terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A Grande Guerra 1914-1918 – vista pelo convidado Floribundus

Tendo acedido, muito amavelmente, ao convite que lhe endereçámos, a seguir se publica o contributo do nosso leitor Floribundus, co-autor de um magnífico blogue, sobre o tema da I Grande Guerra:


Antecedentes, factos e consequências sociais e políticas da I Guerra Mundial

Antecedentes ou avanço turco na Europa

Otman unificou os mongóis da Anatólia no séc. XIII. Os turcos otomanos atravessaram os estreitos e entraram na Europa em 1346 para empreender uma guerra santa (jihad).

Os guerreiros do sultão Murad I derrotaram os sérvios em Pristina (1389), na região do Kosovo ("Kos", melro). Para facilitar o domínio, trouxeram albaneses (walshs) islamizados. Os kosovares permaneceram vassalos do Islão até 1871. A Sérvia só integrou o Kosovo em 1878. A luta anti-turca, iniciada em 1912, pôs fim ao jugo turco.

O primeiro cerco de Constantinopla, por Bajazé I, ocorreu no ano de 1391. Os romenos foram derrotados na batalha de Rovine em 1394; as zonas da Transilvânia, Valáquia e Moldávia passaram a pagar tributo ao sultão. Na batalha de Tarnovo (1395), os turcos desbarataram os Búlgaros; seguiu-se Nicopolis no ano seguinte.

Durante o cerco de Belgrado (1456), o Papa Calisto III pediu orações. Memed II retirou. O imperador de Constantinopla recebeu ajuda do mercenário genovês Giovanni Giustiniani, mas Memed conseguiu apoderar-se da cidade (1456). Os turcos tomaram a ilha de Lesbos em 1462. Aflita, a República de Veneza envia, em 1479, Gentile Bellini para executar o retrato do sultão. Após um cerco de 2 meses e com um exército de 90 mil homens, o sultão Memet IV tomou a cidade de Otranto (1480), no sul de Itália.

Giovanni da Capistrano defendeu Belgrado (1521) mas a capital da Sérvia acabou nas mãos dos turcos. O italiano tem monumento no Stephensdom, em Viena. Luís II da Hungria e Boémia saiu derrotado da batalha de Mohacs (1526) contra Soleimão I.

Soleimão I (Wikipedia)
1º cerco de Viena, de 27 de Setembro a 15 de Dezembro de 1529, por Soleimão I (1494-1566), o Magnífico, sultão da Turquia e califa do Islão, o qual decidiu atacar o Imperador Ferdinand pela disputa da Hungria. Dirigiram a defesa de Viena Wilhelm von Roggendorf e o mercenário alemão, conde Niklas Salm; o grão-vizir Kara Mustafá Paxá viu-se obrigado a retirar perante o auxílio externo atempado.

Afirmava Martinho Lutero (1483-1546), indica Thomas F. Madden em Crusades[1], que os turcos eram castigo de Deus contra os pecados dos cristãos, como escreveu em "Da guerra com os turcos"[2]. Quando Soleimão cercou Viena, dele disse que era o seu primeiro grande erro.

A resistência veneziana de 1665-1669 terminou com a entrega da ilha de Cândia (Creta) aos turcos. A Sagrada Liga venceu a batalha naval de Lepanto (1571) para permitir algum desafogo na navegação mediterrânica.

2º cerco de Viena, de 15 de Julho a 12 de Setembro de 1683, pelo Grão-Vizir Kara Mustafá. Sitiou a cidade com 200 mil homens. Eram 20 mil os defensores enviados pelo conde Ernst Rüdiger de Starhemberg (1638-1701). Quando os turcos se preparavam para o último assalto, chegaram as tropas polaco-lituanas de João III Sobieski, rei da Polónia, e do duque da Lorena. O confronto dos cristãos com os muçulmanos ocorreu em Nussdorf e Heiligenstadt.

Batalha de Viena 1683 (Wikipedia)

Após conselho turco efectuado a 14 de Outubro, o sultão resolveu regressar à Hungria. Sofreu pesadas baixas em Bratislava (Pressburg) e devido à queda de neve. O Príncipe Eugénio de Sabóia afastou os turcos até à Bulgária.

D.Manuel, irmão de D. João V, e Teles da Silva, partiram clandestinamente para Viena onde integraram o exército do Príncipe Eugénio. O último não voltou a Portugal. Tutor da futura imperatriz Maria Teresa e seu íntimo conselheiro e amigo, recebeu o título de Duque de Tarouca. Permitiram-lhe construir um palácio na área imperial, actual sede do museu Graphische Sammlung Albertina.

O império russo combateu incessantemente a influência otomana junto do seu território e Balcãs: de 1568 a 1917 enfrentaram-se por 14 vezes. As mais importantes, pelas consequência políticas que tiveram, foram: a independência da Grécia (1821-1829) e os acontecimentos de 1877-1878 com a independência dos principados da Sérvia, Montenegro e Roménia. A Bulgária libertou-se em 1908.

Factos

A I Grande Guerra é um combate de impérios: alemão, austro-húngaro, otomano versus russo, britânico (português incorporado), francês (III república) e italiano que termina com o fim dos primeiros quatro.

O império austro-húngaro anexou a Bósnia-Herzgovina em 1909 e este acontecimento irritou a Sérvia e o império russo, seu protector. Começou a corrida aos armamentos em toda a Europa.

Quando o futuro imperador austríaco visitava Sarajevo, capital da Bósnia, foi assassinado à queima-roupa pelo estudante nacionalista Gravilo, com o possível auxílio dos sérvios. O império austro-húngaro invadiu a Sérvia, o alemão a França com passagem pelos Países Baixos, o russo ocupou parte da Alemanha. Os otomanos comandados por Mustafá Kemal, mais conhecido por Ataturk, esmagaram os ingleses em Galipoli.

A luta estendeu-se às colónias africanas dos vários impérios saídos da conferência de Berlim de 1872.

Na Europa, sobretudo na Flandres, a guerra decorria nas trincheiras onde os soldados, autênticos ratos sobrevivendo na lama, eram atacados pelos alemães depois de 1915 com descargas de cloro por este gás venenoso ser mais denso que o ar.

Arthur Radclyffe Dugmore - Batalha do Somme (1916), York Museums Trust

Norton de Matos (1867-1955), era monárquico a 4 de Outubro de 1910 e republicano a 6. Pertencia aos 'adesivos'. Ministro da Guerra (1915-17), organizou o Corpo Expedicionário no chamado 'milagre de Tancos': o Zé da enxada recebeu uma arma e aprendeu a atirar com ela.

Partiu o dito corpo para Brest em navios Ingleses a 30 de Janeiro e a 23 de Novembro de 1917. Seguiram para a Flandres. A 2ª Divisão foi atacada na ribeira Belga de La Lys (Ypres). Durante mais de 15 dias o Gen. Erich Ludendorff (autor do golpe de Munique com Adolf Hitler, em 1925) esmagou a resistência Portuguesa.

Vencedores e vencidos perderam 10 a 15% da população activa.

Consequência sociais e políticas

Entregaram a Rússia ao partido de Lenine em 1918.

O Tratado de Versalhes de 1919 modificou a Europa Central e o Próximo Oriente. Desmantelamento do império austro-húngaro: Südtyrol para a Itália (actual Alto Adige), sul da Hungria para a Roménia (ainda hoje falam magiar), independência das repúblicas Checa, Eslovaca, e Eslovena. Formação da efémera Jugoslávia. Independência da Albânia otomana. Fragmentação do império otomano na Ásia. Entrega de território alemão à Polónia.

William Orpen - Assinatura da Paz na Sala dos Espelhos, Versalhes, 28-06-1919
(o pintor irlandês que ficou encarregue das "pinturas de guerra")

A aplicação de sanções económicas aos vencidos provocou desemprego, inflação galopante, doenças devidas a falta de higiene. O tifo atacou a URSS e a Sérvia provocando mais de 3 milhões de mortos; a malária matou 10 milhões de russos em 1923; a fome matou 20 milhões de ucranianos; a pandemia de gripe espanhola matou 50 milhões na Europa ocidental e central.

Tudo isto facilitou o acesso ao poder por parte de outros adeptos do socialismo diferente do de Lenine: fascismo italiano de Mussolini, em 1922; nacional-socialismo de Hitler, em 1933.

Notas:

[1] - Thomas F. Madden; Crusades. The Illustrated History, University of Michigan Press (2005)

[2] - Martinho Lutero; Obras seleccionadas, vol. 6, Editora Concórdia, Porto Alegre

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