quarta-feira, 16 de abril de 2014

Planeamento central ou a exuberância de uma adivinha

Imagem daqui

Quando nos perguntamos em que circunstâncias económicas nos encontramos, como podem ser entendidas as políticas impostas ou, simplesmente, para onde caminhamos, hesitamos em aceitar as respostas que gravitam no nosso espaço político e comunicacional. Por isso é útil ouvir os verdadeiros protagonistas, sempre que eles facilitam o acesso aos seus momentos de sinceridade. Ainda que tenhamos de usar de cautela face a ela, aproveitemos o que há de revelador nas palavras e nos discursos.
A seguir apresentam-se partes de um discurso de Richard W. Fischer, que é governador do Banco da Reserva Federal de Dallas (rede de bancos que compõem a FED – nt), numa cerimónia em Hong Kong no início deste mês. Dêmos, então, espaço aos excertos que traduzi, a que acrescentei alguns sublinhados e pequenas observações.

Planeamento central”, discurso de Richard W. Fischer perante a Sociedade Ásia - delegação de Hong Kong

“Quando a FED compra obrigações do Tesouro americanas ou outros produtos financeiros complexos como MBS (Mortgage-Backed Securities), pagamos por isso injectando moeda na economia, com a expectativa de que essa liquidez seja usada pelos bancos e outros investidores para financiar investimentos que criem emprego, a compra de casas e outras actividades económicas expansivas. Até agora, muita dessa liquidez injectada na economia tem estado a ser retida em vez de ser gasta no grau desejado.


(...) Assim, através da engenharia financeira (sic), ajudámos a suportar um mercado fortemente positivo nas acções. Os índices quase triplicaram desde as quedas registadas em Março de 2009. (...)
Isto não é matéria de somenos, o facilitamento quantitativo (quantitative easing – QE – nt) tornou a vida fácil não apenas aos tesoureiros das empresas, aos donos de casas e consumidores endividados, mas também aos operadores no mercado das reservas monetárias. Fez aumentar o preço das acções e dos certificados de dívida numa linha sempre crescente e, tendo retirado a volatilidade do mercado, permitiu aos operadores do mercado e seus clientes obter ganhos financeiros importantes com pouco esforço.
A questão de quando e em que condições o Comité Federal das Operações de Mercado (FOMC) começará a aumentar a taxa de referência é, compreensivelmente, de grande interesse.(...)
Mas, verdade seja dita, apesar de muitos de nós (banqueiros centrais – nt) possuirem avançados modelos econométricos e equipas de economistas fenomenais que nos ajudam a desenvolver as nossas projecções, estas estimativas são, no final, largamente esforços de adivinhação (guesswork no original - nt). Em especial quando olhamos para um futuro mais longínquo. No entanto, a imprensa e o mercado foca-se nessas adivinhas como se fossem pronunciados por sábios monetários que tudo vêem e tudo sabem. (...)
Do meu ponto de vista, os compromissos não são sempre credíveis, especialmente se eles se estendem muito para o futuro.
É difícil manter os políticos comprometidos para o futuro, é difícil antecipar todas as circunstâncias económicas que podem estar à nossa espera mais à frente. De um modo geral, quanto mais para o futuro um compromisso se estender, mais vago ele será.”

E a terminar esta verdadeira pérola:
“Iremos atravessar o rio que nos separa de uma economia e políticas monetárias normalizadas, sentido as pedras.”

Da economia planeada, da financialização da economia, da selecção pelo estado dos vencedores no mercado (o lado da mesa que ganha todas as fichas), das orquestrações e adivinhações que passam por dinâmicas de mercado, dos compromissos volúveis, de tudo isto se fala como sendo uma inevitabilidade.
Resta alguma coisa para além dela?
Ou tudo se resume aos intentos lúbricos dos adivinhadores?

3 comentários:

floribundus disse...

meu avô dizia para estar sempre 'com um pé atrás'

mais tarde ensinaram-me a seguir o que chamavam 'dúvida sistemática'

brincando com as palavras que às vezes surgem como gralhas ou funcionamento do subconsciente
'dívida sistemática' tornou-se genética

há tempos num texto
em vez de paleolítico escrevi paleiolítico

tinha estado a ler Oswald Spengler em Untergang des Abendlandes em pdf na Net

floribundus disse...

meu Caro
quando escrevi Der Untergang senti-me mal na minha modéstia

queria referir que untergang significa naufrágio e não decadência

estou a ler em tradução espanhola com introdução de Ortega y Gasset

LV disse...

Floribundus,

Fiquei a rir a bom rir logo no "paleiolítico".
A nossa mente a pregar partidas.
Saudações,
LV