quarta-feira, 23 de abril de 2014

Manipulação e Incerteza


Da inércia à aventura

Fernando Gil, “Os inventores do futuro”, 1998

“A previsão impede então a abertura e passa apenas a recobrir uma aspiração à recondução de situações conhecidas, a antecipação consistirá no voto que nada mude e tudo permaneça ´como dantes`. A noção de progresso amputa-se da aventura que representa, para se confinar na dimensão do seguro de vida.
Em vez de gerar este reflexo de angústia, senão de pânico, e portanto comportamentos defensivos ou desesperados, a ideia de risco deve tornar-se uma oportunidade. (...) A incerteza como dimensão existencial fornece à humanidade um trunfo de peso pois permite-lhe recobrar o seu próprio. A verdadeira conduta racional consiste em integrar o risco para além da antecipação prospectiva.”


Estas palavras – e as ideias que nelas são transportadas – permitem enquadrar a polémica que a publicação de um livro (e as entrevistas do seu autor) tem causado no seio do establishment jornalístico e financeiro (serão diferentes?) americano. As consequências mundiais dessa polémica chegarão a seu tempo.
O livro de Michael Lewis tem o título: “Flash Boys” (não se conhece intenção de o traduzir para português). O tema do livro é a negociação de alta frequência (high frequency trading), designada assim por ser realizada por computadores que beneficiam de acesso privilegiado (antecipado, portanto) a informação relevante do ponto de vista do mercado, permitindo lucros importantes às entidades que os operam. A dimensão destas operações é tal que a sua ocorrência acaba por determinar, por si, toda a dinâmica do mercado. Muitas vezes sem nenhuma relação com algo conhecido que o justifique, estes computadores vendem ou compram uma quantidade substancial de títulos de uma determinada empresa ou contratos de futuros relativos a matérias-primas e todo o ímpeto do mercado se altera. Quem beneficia?
Importa reter que esta prática é mais uma amostra de que os mercados estão preparados, estão condicionados. Estão, simplesmente, manipulados. E foi, justamente, essa constatação que causou polémica junto do referido establishment, da situação. Ou seja, aqueles mesmos que apostam sabendo, com antecedência, daqueles movimentos do mercado.
O que levou Grant Williams a dizer que:
“A sugestão de que o mercado é tudo menos escrupuloso e justo, conduziu os jornalistas da CNBC e Bloomberg TV a um estado de apoplexia. Mas quem são estas pessoas que acreditam em unicórnios e arco-íris em mercados justos?
É claro que estes jornalistas (e as corporações que os empregam) precisam que as pessoas acreditem que os mercados sejam livres e justos, caso contrário, essas pessoas podem começar a pensar pelas suas próprias cabeças e a questionar a actual situação. Por isso, compreendo que jornalistas, comentadores e investidores institucionais sintam a necessidade – que roça o desespero – de tomar a posição contrária de quem afirma que há manipulação no mercado bolsista.”

São múltiplas as instâncias dessa manipulação: das matérias-primas às taxas de juro, passando pelas taxas interbancárias (LIBOR) ou pelas paridades monetárias. Os mercados à escala global estão manipulados. As evidências multiplicam-se ao passo das investigações que certas organizações decidem fazer a certas práticas de mercado.
Há, pelos vistos, quem se espante ou ofenda com quem apenas diz a verdade. Importa, acima de tudo, compreender porquê. Porque reagem, certos actores, com indignação a essa constatação?
Mais, por que razão não reagem, isso sim, à prática fraudulenta, por exemplo, do Banco Central Europeu quando a Grécia, face aos seguintes dados (Grant Williams mais uma vez):

- a economia contraiu 25% em quatro anos e 2,3% só no último trimestre de 2013
- desemprego: 27%; desemprego jovem: 58%

consegue vender dívida soberana a cinco anos com uma taxa de 4,95%?
(e o caso português? será que o nosso caso é muito diferente?)

Esta conduta do ECB é fraudulenta, pois não permite que os preços meçam adequadamente o risco no mercado. E há muitos mais exemplos dessa fraude. Alguém considera possível que a Bélgica tenha condições de ser o terceiro detentor mundial de dívida americana? É o que neste momento acontece. Alguém acredita que seja possível que 3/4 do seu PIB estejam a ser investidos em dívida? Quem está por detrás dessas aquisições?
Não deveria ser a constatação de que os mercados são arranjados a gerar mau-estar. Este deveria resultar, isso sim, da consciência de que talvez o buraco e as maquinações institucionais engendradas para manter o jogo tal como está, não têm fim.
Recuperando a passagem inicial – que é um fundamental convite a pensar – detectam-se nesta polémica, pelo menos, duas posições. Por um lado, aqueles que a partir de uma posição estabilizada (e estagnada) tudo farão para manter a situação doentia em que vivemos. Inclusive fingirem ofensa perante quem, não só identifique, mas revele a extensão do problema. A dimensão do Mal.
Reconhecerão os leitores aqueles que se mostram ofendidos?
Do outro lado, terão de estar todos os que assumem, desejando ser livres e racionais, o risco da aventura. Querendo, pelo potencial das suas capacidades, a concretização de uma oportunidade.

Fernando Gil, idem

“A prudência só é uma virtude se se orientar pela coragem e não pelo entrincheiramento timorato em posições incessantemente resseguradas. A glória dos indivíduos ergueu-se sempre sobre a capacidade de tomar uma decisão audaciosa e ponderada”

1 comentário:

floribundus disse...

a minha maior satisfação de 60 anos de trabalho

é nunca ter vivido à custa dos contribuintes

um ano na universidade e uns meses na tropa foram migalhas

os carrascos que dominam a oligarquia chamada MONSTRO

são o espelho da merda de povo que seremos pelos séculos dos séculos

'não merecia a pouca sorte de ter nascido'
neste 'dejecto'