sábado, 19 de outubro de 2013

Para salvar a Europa, libertem os mercados

Frank Hollenbeck, em artigo cujo título roubei para encimar este post - "To Save Europe, Free the Markets" -, exemplifica como seria possível, por exemplo no caso francês, induzir um real crescimento económico simplesmente deixando que o mercado relativo à utilização dos solos funcionasse de modo a satisfazer uma procura, real, pré-existente.

Hollenbeck também é de opinião que o tempo escasseia, à medida que a estagnação económica se prolonga e que a dívida pública cresce de forma generalizada no espaço europeu. O desastre, provavelmente épico, pode estar iminente pelo que importa tentar ainda evitá-lo. Mas não através de (ainda) mais "estímulos" de inspiração keynesiana e aumento de impostos, receita que nos conduziu à estagnação e à crise da dívida (v.g. os PEC de Sócrates). Há um outro tipo de austeridade possível que consiste em reduzir a despesa pública e, em simultâneo, reduzir os impostos. É a austeridade "austríaca", uma muito melhor alternativa à austeridade à la Angela Merkel (menos despesa pública e mais impostos).

Sendo certo porém que as verdadeiras reformas são politicamente difíceis (e até talvez impossíveis enquanto durarem certas trincheiras), a desregulação será, porventura, o caminho possível. É disto que trata o texto que se segue, realçando-se, como sempre, o papel dos "interesses especiais", do crony capitalism (expressão que optei por traduzir por capitalismo de compadrio). Não é, pois, o caminho do "estímulo".  É, pelo contrário, a tanto quanto possível sistemática destruição dos "estímulos" existentes.

A tradução do texto de Frank Hollenbeck é da minha responsabilidade.
"A estratégia económica europeia vigente consiste em protelar a resolução dos seus problemas. Os níveis de endividamento, em praticamente todos os países europeus, continuam a aumentar e o crescimento económico parece ter-se transformado numa memória há muito esquecida. O dia da verdade está aí ao virar da esquina, como Rudi Dornbusch uma vez avisou: "[a] crise demora muito mais tempo a chegar do que se pensa e, de repente, ocorre muito mais rapidamente do que se imaginaria, o que é quase exactamente a história do México [a "crise da tequilla", de 1994]. Ela demorou uma eternidade a chegar para, subitamente, ter bastado uma noite".

Para obter resultados efectivos rapidamente, os líderes europeus precisam de abandonar a austeridade [em rigor, o tipo de austeridade cf. explica o próprio Hollenbeck em artigo recente] e concentrar-se mais em políticas que possibilitem ao sector privado proporcionar os bens e serviços adequados a preços adequados.

Um bom primeiro passo, que até pode ser politicamente possível, seria o da alteração da legislação relativa à utilização do solo, e assim permitir aos proprietários de terrenos agrícolas dispor dos seus activos da melhor forma que entenderem. A legislação do uso do solo em França é um exemplo perfeito do pior planeamento ao estilo soviético. Tudo começou com uma lei de 1967 que exigia que as grandes cidades estabelecessem planos de zonamento [equivalentes aos nossos PDM]. No início, aqueles planos limitavam-se apenas às grandes cidades, mas rapidamente foram também estendidos à maioria das cidades. O quadro regulamentar relativo aos solos, ajudado pelas leis e regulamentos da União Europeia, explodiu durante as décadas de 1980 e 1990 com a criação de leis relativas às zonas litorais, às zonas húmidas, à biodiversidade, e às zonas de preservação da natureza. Os grupos ambientalistas foram instrumentais na promulgação de muitas dessas novas leis.

Todos estes regulamentos sufocaram a construção. De 1997 a 2007, a França teve uma bolha imobiliária, mas, ao contrário do que sucedeu em Espanha, houve muito pouca construção uma vez que as leis de zonamento deixaram muito poucos solos destinados à construção. Os preços da habitação aumentaram 140% durante este período, um crescimento 90% superior ao do rendimento das famílias. Contudo, o custo de construção aumentou apenas 30%. Isto foi, claramente, uma bolha relacionada com a utilização dos solos cuja principal causa foi a regulamentação respectiva.



Hoje, a maior parte dos planos de zonamento têm uma validade de 15 anos, e geralmente tornam-se inadequados logo que concluídos. No início da  década de 1980, uma revisão de um plano demorava dois ou três anos. Neste momento, a duração mínima é de três anos. Porém, se estiverem envolvidos grupos ambientalistas, as alterações podem demorar mais de uma década. Muitas pequenas cidades têm vindo a lutar ao longo de sete anos de batalhas judiciais para adicionar uns míseros 20 hectares de terras urbanizáveis ao plano. Por exemplo, as 20 cidades da área metropolitana de Nantes (a 10ª cidade de França) demoraram seis anos para elaborar o seu plano mais recente. Actualmente, existem 16 mil hectares de terras agrícolas à volta de Nantes, mas estão previstos apenas 300 hectares para novas construções nos próximos 15 anos. Isto é uma ninharia para os quase 1 milhão de habitantes desta região em crescimento.

As pessoas gostam da liberdade para si próprias, mas receiam a liberdade para os outros. Os planeadores temem que o mercado livre leve à anarquia e à catástrofe ambiental. Os políticos temem os males da expansão urbana. Nas décadas de 1950 e 1960, o governo francês criou 700 "guetos urbanos", subúrbios desumanizantes ao estilo soviético, sem muitas das comodidades básicas como bibliotecas, escolas secundárias, etc. Num mercado livre, os promotores imobiliários colocam no mercado o que as pessoas desejam. Se as pessoas não querem viver em bunkers de estilo soviético, eles não irão ser construídos. É possível que um promotor cometa um erro, mas ele provavelmente só o cometerá uma vez, não 700 vezes.

As leis de zonamento são o reflexo político destes medos e o capitalismo de compadrio prospera em tal ambiente. Entidades bem relacionadas projectam periodicamente ganhos para si próprias através dos planos de zonamento e, em seguida, usam barreiras regulatórias de tais planos para restringir a entrada [de novos concorrentes (vizinhança, comércio, etc.)]. Além disso, desde a década de 1980, o direito europeu [da União Europeia] tornou mais difícil aos governos que prestassem directamente serviços que poderiam ser levados a cabo por entidades privadas. A França tem agora pelo menos 30 mil funcionários públicos, a tempo completo, cuja única função é a de fiscalizar as empresas privadas de consultoria que são pagas para elaborar planos. O capitalismo de compadrio e o socialismo são muito bons parceiros.

Hoje, os solos para construção são cerca de 200 vezes mais caros que os terrenos agrícolas em França e chegam a 500 ou mesmo a 1000 vezes mais perto das principais cidades. A procura existe! A regulamentação limitou-se simplesmente a reprimi-la, e ela precisa ser libertada.

Reformas na utilização dos solos em França reduziriam os custos de desenvolvimento em muito mais do que 50% e criariam um mini boom de construção em quase todas as principais cidades francesas. Nos subúrbios franceses de Genebra, os edifícios habitacionais surgiriam como cogumelos.

Isso não significa necessariamente que devamos prescindir de legislação ambiental, mas não devemos permitir que a preocupação com o meio ambiente seja um pretexto para não fazer nada. Há uma enorme procura por habitações acessíveis em muitas partes da Europa, mas os ambientalistas preferem assistir ao despejo de toneladas de produtos químicos nas terras agrícolas, ano após ano, a procurar formas de proporcionar às famílias melhores condições de habitação."

Sem comentários: