domingo, 27 de outubro de 2013

A mentira, que permanece, de ser possível ter "algo a troco de nada"

Um artigo a meu ver muito interessante, o do australiano Vern Gowdie - Money Printing: Everything Old is New Again - onde se aborda, com o adequado enquadramento histórico, o sempiterno mito da obtenção da prosperidade a troco de nada e das consequências para aqueles que teimam em persegui-lo. É certo haver por aí, ao que leio, quem contraponha que há um implícito "calvinismo" nessa análise uma qualquer forma de calvinismo perante a evidente injustiça do que seria não se poder decretar a prosperidade através de um qualquer édito governativo (desde que financiado pelas impressora do banco central respectivo, o alquimista dos nossos dias). 

A tradução, como habitualmente, é da minha responsabilidade.
"A única coisa nova no mundo é a história que não se conhece." - Harry S. Truman

Embora o mundo tenha evoluído ao longo dos séculos, as emoções humanas permaneceram as mesmas - felicidade, tristeza, ciúme, ganância, medo.

A classe dirigente e a classe trabalhadora são igualmente afectadas por estas emoções.

A procura pela opção da facilidade é uma outra fragilidade humana que resistiu ao teste do tempo.

É por estas razões que estamos destinados a repetir os mesmos erros dos nossos antepassados.

A mentalidade de [procurar obter] "algo a troco de nada" tornou-se tão arreigada na nossa cultura que perdemos o sentido da objectividade e da realidade. A história está repleta de exemplos do quão mal terminam as histórias das expectativas de privilégios.

Os políticos prometem "algo" financiado por moeda criada no éter. Os cidadãos são levados a ter expectativas quanto a "direitos" [aspas minhas] pagos pelos impostos de outros. Os consumidores são instados a comprar "algo" com o dinheiro que não têm (crédito).

Centrais (trocadilho intencional) neste jogo de ilusão são os nossos banqueiros centrais. As suas impressoras estão a manter a farsa económica global do "algo a troco de nada" no modo de suporte à vida.

Prova do quão precário se tornou este castelo de cartas de "algo a troco de nada" foi a recente publicação das minutas do Fed americano. Alguns dos membros do seu conselho de governadores tiveram a ousadia de questionar os méritos do Quantitative Easing (impressão de dinheiro [sob a forma de "flexibilização quantitativa"]). A mera "bolha mental" foi suficiente para levar Wall Street a um tremor temporário.

Imagine-se o que sucederia se os bancos centrais da Europa, do Japão, da China, do Reino Unido e dos EUA, de facto dissessem: "já basta e, daqui em diante, acabará toda esta absurda impressão de moeda". Os mercados ficariam apoplécticos. A história, enfaticamente, diz-nos que este é o nosso destino.

De Roma para Espanha para Washington

O Fed é o mais recente uma longa série de manipuladores de moeda. Esta prática enganosa remonta à Roma Antiga. Na tentativa de financiar as exigências de um império em expansão, sucessivos imperadores romanos "imprimiram mais moeda" ao diminuírem gradualmente o teor de prata das moedas com metais mais baratos. Nota: este passe de mágica não terminou bem para os romanos.


Muitos séculos mais tarde, os espanhóis encontraram uma outra forma aventureira de inflacionar a moeda na sua economia.

A economia espanhola no século XVI, graças à sua poderosa marinha, era a inveja do mundo.

A frota espanhola viajou para o Novo Mundo tendo regressado com uma recompensa em ouro e prata. Entre 1556 e 1783, os espanhóis extraíram mais de 41 mil toneladas métricas de prata pura só de uma mina num país latino-americano, a Bolívia.

Os rios de ouro e prata proporcionaram uma grande riqueza a Espanha - o que representou tanto uma bênção como uma maldição.

O dinheiro fácil criou uma falsa prosperidade. As gerações subsequentes foram levadas a acreditar que a riqueza era um direito e não uma benesse. (Soa a algo familiar?) Gradualmente, o consumo substituiu a manufactura.

A falsa riqueza continuou enquanto os galeões regressavam completamente carregados do Novo Mundo.

A consequência não intencional resultante da injecção de toneladas de ouro e prata na economia espanhola e, por extensão, na economia europeia, foi uma bolha inflacionária. Os preços aumentaram mais de 600% num período de 150 anos. A inflação corroeu lentamente o poder de compra dos espanhóis. Por fim, os rios de ouro e prata do Novo Mundo secaram e os espanhóis ficaram arruinados.

O dinheiro fácil proporcionou opções suaves aos espanhóis, a complacência substituiu o comércio. Foram necessários séculos para a Espanha recuperar do seu mal económico.

Um ou dois séculos mais tarde, a industrialização da prensa de impressão permitiu a um conjunto de governos reproduzir a alquimia de Roma e o roubo de Espanha. A impressão provou ser muito mais fácil do que cunhar moedas contrafeitas e navegar por meio mundo fora em navios à vela . Isto, por sua vez, deu origem a uma proliferação de desastres de moedas fiduciárias ([fiat,] de papel).

Na história da moeda fiduciária, nem por uma vez sucedeu que a impressão de mais moeda tenha proporcionado um remédio duradouro para os males subjacentes de uma economia.

Obviamente, Bernanke acha que "desta vez é diferente" e que pode evitar os fins trágicos associados à impressão monetária dos anos de 1700 da Bolha do Mississippi; da década de 1790 da Revolução Francesa; da Alemanha de 1921-1923; da Jugoslávia de 1989-1994; do Zimbabwe de 1998-2009, etc., etc.

A história demonstra claramente que a impressão de dinheiro (em todas as suas formas) não é uma solução sustentável.

E todavia, aqui estamos séculos depois, com a Espanha, os Romanos (a Itália) e o resto do mundo ocidental, todos eles a aproximarem-se do abismo económico. Tudo o que é velho é outra vez novo. Os personagens e o desenrolar dos acontecimentos podem ser diferentes, mas o enredo continua a ser o mesmo.

O que os Austríacos nos ensinaram há cinquenta anos atrás

O mundo financeiro dos dias modernos tornou-se no equivalente ao Novo Mundo. Os instrumentos de dívida têm sido os "rios de ouro"que proporcionam dinheiro fácil a um estilo de vida baseado no consumo.

O Ocidente exportou as suas indústrias para os mercados emergentes, em troca de importações baratas financiadas por dívida. A complacência substituiu o comércio.

A Grande Contracção do Crédito está a secar os rios de ouro e o mundo ocidental está a lutar para se reconciliar com esta nova realidade económica. Os baby boomers, a geração Y e a geração X já só conheceram um modelo económico de "crescimento" assente no endividamento excessivo.

Este novo mundo de contracção do crédito no sector privado é-nos completamente estranho. As manifestações contra a austeridade na Europa indicam que uma grande parte da sociedade não está a enfrentar bem o aperto [resultante daquela contracção].

Os banqueiros centrais da geração baby-boomer estão também a fazer o seu melhor para manter a ilusão do velho mundo ao impulsionar os mercados accionistas com mais moeda contrafeita. Bernanke e os seus colegas de Wall Street construíram uma casa de papel. A tempestade económica que está a fermentar em todas as frentes no mundo ocidental está destinada a rasgar o edifício de papel de Bernanke em pedaços.

Aprender com a história. Os booms acabam sempre por estourar. A realidade, em certo ponto, superará o dinheiro contrafeito - apesar desse momento de amanhecer possa demorar mais tempo do que se esperaria.

O famoso economista da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, observou o seguinte há mais de cinquenta anos atrás (a ênfase é minha):
"Não há forma de evitar o colapso final de um boom provocado pela expansão do crédito. A alternativa é apenas se a crise deve chegar mais cedo, em resultado do abandono voluntário em prosseguir com a expansão de crédito, ou mais tarde, com a catástrofe definitiva e total do sistema monetário envolvido."
O cenário "mais cedo" teria sido o de permitir que a GFC [Crise Financeira Global de 2007-2008] purgasse três décadas de endividamento excessivo do sistema e deixar que os bancos imprudentemente geridos falissem. Os banqueiros centrais decidiram ignorar a história e sustentar o sistema com mais crédito (impressão de moeda).

Estas acções dilatórias significam que o cenário "mais tarde" da "catástrofe total" é o que nos aguarda.

A maioria está alegremente inconsciente desse desfecho pendente.

Infelizmente, quando a história inevitavelmente se repete, aqueles que foram enganados e levados a acreditar que "algo a troco de nada" era um conceito sustentável, ser-lhes-á ensinada a mesma lição dolorosa de todas as outras civilizações que abraçaram essa malfadada experiência. (...)

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