segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estado e moral hazard (5) - o "direito" ao crédito fácil (act.)

Na sequência da série Estado e moral hazard:

Após o desaparecimento do padrão-ouro e a adopção generalizada da moeda fiduciária (fiat money) - só possível pela imposição legal dos Estados - as taxas de juro são, no essencial, influenciadas pelos bancos centrais, entidades a quem o Estado confere o monopólio na emissão de moeda. Deste modo, e simplificando um pouco, a variação da quantidade de moeda em circulação é função directa da velocidade das rotativas (hoje essencialmente electrónicas) a cargo dos bancos centrais.

Ora os Estados, mesmo que nominalmente atribuam ao banco central (BC) "independência" na fixação da política monetária, não resistem a "estimular" a economia instando o BC, quer através da fixação de taxas de juro muito baixas (ou "apenas" nulas), quer na "cedência de liquidez" (concessão de crédito) às instituições bancárias. Ficam assim criadas as condições para uma desbunda creditícia - tanto maior quando maior o período em que essas condições perdurem - pois a banca comercial, ao conseguir ela própria financiamentos (durante algum tempo aparentemente ilimitados) a juros muito baixos, naturalmente que possibilitaram aos seus clientes o acesso a crédito também em condições muito "favoráveis", com spreads reduzidos mas, ainda assim, lucrativos. Nestas condições, é “racional” para os bancos emprestarem o mais que puderem (mesmo que à custa do relaxamento das regras prudenciais de todo o credor que pretenda reaver a quantia ou a coisa emprestada).

Por sua vez, as famílias e as empresas, ao se depararem com situações de crédito muito barato, decidem assumir posições devedoras que seriam impensáveis em sãs condições de mercado não distorcido pelas intervenções do BC.

Reparem no que sucedeu também entre nós: a idade limite para maturidade de um empréstimo hipotecário deixou de ser a idade da reforma para passar primeiro para os 70 e depois para os oitenta anos; foi por isso que os critérios para atribuição deste tipo de empréstimos foram sendo cada vez mais facilitados (em rigor, lançando às malvas as regras prudenciais de todo o emprestador sensato), quer pela sobreavaliação das habitações, assim se criando a ficção que existiriam "entradas" significativas por parte de quem pedia emprestado, etc.

Foi por isso que muitos investimentos, que nunca teriam sido feitos em condições normais, se fizeram ainda assim e tiveram que ser abandonados (é ver as casas de habitação ou instalações industriais por acabar, as autoestradas vazias e o aeroporto e o TGV que quase chegaram a ser...).

Para um país como Portugal, sem BC emissor, chegou agora a factura do alegre deboche: uma tremenda escassez de crédito que está a estrangular as empresas pelo lado da tesouraria precisamente quando  o prazo médio de recebimento dos seus clientes não cessa de aumentar (fora os calotes); os particulares que, perante as subidas, ainda que tímidas, das taxas de juro na área euro, entram em incumprimento das obrigações em que incorreram nas suas hipotecas, tudo isto num contexto em que o desemprego é crescente; os próprios bancos percebem que, afinal, uma parte significativa dos seus activos (empréstimos concedidos) nunca será reavida, entrando por isso também em dificuldades (que podem ser bem sérias, como suspeito que iremos perceber até ao final do ano…1).
Ninguém tem "direito" a crédito, nem o Estado é capaz de o assegurar pelos passes de mágica das “rotativas” monetárias. O resultado de toda esta triste situação é apenas a criminosa e expropriadora política de taxas de juro baixas, que induz comportamentos temerários, quando não criminosos, em prejuízo da saudável prudência da poupança e do honrar dos compromissos assumidos - trocar bens e serviços no presente por mais bens e serviços no futuro. Iremos pagar - já estamos a pagar - esta manipulação ilusionista com língua de palmo: uma combinação de inflação, que irá destruir as poupanças constituídas e corroer os rendimentos dos que vivem de rendimento fixo diminuindo fortemente o nível de vida a que nos habituámos, com um desemprego crescente e uma recessão económica que perdurará até que as feridas abertas pelas políticas estatais criminosas possam sarar. Até que a sanidade regresse.
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1ACTUALIZAÇÃO: ‘Troika’ obriga banca a desvalorizar activos a partir de 2012. "Obriga" é uma expressão enganadora. O título correcto deveria ser "'Troika' obriga a que os balanços dos bancos reflictam a sua realidade patrimonial".

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