sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Como ensinar História sem recorrer a manuais

Entre 10 e 12 de Fevereiro do corrente mês, morreram três conhecidos jornalistas americanos que estavam envolvidos numa investigação aos acontecimentos de 11 de Setembro: Bob Simon (CBS), 73 anos, num acidente de automóvel; Ned Colt (NBC), 56 anos, de ataque cardíaco; e David Carr (NYT), 58 anos, que sofreu um colapso súbito na redacção do New York Times (a autópsia viria a atribuir a causa de morte a cancro de pulmão e insuficiência cardíaca). Este último, horas antes, havia moderado um painel em que participaram, entre outros, Glenn Greenwald, Laura Poitras e Edward Snowden (por vídeo-conferência), a propósito do CitizenFour, um documentário nomeado para os Óscares de 2015, onde a realizadora Poitras conta a história do whistleblower Snowden. Meras coincidências semelhantes a estas 103? Talvez. Em todo o caso, foram estas circunstâncias que me motivaram a traduzir um recente artigo de Gary North onde se aborda o tema do revisionismo histórico e a estratégia para estimular os alunos a aguçar a sua curiosidade relativamente à História e, em particular, às histórias que se contam sobre ela (bem como as que não se contam...).
17 de Fevereiro de 2015
Por Gary North


O cerne da história revisionista reside nisto: a versão do manual escolar está errada.

Gary North
Ela poderá estar errada por razões meramente técnicas pois é possível que determinados documentos tenham sido suprimidos, perdidos, ignorados. Poderá suceder que um dado acontecimento seja bem mais complexo do que os manuais escolares indicam. Mas, em algumas matérias, nomeadamente as relativas à banca, à guerra e à despesa pública, a história narrada no manual foi deliberadamente escrita por historiadores da corte. Os historiadores da corte suprimiram deliberadamente informação quando esta apontava para origens conspiratórias do acontecimento. É crucial para os historiadores do establishment poder ignorar investigações desse tipo catalogando-as de história conspirativa, como se as conspirações não existissem na história, e como se elas não controlassem os acontecimentos do passado.

Deste modo, o historiador revisionista deve começar com esta pergunta: quais são os aspectos de um acontecimento particular que jamais poderiam ter tido lugar? O que leva à pergunta seguinte: quais foram as perguntas que a guilda dos historiadores se recusou deliberadamente a colocar? Porquê?

Quase todas as guerras na história dos Estados Unidos são elegíveis para uma história revisionista. Já anteriormente afirmei que o que precisamos é de um estudo, em múltiplos volumes, das guerras em que a América interveio. Cada volume deveria analisar uma guerra e responder a três perguntas.
  1. Como é que os Estados Unidos entraram na guerra?
  2. Como é que a guerra foi paga?
  3. Quais foram os resultados sociais e económicos da guerra?
Não constituirá uma tese radical sustentar que o financiamento de uma guerra  e o seu resultado provocam mais alterações na sociedade do que praticamente todos os outros acontecimentos não-militares. A guerra é bem compreendida enquanto dispositivo de transformação social radical. Mas só raramente os historiadores convencionais examinam com detalhe o modo como a guerra foi financiada. Em quase todos os casos, ela foi financiada através de dívida. Este fardo da dívida mudou a sociedade do pós-guerra. Isto é prontamente admitido em relação à guerra franco-indígena (1755-1763), que George Washington pessoalmente iniciou, bem como a tentativa do pós-guerra do governo britânico de tributar os colonos americanos, especialmente os proprietários de jornais e os advogados - a Lei do Selo. Há um século atrás, o historiador esquerdista Charles Beard escreveu a sua história sobre as origens da Constituição dos Estados Unidos fundada na tentativa da maioria dos presentes na Convenção Constitucional de levar o governo federal a assumir as dívidas dos estados. Mas essa interpretação caiu em desuso nos finais da década de 1950 e só recentemente foi reponderada.

Um dos problemas de discutir temas como o assassinato do presidente Kennedy ou o 11 de Setembro é o seguinte: não há nenhuma tese suficientemente popular para substituir a interpretação oficial governamental. Trata-se de um problema de Pareto. Mesmo quando os americanos dizem não acreditar na versão governamental, eles não sabem em que versão acreditar. Assim, por defeito, é a versão governamental que vence.

Na minha opinião, o exemplo mais notável da guilda dos historiadores profissionais é o da supressão das provas das muitas visitas pré-Colombo ao hemisfério ocidental por parte de exploradores e comerciantes, através do Pacífico ou do Atlântico. As provas que confirmam essas visitas continuam a acumular-se, e todavia a guilda dos historiadores profissionais tem tido êxito na supressão de todas essas histórias, com a eventual excepção das visitas à Terra Nova pelos vikings. A comunidade académica tem tido sucesso a destruir a carreira de todo o historiador que tenha tentado defender a tese de que Colombo foi o último a chegar.

Deixem-me dar um exemplo. Creio ser inquestionável que a nação Cherokee tenha raízes na Europa Ocidental. Há um livro de 2012 sobre o tema de Donald Yates: “As Raízes do Velho Mundo dos Cherokee: Como o DNA, Alfabetos Antigos e a Religião Explicam as Origens da Maior Nação Indígena da América”. Escusado será dizer que o livro não foi publicado por uma editora universitária. Como também não será necessário referir que o autor não trabalha numa universidade. O livro é notável pela sua documentação - contém uma vasta bibliografia e muitas anotações. Baseia-se em materiais que têm permanecido completamente desconhecidos na comunidade académica.

No meu curso sobre história americana para o Curriculum Ron Paul, começo com uma consideração dos factos que não se encaixam [na narrativa oficial - NT]. Há dúzias de factos desses. Na realidade, existem milhares deles. Seria possível dar um curso durante um ano inteiro sobre estes factos. Mas depois seria igualmente necessário discorrer sobre a supressão desses factos, uma supressão que remonta há pelo menos dois séculos atrás.

A grande questão historiográfica não é esta: por que demoraram os europeus tanto tempo para descobrir o Hemisfério Ocidental? A questão é esta: por que razão foi esquecido o conhecimento deste hemisfério durante 1000 anos (ou talvez 700) pelos europeus?

A minha estratégia de ensino assenta no seguinte: eu não irei ser capaz de responder à segunda questão pelo que limitar-me-ei a assinalar aos alunos a importância da pergunta e as evidências que sustentam a sua formulação. Parto do princípio de que os alunos estão sempre interessados na informação suprimida. Muitos americanos estão interessados em informações suprimidas. A Internet tornou possível a milhões de americanos começar a investigar milhares destas perguntas. É evidente que a maior parte das perguntas jamais será conhecida pela grande maioria das pessoas que pesquisam a Internet. Mas há um número suficiente que faz tais pesquisas, de tal modo que o governo tem agora uma enorme dificuldade em descartar todas essas teorias rivais como meras teorias da conspiração. Há simplesmente demasiadas evidências disponíveis na rede, sobretudo evidências visíveis.

Se eu fosse dar um curso sobre o 11 de Setembro, começaria com esta pergunta: onde é que se despenhou o avião que sobrevoou o oeste da Pensilvânia? Uma coisa pode ser estabelecida sem qualquer sombra de dúvida: ele não se despenhou num único local. Não havia destroços de partes do avião para investigar no suposto local do acidente. Nunca os houve. E todavia esta história foi suprimida. Uma outra questão: o que aconteceu às caixas negras de cada um dos quatro aviões? Nenhuma delas foi oficialmente recuperada, nem as informações contidas nesses gravadores foram colocadas à disposição do público. Depois, há a famosa pergunta, visível aos olhos de todos: por que razão ruiu o Edifício 7 se não foi atingido por nada?

Comece-se com o que é visivelmente impossível de acordo com os relatos oficiais. De seguida, caso se disponha de tempo suficiente, trabalhe-se da frente para trás.

A minha abordagem é a de começar com as anomalias e, em seguida, desafiar os alunos a fazer a sua própria pesquisa sobre uma qualquer que despertar o seu interesse. Deixemo-los descobrir uma explicação. Deixemo-los investigar factos que não aparecem em nenhum manual do ensino secundário ou da faculdade. Deixemo-los descobrir que certos factos foram suprimidos, inicialmente activamente suprimidos, e depois esquecidos pela guilda. Deixemo-los descobrir que a guilda dos historiadores controla o fluxo de informações de modo a favorecer as interpretações históricas que os governos promoveram desde o início. Isto é especialmente verdadeiro quanto às origens das guerras e ao seu financiamento.

Não é necessário responder a todas as perguntas relativas às origens de um acontecimento particular. Só é necessário destacar que certos acontecimentos tiveram lugar e que os manuais escolares não admitem que tenham ocorrido. Em alternativa, é apenas necessário assinalar anomalias que são ignoradas nas versões oficiais dos acontecimentos. O objectivo é despertar suspeitas por parte dos alunos em relação às explicações dos manuais escolares, que são invariavelmente explicações governamentais.

O meu conselho relativo à história revisionista é o seguinte: comece-se com os acontecimentos que, de todo, não podem ter ocorrido da maneira que a explicação oficial sustenta. Não é necessário ter uma teoria abrangente quanto ao modo como eles ocorreram. É apenas preciso ter evidências suficientes para assinalar que a explicação oficial não pode ser verdadeira. Comece-se com o que não pode ser verdade para, de seguida, se trabalhar de volta àquilo que possa ser verdade.

Se, pelo caminho, for possível proporcionar evidências de que indivíduos que inicialmente questionaram a versão oficial vieram a morrer em circunstâncias suspeitas, isso será também uma vantagem. No que respeita ao assassinato de Kennedy, a morte de Dorothy Kilgallen é o exemplo óbvio. Ela morreu imediatamente após a sua detalhada entrevista a Jack Ruby. Aqui estava uma celebridade e uma bem conhecida repórter cuja morte de algum modo suscitou pouco interesse por parte de outros repórteres. No entanto, há meio século que a conheço. É facilmente investigável na Internet. Durante quatro décadas não o foi.

De seguida é ir até Mae Brussell, cujos notáveis artigos estão online. Durante décadas, só o núcleo duro a conhecia - essencialmente à Esquerda.

A meu ver, não é sensato ensinar história segundo os termos de um manual. Pode-se utilizar um manual para conhecer as explicações oficiais, ou para obter certos detalhes publicamente disponíveis, mas todo aquele que dependa de um manual para ensinar história já renunciou à verdade.

4 comentários:

Unknown disse...

A cultura das teorias da conspiração animam muitas publicações e são pertinentes em quase todos os acontecimentos passados.
Alguns conseguem ter sucesso e descobrir ouro e tesouros; outros vendem livros.

LV disse...

Caro António Cristóvão,

Quando refere "A cultura das teorias da conspiração..." refere-se a quê?

- Aos acontecimentos que, a coberto da discrição do poder, alguns decidem e de que muitos se sentem vítimas?

ou

- Aos acontecimentos cuja interpretação presente parece demasiado "elaborada, rebuscada", mas que, à luz da distância histórica e do consentimento obtido pelos cidadãos para desvelar aquela discrição (já que, quem manda, não sofrerá consequências...), se mostram afinal grotescos e pérfidos? Nas intenções, nas motivações e, claro, nas consequências?

Parece-me que, em ambos os casos, manda o estudante (por mais humilde que seja) da história e da filosofia desconfiar sempre. Em particular de quem exerce o poder, considerando-se mais capaz, sentindo-se autorizado a resolver entre "amigos" os rumos, as liberdades e a capacidade de compreender e usar a linguagem e o pensamento de todos os outros.

O revisionismo histórico - atitude que, julgo, está no centro do artigo que o Eduardo nos deu à consideração - é algo que devemos cultivar. E num espírito de vivência democrática (do qual desconfio crescentemente) essa atitude de cepticismo saudável por parte de todos poderia ser a garantia de que há controlo sobre quem exerce o poder. Seria, digamos, o verdadeiro exercício de cidadania. Os gregos (os antigos, atenção!) imponham-se a si mesmos essa condição de dizer tudo perante quem exercia o poder, que cada cidadão fosse um parrhésiastés.
Promover esta atitude seria como que o indício da prática mais contraditória com a falsidade e com a submissão. Seria, precisamente, um exercício particular de autonomia crítica intelectual. De Liberdade, portanto.

Se há quem, com isso, ganhe a vida a vender livros, ainda bem. O que urge é desmontá-los quando se mostrem abusivos na sua capacidade de articular uma interpretação histórica.

Diga-me: o que podemos fazer se não isto face ao mastodonte de poder que se ergue em dimensões dificilmente imagináveis há décadas?
Veja o caso dos cartões SIM dos telefones móveis que os serviços de inteligência infiltraram. Veja o caso da Lenovo que admitiu que instalou software de controlo de localização e biométrico em milhões de computadores pessoais.
Ou o caso da Samsung que, nas entrelinhas das instruções dos seus aparelhos de televisão mais recentes, avisa que as pessoas devem ter a noção que a marca pode estar a recolher, sem o consentimento do proprietário, dados de voz e imagem para futuras campanhas de comunicação.
Dificilmente Orwell, Huxley e outros podiam ter antecipado a maldade destes pormenores nos seus disgnósticos (note-se a palavra). Há época, as suas obras seriam de ficção. Hoje elas são comedidas, não na ficção, mas na realidade dos factos históricos aterradores.
Passamos, assim, de teorias de conspiração a factos históricos indesmentíveis em poucos passos. E o ritmo desta transição tem-se encurtado.
Não lhe parece?

Saudações,
LV

JS disse...

Frightening staff!
(e óptimo comentário)
O método do Prof North é bom demais. Arrisca-se a ensinar o pessoal a pensar.
Dangerous staff.!
Greetings.

Lura do Grilo disse...

As pessoas que podiam esclarecer o mistério da certidão de nascimento de Obama e um conhecido jornalista (Andrew Breitbart) que se propôs revelar algumas facetas desconhecidas do 44 da Casa Branca também morreram.