Depois de três anos de "austeridade draconiana" e de sucessivos "cortes selvagens" (não obstante um défice sem receitas extraordinárias de mais de 5% do PIB em 2013), eis-nos perante um novo passo na inevitável e sucessiva redefinição do "contrato intergeracional" por via do alargamento da orwelliana "Contribuição Extraordinária de Solidariedade" agora também dirigida às pensões entre 1000 e 1350 euros mensais. Quanto tempo até que ocorra o próximo passo? Provavelmente logo que a força da realidade imponha tornar "ordinário" o "extraordinário" e o "temporário" em "permanente" e o calendário eleitoral assim o permita.
Mas não será verdade que o "quadro macroeconómico" está a melhorar? Afinal, não estão as taxas de juro das obrigações do Tesouro em mínimos de 4 anos, o que certamente denota o regresso da "confiança dos mercados"? Não mostra o Governo sinais de que chegou o tempo de gastar investir em ainda mais betão e aço (com 59 projectos todos eles prioritários)? Acaso não é o próprio Governo que agora entusiasmadamente pondera aumentar o salário mínimo e, consequentemente, "promover" o desemprego? Não temos, enfim, um "excedente" nas contas externas? Não acenam as previsões económicas "números encorajadores"?
A esperança em repor a funcionar, através do "ajustamento", uma espécie de máquina de movimento perpétuo - o famoso "crescimento" - que voltaria a garantir o retorno ao remanso da tranquilidade próspera (e aos défices também eles perpétuos) é, pedindo emprestado um aforismo brasileiro, conversa para boi dormir. Não, caro leitor, não estou a admitir que gostaria de ter subscrito um certo manifesto que por aí andou. Estou apenas a reafirmar que um menor grau de despautério financeiro por parte do Estado não constitui reforma alguma digna desse nome, nem nada tem a ver com "austeridade" real - a que resultaria de uma entidade viver de acordo com as suas possibilidades.
O verdadeiro e único caminho para o real regresso à prosperidade passa por permitir mais liberdade, isto é, mais mercado. Mais de 30 anos após a reforma do sistema previdencial no Chile é tempo de se perceber que há outros caminhos para garantir a sua sustentabilidade e premiar o aforro (sacrifício do consumo presente). Foi essa a motivação que me levou a traduzir o artigo de Juan Ramón Rallo que se segue.
4 de Abril de 2014
Por Juan Ramón Rallo
Chile: trabalhadores transformados em capitalistas
É sempre um prazer contar em Espanha com a presença de José Piñera, o artífice da mais revolucionária reforma no sistema de pensões de reforma a que o mundo assistiu no século XX: a privatização e capitalização do sistema previdencial chileno em 1981. Neste sentido, Piñera é o anti-Bismarck do século XX, o economista reformista que desmantelou a fraude piramidal que o Chanceler de Ferro implantou na Prússia para, como confessara ao jornalista William Harbutt Dawson, "subornar as classes trabalhadoras, ou, se preferir, persuadi-las de que o Estado é uma instituição social que existe para se preocupar com os interesses delas e o seu bem-estar".
Piñera, ao contrário de Bismarck, não procurou enganar as classes trabalhadoras, antes intentou resgatá-las da fraude onde viveram instaladas durante décadas à conta do sistema bismarckiano, esse gigantesco esquema piramidal ao lado do qual empalidecem os Ponzis e Madoffs do nosso tempo. Piñera não pretendia que as classes trabalhadoras vivessem subjugadas ao poder discricionário do Estado, mas sim que se convertessem em classes proprietárias do seu próprio património, assim alcançando a autonomia financeira face ao poder político.
Piñera não aspirava a criar uma visão ridiculamente paternalista do Estado, mas antes a permitir que cada trabalhador ou grupo de trabalhadores pudesse gerir os seus próprios interesses sem meter a colher nos interesses dos outros. E por isso, o sistema privado de pensões chileno foi um êxito completo que se tornou numa referência para todas as sociedades do planeta.
Tal como explico no meu livro Una revolución liberal para España, os resultados do modelo chileno são simplesmente espectaculares: entre 1981 e 2012, as Administradoras dos Fundos de Pensões (AFP) proporcionaram uma rendibilidade média anual dos trabalhadores chilenos de quase 9%. Graças a isso, e de acordo com um estudo recente, o sistema de capitalização proporcionou pensões superiores às que o sistema estatal teria sido capaz de fornecer a 88% dos homens e a 84% das mulheres; os únicos que, segundo esse estudo, não teriam ficado a ganhar com a mudança foram aqueles trabalhadores que em 1981 já tinham uma idade próxima da reforma e, portanto, tiveram pouco tempo para poupar e capitalizar as suas pensões (mas como a reforma de 1981 foi voluntária, e não obrigatória, para os trabalhadores, nem mesmo os incluídos nessa pequena percentagem ficaram a perder). E, por último, um outro estudo recente estima que a reforma pode ter aumentado o PIB do país em quase 15% entre 1981 e 2010. Muito melhor do que eu poderia fazer, é possível obter uma explicação do funcionamento e dos resultados obtidos deste sistema por parte do seu criador, José Piñera, que tivemos a oportunidade de entrevistar nesta quinta-feira passada na esRadio [aqui, um resumo da entrevista - NT].
Escutemo-lo e comparemos a situação de um pensionista chileno, que aos 65 anos tem um amplo património financeiro que o transforma em co-proprietário das maiores empresas do mundo, e a situação de um pensionista espanhol, que aos 67 anos só conta com a expectativa de que o político de turno queira entregar-lhe um determinado bónus após as suas mais de três décadas de contribuições. Para além da sua superior rentabilidade, essa é a grande característica distintiva do sistema chileno: a diferença entre ser proprietário e ser um servo do Estado. Não o percamos de vista agora que começa o burburinho entre os economistas próximos do Partido Popular de que teremos de aumentar a idade da reforma para os 75 anos: em Espanha, os políticos decidem pelas pessoas; no Chile, são as pessoas que decidem por si mesmas.
3 comentários:
os 83, mal passados nos últimos 40,
já li e vi várias vezes, tudo e o seu contrário
ao serviço dos politiqueiros, cheios de zeros à esquerda
depois da rev social-fascista de 25.iv (dia de luto pesado)
o MONSTRO, alcunhado de estado
assaltou os bolsos dos contribuintes e conseguiu a proeza de 3 BANCARROTAS
com a mesma sem vergonha são mais nefastos que os aldrabões de feira
'não estou aqui para enganar ninguém'
'-rameira! rameira! quem és tu?'
os beneficiários possuem 1/2 dos votos.
resultado:
estamos fu.....
Gostava de saber qual o alor medio da reforma de um Chileno e de um Espanhol...
cumps
Rui Silva
Caro Rui Silva,
Lamento não poder responder-lhe à curiosidade que manifesta pois o tempo não dá para tudo... De qualquer forma, confesso escapar-me a relevância dessa informação no contexto deste post.
A única comparação relevante, vertida no texto em ligação para um estudo comparativo de há três anos atrás, parece-me residir - 30 anos volvidos sobre a revolucionária reforma - no contraste entre os resultados obtidos pelos dois sistemas previdenciais - de "repartição" e de "capitalização" -, a funcionar em paralelo, no mesmo país.
A referência que Rallo faz a Espanha, como poderia fazê-lo relativamente a Portugal, serve unicamente para tornar claro que o "contrato intergeracional" está de há anos (nos últimos 15, no Rectângulo) em sucessivo e crescente incumprimento processo que, inexoravelmente, irá continuar a manter-se o sistema de "repartição" existente. Seja sob a forma do aumento da idade de reforma seja por um cada vez mais penalizador mecanismo da taxa de formação da pensão.
Saudações,
Eduardo Freitas
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