segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Ricardo Arroja - politicamente (in)correcto

Tinha dado conta da genericamente favorável recensão de Filipe Faria ao recente livro de Ricardo Arroja (RA), "As Contas Politicamente Incorrectas da Economia Portuguesa", pelo que ontem, deambulando numa livraria, não sem que antes tenha lido integralmente o prefácio da autoria de Vítor Bento, resolvi comprá-lo.

Vítor Bento põe o dedo bem dentro de uma das mais fé feridas de que sofremos. Julgo valer a pena transcrever um excerto onde ela é bem caracterizada:

«Sobre um alicerce frágil não é possível edificar uma casa sólida. Da mesma forma, apoiado em factos errados, não é possível construir uma argumentação certa» ... «Este é o mal de que padece grande parte do comentário público em Portugal e, frequentemente, do próprio reporte noticioso, e que muito contribui para a pobreza do debate político-social. Uma tremenda falta de rigor no tratamento factual daquilo sobre que se pretende argumentar e que não pode deixar de levar a conclusões erradas».

E é aqui que se torna incompreensível - esta é, aliás, a única razão pela qual escrevo estas linhas -, as referências "definitivas", as que não "parecem"(*) pois, serão, supostamente, incontestáveis. Uma é a persistência na falácia que a "Educação" é um dos factores da nossa baixa produtividade (p. 65) e impeditivo de uma "modernidade sustentável". A outra, pedindo emprestada a expressão ao Prof. Pinto de Sá, deixa-me completamente desaustinado. Afirmando - correctamente - que "[o] problema da electricidade cara é, aliás, um problema sério, com efeitos transversais a toda a indústria", e que a electricidade em Portugal é caríssima, escreve mais à frente (meu realce):
"[É] provável  que a melhoria da balança comercial [de combustíveis minerais] tenha passado pela substituição das importações, nomeadamente pela substituição das importações de petróleo por via da produção de energias renováveis. Afinal, a aposta nas renováveis sempre serviu para alguma coisa."
Ora, como o Prof. Pinto de Sá demonstra à evidência no seu post Electricidade a petróleo em Portugal, tal é rotundamente falso. Das duas centrais térmicas a fuel-óleo que foram construídas no continente, a do Carregado já há anos que foi reconvertida para gás natural (de "ciclo combinado") e a de Setúbal que só muito raramente é utilizada. Há quem persista em não ver o que entra pelos olhos dentro: o desastre, a vigarice, das novas renováveis, em particular da eólica (hídrica com bombagem reversível incluída) pelo peso relativo que atingiu entre nós. Pelo menos neste tema, Ricardo Arroja também sucumbiu, afinal, ao politicamente correcto, à propaganda "verde".

E não é só cá, é por todo o mundo que o recurso à queima de petróleo (fuel) para produzir electricidade quase desapareceu, como bem resume este gráfico que roubei a Antón Uriarte:


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(*) E com efeito, embora o livro se caracterize por um registo para-jornalístico, é certo que RA se preocupa, através do recurso a sucessivas notas de rodapé em referir as fontes que vai convocando para justificar as afirmações que produz ( 282, se contei bem, ainda que em geral ultra-telegráficas e muitas delas refiram "cálculos do autor"). Uma nota curiosa para referir que o livro não contém um único gráfico ou tabela o que porém não o impede de recorrer a uma prosa, digamos, profusamente estatística.

Muitas das suas afirmações são pelo menos contestáveis o que só constituirá surpresa para quem, por exemplo, desconheça a fé de RA nas virtudes do "bom" Estado tutelar, "impulsionador", "protector" e "regulador" que o leva a fazer uma incursão pelas virtudes da boa governação (mercantilista) dos consulados de Pombal e Salazar. (A título de mero exemplo, "[o] Estado deveria fazer do fomento da concorrência interna uma das suas principais missões"  - p. 71). Outras, também numerosas e algumas mesmo muito incomodativas para o regime democrático português, são realmente congruentes com o título do livro e Filipe Faria já as identificou.

3 comentários:

BC disse...

Os portugueses têm um défice de conhecimento técnico. Definitivamente por cá as disciplinas de engenharia e ciência não são apreciadas.

E isso nota-se nos jornalistas e comentadores que normalmente metem os pés pelas mãos quando o assunto se torna técnico.

Infelizmente, e em relação às renováveis, até engenheiros como Carlos Pimenta ou Moreira da Silva defendem o racionalmente indefensável.

Anónimo disse...

O link "eletricidade e petroleo" em Portugal não funciona.

Eduardo Freitas disse...

Caro Anónimo,

Obrigado pela chamada de atenção para o link quebrado entretanto já resolvido.