como são servidos".

Isto é sem dúvida verdade, mas também é uma maneira conveniente para o Sr. Thompson justificar uma redução na força de trabalho global da cadeia. É também uma forma de enviar uma mensagem aos franchisados acerca da melhor maneira de reduzir os seus custos num contexto de lento crescimento das vendas. Em todo o caso, será melhor que os consumidores se acostumem à ideia de encomendar os seus Big Macs num écran táctil.

Os postos de trabalho de entrada na restauração fast-food nunca foram os indicados ao sustento de toda uma família. Os restaurantes de serviço rápido proporcionam oportunidades a muitos jovens com poucas habilitações e pouca experiência. Em todas as indústrias, cerca de dois terços dos trabalhadores que auferem o salário mínimo e que permaneçam empregados [na mesma empresa] são aumentados no primeiro ano."

Saudações,

Eduardo Freitas