segunda-feira, 23 de março de 2015

Mercado e regulação estatal - lições a tirar da guerra dos browsers

Confirmando vários rumores que há algum tempo circulavam, a Microsoft oficializou esta semana o processo de descontinuação (phasing out) da mítica marca Internet Explorer e a decisão tomada de rumar noutras direcções embarcando num projecto significativamente designado de "Espartano". Foi este o pretexto para revisitar a épica guerra dos browsers (navegadores na Internet); recordar a intervenção estatal e judicial que, como sempre, pretendeu ditar vendedores e vencidos em nome da "sã concorrência"; e, por fim, e mais importante, retirar as riquíssimas lições do sucedido. É este o foco do artigo de Jeffrey Tucker que hoje vos proponho.

Mas primeiro um breve interlúdio para contextualizar a minha leitura do sucedido. Na faculdade, tivera uma cadeira introdutória de Informática - de papel e lápis. Uns bons anos depois, num momento de maior desafogo financeiro, comprei um ZX Spectrum com o qual, para além de jogar (muito), me divertia a fazer umas habilidades com a sua versão de Basic (pouco). O meu primeiro PC doméstico foi adquirido em 1991 (mediante empréstimo bancário). Juntamente com a impressora, a coisa importou em 500 contos, à volta de 5500 euros a preços de hoje! Com ele viria pouco depois o primeiro Windows a sério - o 3.1. Dois anos antes, tivera contacto profissional com o salto gigantesco que representava o passar da estação de trabalho individual para um ambiente colaborativo assente numa rede (com partilha de impressoras!) e tomo contacto com a extraordinária beleza e facilidade de utilização dos (porém caríssimos) Apple Macintosh. Desde então, que o portátil passou a fazer parte da minha bagagem permanente. Depois, creio que foi em 1995, durante as férias de Verão, ao "digerir" um breve manual, que finalmente compreendi o poder da internet - e o sentido de urgência que Bill Gates tentava então incutir em toda a Microsoft - quando me apercebi da extraordinária facilidade em criar páginas web que a linguagem HTML permitia. Foi uma autêntica epifania. "A rede era o computador", proclamava-se na Sun Microsystems. Foi mais ao menos por essa altura que me recordo de ler nos jornais o caso da guerra dos browsers a que alude o artigo de Jeffrey Tucker. Recordo-me de ter achado um absurdo a acusação de monopólio que se imputava à Microsoft. Já tivera até então experiência bastante para perceber, que máquinas e software não só não paravam de melhorar, em qualidade e desempenho, como o seu preço (real e nominal) tinha descido vertiginosamente (e assim tem continuado até hoje). Se algo caracterizava a indústria era a sua duríssima competitividade em benefício dos consumidores, traduzida na extraordinária ascensão e queda de protagonistas (Wang, Digital, IBM, etc.). Só bem mais tarde viria a compreender a lenda criada à volta das leis "antitrust" da época "progressiva" nos EUA e o posterior surgimento do suporte teórico "justificativo" do intervencionismo regulatório estatal cujo orwelliano lema se pode resumir em algo como: "A melhor defesa da concorrência é a sua eliminação". A guerra dos browsers, e o apelo que então foi dirigido ao poder (por competidores directos e prospectivos, auxiliados pela histeria mediática dos media convencionais), é um exemplo eloquente da verdadeira utilidade da regulação estatal: servir compadrios. A inevitável consequência é a destruição, ou pelo menos, o sério prejuízo da criatividade e pujança do mercado. Uma última nota para voltar a sublinhar, aspecto que não é endereçado no artigo, que o sector das TIC há bem mais de 30 anos que demonstra à evidência a falácia do papão deflacionista.

20 de Março de 2015
Por Jeffrey Tucker


Sem muito alarde, a Microsoft anunciou este mês que irá descontinuar progressivamente o seu muito conhecido navegador web - o Internet Explorer (IE). Nas notícias, o foco principal tem incidido nas razões que o levaram a ser suplantado pelo Chrome, Safari e Firefox, entre muitos outros navegadores existentes no mercado. Além disso, as aplicações móveis estão a dar passos gigantescos na navegação web em geral.

Imagem daqui

Isto é de facto verdade. Nas plataformas com que lidei, assisti à forma como o IE passou de uma quota de utilização dos 95 para os 20%, um crash espectacular e bem merecido, do pináculo em que se tinha instalado, que demorou uns bons 20 anos. A Microsoft nunca foi capaz de corrigir os seus infindáveis problemas de segurança. Cada nova versão, da 1 à 10, parecia corrigir alguns problemas da versão anterior ao mesmo tempo que introduzia outros mais.

Não foi inteiramente culpa da Microsoft: a condição de navegador dominante do IE tornou-o num alvo incessantemente submetido aos ataques de todos os criadores de malware no mundo. Mesmo uma equipa de mil programadores da Microsoft foi incapaz de ultrapassar esse problema. Não ajudou que a própria Microsoft estivesse tolhida pela sua gigantesca dimensão e estrutura de gestão burocrática.
Estamos perante uma história normal da forma como os mercados funcionam. O IE foi fixe, em tempos; muito melhor do que a traquitana que fez arredar (o Netscape Navigator), mas foi incapaz de acompanhar o que outros e mais ágeis inovadores, por ele inspirados, iam conseguindo. Tinha uma experiência de 20 anos, o que é alguma coisa. Mas a história avança e, no mundo louco da internet, ninguém pode presumir que uma posição dominante de mercado signifique um poder permanente de mercado.

Algo que o Ministério da Justiça (DoJ) deveria ouvir! [Neste caso, o papel do Department of Justice – DoJ - seria entre nós desempenhado por uma ou várias “Autoridades”, nomeadamente pela da Concorrência – NT]

O DoJ foi o principal actor numa história que parece estar estranhamente esquecida. O DoJ perseguiu a Microsoft durante dez anos, de 1994 a 2004, devido a alegadas práticas monopolistas. Mesmo nos primeiros anos da web, os reguladores estatais e juízes presumiam saber melhor que os empreendedores a forma de estruturar o mercado. Numa longa série de decisões, regulamentações, acordos e imposições, os reguladores provocaram o desvio de incontáveis milhares de milhões do progresso do mercado para a litigação, que, quando a poeira assenta, se revela ser acerca de absolutamente nada.

Não foram os reguladores que mataram o IE. Foi a concorrência do mercado.

A saga começou quando a Microsoft lançou o seu navegador como uma componente pré-instalada do sistema operativo Windows. Esta acção foi considerada inaceitável porque de alguma forma representava uma vantagem abusiva da integração vertical de produtos prejudicial para o consumidor, o que violava uma ordem judicial que datava de 1994.

Mas havia um pequeno problema: o IE era um produto grátis! De facto, numa iniciativa, em retrospectiva, genial, a Microsoft decidiu não se fazer pagar pelo seu navegador de modo que pudesse evitar o pagamento de royalties aos detentores do seu código-base original (Spyglass). Toda a lógica do antitrust de antigamente assentava na ideia de que os consumidores estavam a ser roubados. O que não era exactamente o que se passava aqui. De qualquer modo, os advogados do governo persistiram no seu caso.

E no entanto, cada caso antitrust tem uma história mais profunda. Em cada um deles, sem excepção, é possível seguir o rasto até algum actor no mercado que acha mais fácil competir através da violência da acção estatal do que de uma forma pacífica - a de fazer um melhor produto ou serviço.

Neste caso, a força motriz - a serpente a sussurrar ao ouvido do rei - foi o Netscape Navigator. Este era o principal navegador no mercado em 1995 e o mais ameaçado pelo inovador modelo de preços da Microsoft.

Durante dez longos anos de audiências e depoimentos e de recursos tivemos de suportar uma interminável choraminguice por parte da Netscape mesmo quando a sua quota de mercado se afundava cada vez mais. O julgamento viria a terminar com uma sentença contra a Microsoft, e contou com cenas patetas como aquela em que o juiz, depois de clicar com o botão direito no ícone do IE no ambiente de trabalho, em seguida proclamar que o tinha removido do computador!

Foi algo incrível de assistir porque ao mesmo tempo que este titã lutava pelo seu direito a proporcionar produtos gratuitos, outras empresas estavam, pela calada, a trabalhar para oferecer melhores navegadores. De forma ainda mais extraordinária, novos sistemas operativos estavam a surgir em paralelo para ameaçar o quase monopólio do sistema operativo Windows, no que se baseava de resto todo o caso do governo desde o início.
Aqueles de nós que se opuseram a toda esta perseguição à Microsoft frequentemente salientavam que os competidores poderiam vir um dia a desalojar o IE e o Windows. Todos os nossos argumentos foram recebidos com gargalhadas incrédulas. Era evidente que sem uma acção estatal decisiva para quebrar a Microsoft, o poderoso monopólio da empresa duraria para sempre!

Estes foram também os anos em que o navegador Firefox da Mozilla se tornou a escolha da moda entre o conjunto dos técnicos do sector. Outros preferiam ferramentas excêntricas como o Opera. O Safari, como parte do emergente sistema operativo da Apple, aguardava nos bastidores. E outros ainda estavam a fazer experiências com a utilização de sistemas de código aberto como o Linux para utilização no consumidor.

Era muito claro para qualquer pessoa da indústria à época que a posição dominante da Microsoft era extremamente frágil. Mas essa não foi o ponto de vista do DoJ. Os advogados governamentais trataram Bill Gates como se ele fosse um Rockefeller, um barão ladrão da era digital que merecia o castigo mais severo possível pela sua egrégia inovação que trouxe a navegação na web às multidões.

Passados todos estes anos, é fácil de ver quem é que tinha razão. As críticas do livre mercado à acção governamental acertaram em cheio no alvo. O Linux acabaria por ser incorporado no novo navegador da própria Google - o Chrome - para se tornar num sistema operativo autónomo não alimentado por suites de software, mas sim por aplicações descarregáveis pela internet. Este é realmente um desenvolvimento impressionante que absolutamente ninguém poderia ter antecipado em 1999.

O que é ainda mais extraordinário é a forma como as aplicações que correm nos smartphones começaram elas próprias a comer no mercado dos navegadores da web em geral. Eis aqui, uma vez mais, um outro desenvolvimento que ninguém poderia ter imaginado mesmo há dez anos atrás.

Uma das razões porque as pessoas já não falam muito desta acção antitrust é que ela de facto nunca se materializou em muito. O caso acabou por ser resolvido muito tempo depois de já pouco importar. Todo o processo parece ser uma espécie de nota de rodapé na incrível ascensão da era digital do século XXI.

Mas quanto se desperdiçou em recursos e na atenção perdida para com o desenvolvimento ao longo daqueles dez anos? É impossível dizer. Talvez o IE tivesse morrido de qualquer modo. Mas talvez, não tivesse o governo litigado tão duramente todos aqueles anos, milhões de consumidores pudessem ter sido poupados aos problemas persistentes das falhas de segurança do IE, e, apenas talvez, o Chrome e o Safari não tivessem desfrutado de uma expansão tão rápida.

Nunca o iremos realmente saber. O que sabemos de facto é que esta acção antitrust não ajudou um único consumidor no planeta. Tudo não passou de um gigantesco desvio do coração da história. Aprendamos a lição. Os mercados competitivos são um processo de agitação permanente ao serviço do público consumidor. Não há nada que o governo possa fazer para os melhorar mas muito pode fazer para perturbar e desviar as suas impressionantes capacidades produtivas.

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