quarta-feira, 12 de junho de 2013

A insensibilidade social da verdade

Ao longo de toda a minha vida, sempre recusei pertencer aos grupos de carpideiras profissionais muito próprios da "condição lusitana". Não obstante, a verdade é que não descortino razões algumas, por mais que me esforce, para ter algum optimismo quanto ao desenlace da crise económica e moral que atravessamos. Desgraçadamente, sendo o mundo da irracionalidade ou da emoção impermeáveis à razão, mesmo as pessoas letradas sustentam leituras da realidade que não têm qualquer correspondência com os factos mais elementares. O epíteto, nas versões mais amenas, de "insensibilidade social" ou, mais comummente, das visões "economicistas" (aqui os factos surpreenderam-me, sempre esperei pela abjuração "contabilística") dos problemas, desencoraja muita gente a discutir, com serenidade e seriedade, os gravíssimos problemas que temos pela frente e dos quais, como se escreve abaixo, e por muito que nos custe saber, "há ainda mais e pior".

É verdade que, entre nós, algumas vozes isoladas (para além da habitual) têm surgido a desvendar a verdade em alguns domínios onde já quase tudo está de facto às escâncaras. Noutras longitudes, o mesmo se vem passando. David Stockman é um das desassombradas vozes nos EUA que recentemente publicou o magnífico livro que continua a ocupar a vitrina lateral - The Great Deformation - em cuja leitura mergulhei já há umas semanas. O que se segue é um excerto desse livro publicado no Mises Institute sob o auto-explicativo título  Social Security: The New Deal’s Fiscal Ponzi. Como referi acima e em outras ocasiões, não estou optimista. Creio, antes, que o tempo prestará o devido tributo a Gary North: só depois de termos atravessado o Rubicão do "Grande Incumprimento", a sanidade poderá regressar. A tradução, bem pobre quanto comparada à qualidade do texto original, é minha. Um bom fim-de-semana.
David Stockman
A lei da Segurança Social de 1935 não teve virtualmente nada a ver com o fim da depressão, e se algum efeito produziu foi um impacto contraccionista. As contribuições sociais sobre os salários começaram em 1937, enquanto os pagamentos regulares de benefícios apenas se iniciaram em 1940.

No entanto, o seu legado fiscal ameaça a catástrofe na presente era porque o seu princípio nuclear de "seguro social" dá inexoravelmente lugar a uma máquina fiscal apocalíptica. Quando, no contexto da democracia política moderna, o estado proporciona transferências universais aos seus cidadãos sem comprovação de necessidade, está dessa forma a promover a sua própria bancarrota - a prazo.

Ao invés, uma pequena parte da legislação de 1935 contemplava o princípio oposto, ou seja, a rede de segurança sob condição de recursos proporcionava auxílios diferenciados aos idosos de baixos rendimentos, aos invisuiais, deficientes e famílias dependentes. Estes programas eram inerentemente auto-suficientes porque os beneficiários de transferências sob condição de recursos não têm os meios, isto é, PACs [Comités de acção política] ou lobbies organizados - para "capturar" a elaboração de políticas e, assim, pôr em risco as finanças públicas.

Na medida em que a ajuda social baseada na condição de recursos seja estritamente financiada numa base de tesouraria, tal como foi afincadamente defendido por Milton Friedman, na sua proposta de criação de um "imposto negativo" sobre o rendimento, ela é ainda mais estável do ponto de vista fiscal. Transferências baseadas exclusivamente em fluxos de caixa não alistam nem mobilizam o poder dos lobbies dos prestadores e fornecedores de assistência em espécie, como é o caso da habitação e dos serviços médicos.

O seguro social, por outro lado, sofre da deficiência dupla de ser regressivo no plano distributivo e explosivamente expansionista no plano fiscal. A fonte de ambos os males é o princípio da "substituição do rendimento" proporcionado através da socialização obrigatória distribuída por gigantescos estratos da população.

Do lado do financiamento, a pesada tributação necessária para financiar o sistema foi tornada politicamente viável pela mitologia de que os participantes estão a pagar um "prémio" [hoje] para virem [amanhã] a receber a anuidade proveniente dos respectivos "rendimentos", e não estão a pagar um imposto. Consequentemente, o financiamento através das contribuições sobre os salários é vincadamente regressivo porque todos os participantes pagam uma taxa uniforme independentemente do rendimento.

Do mesmo modo, os benefícios também são regressivos porque aqueles com os salários mais elevados ao longo da sua vida activa têm a maior taxa de substituição [do salário pela pensão de reforma]. Este resultado regressivo é apenas parcialmente atenuado pelos chamados "pontos de curvatura" que proporcionam uma maior substituição no primeiro dólar dos salários abrangidos do que nos últimos.

Os filósofos do seguro social do New Deal fizeram então um pacto com o Diabo [um "pacto faustiano"]. Para conseguir pensões financiadas pelo estado e subsídios de desemprego aos mais necessitados, eles evitaram a condição de recursos e, em vez disso, acordaram numa generosa taxa de substituição do salário numa base universal. Para financiar o custo maciço desses benefícios universais acordaram numa contribuição regressiva sobre os salários disfarçando-a como se de um prémio de seguro se tratasse. No entanto, os resultados de longo prazo não poderiam ter sido mais perversos.


O imposto sobre os salários tornou-se num monstro anti-emprego e porém, sob a bandeira de um direito universal, os sindicatos defendem tenazmente o que deveria a sua Némesis. Paralelamente, as classes prósperas têm ficado com uma grande fatia destas transferências e alegam agora que ganharam direito a elas, quando os cidadãos abastados não deveriam ter, de todo, qualquer reivindicação sobre o erário público.

Por conseguinte, o seguro social coopta todas as potenciais origens de oposição política, o que inerentemente o torna numa máquina fiscal do juízo final. Era apenas uma questão de tempo, por exemplo, que as gigantescas populações beneficiárias capturassem o controle da política de benefícios em ambos os partidos e, muito especialmente, cooptassem a oposição fiscal conservadora.

Algumas décadas depois, de facto, os escrúpulos fiscais republicanos tinham desaparecido completamente. Isso foi mais do que evidente quando Richard Nixon não vetou, mas, pelo contrário, assinou um aumento de 20% por cento nos benefícios da Segurança Social nas vésperas das eleições de 1972. Pior ainda, o projecto de lei também continha a famosa cláusula da "dupla indexação " disposição que, desde então, tem gerado enormes aumentos ocultos de benefícios pela sobre-indexação da história salarial de cada trabalhador. O custo fiscal da incessante expansão universal dos benefícios tem levado um aumento épico no imposto sobre os salários. A taxa inicial de imposto sobre os salários, em 1937, era de cerca de 2% dos salários mas, depois de vários aumentos de benefícios por via legislativa, com a adição do Medicare em 1965, da explosão de benefícios de Nixon e dos aumentos verificados durante os mandatos de Carter e Reagan, a taxa combinada entre empregador e empregado atinge agora os 16 por cento (incluindo o [fundo] imposto de desemprego).

Assim, os impostos federais e estaduais sobre os salários para Segurança Social geram 1,2 milhões de milhões de dólares por ano em receitas - quatro vezes mais que o imposto sobre o rendimento das empresas [equivalente ao nosso IRC]. Deste modo, com os mais altos custos do trabalho do mundo, os EUA impõem agora impostos punitivos sobre os salários. Permanecem assim reféns do jogo político fortuito - ou seja, do destrutivo pacto com o Diabo, celebrado há oito décadas atrás, quando os altos muros das barreiras alfandegárias, e não contentores carregados com mercadorias baratas produzidas pela mão-de-obra estrangeira barata, circundavam os seus portos.

E todavia, há ainda mais e pior. O actual imposto punitivo sobre os salários é na realidade demasiado baixo. De facto, ele subfinancia drasticamente os benefícios futuros devido às taxas de crescimento económico, do domínio da "ficção positiva", consideradas nas projecções actuariais a 75 anos. Como resultado, a estrutura de benefícios continua a "moer", em modo de piloto automático, não enfrentando o mais leve vestígio de oposição política. No entretanto, o dia da verdade, que rapidamente se aproxima, está tenuamente dissimulado por fundos [de "estabilização financeira"] que não passam de ficções contabilísticas.

Na verdade, estes fundos são simultaneamente desprovidos de significado e falidos. Os pagamentos anuais de benefícios já superam as receitas fiscais em mais de 50 mil milhões de dólares por ano, enquanto que as chamadas reservas dos fundos - 3 milhões de milhões de dólares de fictícios títulos do Tesouro acumulados nas décadas anteriores - são meras promessas para usar os poderes de tributação do governo dos EUA para fazer frente à crescente onda de benefícios.

A mitologia do seguro social do New Deal de anuidades "ganhas" sobre os "prémios" que foram acumulados nas reservas dos fundos [de "estabilização financeira"] é, portanto, uma pura fraude fiscal. Na realidade, a Segurança Social é apenas um sistema de pagamento de transferências intergeracionais.


Além disso, este último baseia-se na crença errónea de que novos trabalhadores e salários podem ser sempre "convocados" para o sistema de forma mais rápida da que ocorre com o crescimento dos benefícios. Durante os dias inebriantes de 1967 [corriam os tempos da "Grande Sociedade"], por exemplo, Paul Samuelson e os seus acólitos keynesianos na administração Johnson ainda acreditavam que a economia americana era capaz de manter um crescimento sustentado a uma taxa anual de 5%. O vencedor do Prémio Nobel assegurava assim aos seus leitores da sua coluna na Newsweek que pagar benefícios extraordinárias, sem a respectiva contrapartida contributiva, aos beneficiários actuais da Segurança Social era algo que não oferecia dificuldade: "A beleza do seguro social é que é actuarialmente malsão [unsound, no original]. A todos... é dado o privilégio de usufruir de benefícios que excedem em muito tudo o que tenham pago para o sistema..."

Samuelson indagava retoricamente sobre como era isto possível e sucintamente respondeu à sua própria pergunta: "O produto nacional está a crescer a uma taxa de juro composto e podemos esperar que tal aconteça até onde os olhos alcançam ver ... A segurança social está directamente baseada nos juros compostos ... o maior esquema de Ponzi já alguma vez inventado."

Quando os 5% de crescimento real vieram a dar numa ilusão keynesiana e o crescimento do produto caiu para os 1%-2% após a viragem do século, a base actuarial da pirâmide de Ponzi de Samuelson desabou. É agora evidente que Washington não consegue diminuir, ou até mesmo estancar, a máquina fiscal do apocalipse que lhe subjaz.

A catástrofe fiscal embutida no regime de seguro social do New Deal não era inevitável. Um programa para a aposentação daqueles sob condição de recursos, financiado com receitas gerais, foi explicitamente recomendado pelos especialistas analiticamente proficientes, sob encomenda da Casa Branca de Roosevelt, em 1935. Mas a cabala de FDR dos reformadores do trabalho social, liderados pelo secretário do Trabalho, Frances Perkins, levou a pensar que a condição de recursos era algo de humilhante, não tendo a  menor ideia de que a condição de recursos é a única defesa real disponível para as finanças públicas numa democracia de bem-estar social.

Quando a economia norte-americana ia de vento em popa, em 1960, o esquema de Ponzi de Paul Samuelson consistiu em extrair receita tributária da massa salarial no montante de cerca de 2,8% do PIB. Meio século mais tarde, depois de um devastador voo de empregos para a Ásia Oriental e para outras economias emergentes, o imposto sobre os salários extrai o equivalente a duas vezes e meia mais, ascendendo a quase cerca de 6,5% do PIB. Portanto, o facto notável não é que os idealistas de olhar lanífero [alusão aos casacos de lã que Franklin D. Roosevelt costumava usar] que redigiram a lei de 1935 tenham sucumbido à época ao pacto faustiano do seguro social. O mais intrigante é que 75 anos depois - com todos os terríveis factos totalmente conhecidos - persista a convicção doutrinária na Esquerda [julgo também na Direita] que o seguro social é a maior realização do New Deal. Na realidade, é o seu erro mais caro.

1 comentário:

menvp disse...

---> Não sejas cúmplice dos 'Políticos Carta Branca': os políticos que querem carta branca para continuar a estoirar milhões e milhões em endividamento...
---> Apoia os 'Políticos Disponíveis para serem Fiscalizados' pelo contribuinte: "O Direito ao Veto de quem paga".
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-> É uma 'regra' da democracia:
- Um ministro das finanças que dê abébias a certos lobbys tem a vida facilitada... pelo contrário, um ministro das finanças que queira ser rigoroso, tem de enfrentar uma (constante) tempestade política.
-> Mesmo depois de já terem sido estoirados mais de 200 mil milhões em endividamento... os 'Políticos Carta Branca' querem estoirar mais: eles continuam a falar em mais e mais despesa... NÃO ENQUADRADA na riqueza produzida!?!?!
-> Mais, para os 'Políticos Carta Branca' já se vislumbra uma luz ao fim do túnel: "implosão da soberania, ou o caos" - federalismo...
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-> Por um sistema menos permeável a lobbys, os 'Políticos Disponíveis para serem Fiscalizados' pelo contribuinte farão uma gestão transparente para/perante cidadãos atentos... leia-se, são necessários melhores mecanismos de controlo... um exemplo: "O Direito ao Veto de quem paga" (vulgo contribuinte): ver blog 'fim-da-cidadania-infantil'.