sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A agenda verde regulatória e o talentoso John Beale

N’O Insurgente, Ricardo Campelo Magalhães já tinha chamado a atenção para a estória do Sr. John Beale, um alto e venerável funcionário da EPA - a poderosíssima “Agência (federal) de Protecção Ambiental” (criada por Nixon durante o seu primeiro mandato, em 1970) – durante 24 anos (após 2 anos como “consultor” externo da mesma) até à sua saída em 30 de Abril de 2013. Acusado, reconheceu um conjunto de crimes praticados pelos quais foi sentenciado em 32 meses de pena de prisão sendo ainda obrigado a restituir uma verba de perto de 1,4 milhões de dólares. As burlas foram múltiplas, assentes em mentiras de vária ordem. Entre outras, desde o incumprimento do dever de assiduidade pelo facto de, simultaneamente, estar “ao serviço da CIA” (uma mentira apenas verbalizada, que durou anos!) até ao petty theft dum lugar de estacionamento para deficientes no parque da EPA por, supostamente, ter contraído malária (de que nunca sofreu) quando “prestou” serviço militar no Vietname (onde nunca esteve nessa qualidade). Um perfeito burlão, pois. Dirá o leitor, bem, e o que tem esta estória de especial? Afinal, tal como os chapéus, burlões há muitos. (Atenção porém, caro leitor, a um sinal importante: este caso, "estranhamente", não foi alvo dos nossos media sempre tão atentos a escândalos.)

Imagem retirada daqui
É certo que sim mas não são propriamente aqueles os “feitos” que me levaram a escrever sobre este assunto. Considere-se agora o facto de o Sr. John Beale ter sido um dos mais proeminentes membros da EPA, um Senior Leader, tendo o seu nome associado, e nele reconhecido como respeitado perito, ao Clean Air Act, de 1990, e suas alterações subsequentes e, como decerto já terão adivinhado, às matérias das “alterações climáticas”, competências e afazeres que o levaram às quatro partidas do mundo e a frequentes visitas ao Capitólio e à Casa Branca, de forma ininterrupta desde a administração de George H. Bush até à de Barack Obama. O Sr. Beale, jurista de formação, sempre demonstrou uma especial aptidão para trabalhar “por projectos”, forma, segundo ele, de vencer as inércias motivadas pelos silos organizacionais da EPA e pelo afadigamento que sempre recaiu sobre a Agência e os seus extenuados funcionários. Daí que, a certa altura (2005), o Sr. John Beale tenha tido uma ideia que expôs aos seus sucessivos superiores hierárquicos e que recolheu sempre apoio e entusiasmo da sua parte (incluindo-se aqui também Gina McCarthy a qual, entretanto, ascendeu a presidente da Agência). Foi durante este tempo – 5 anos! – que ele “trabalhou (também) para a CIA”.

Federal Register - imagem daqui
Este foi um projecto particularmente interessante pelo facto de sempre ter sido apócrifo (!), para além de conduzido individual e exclusivamente pelo Sr. Beale ainda que com o beneplácito e, certamente, digo eu, sob a orientação das suas chefias que se foram sucedendo. Chegados aqui, nada como dar a palavra ao Sr. Beale para que ele, nas suas próprias palavras, durante o depoimento (entretanto tornado público como dei conta aqui) que prestou a um comité especial da Câmara dos Representantes (em 19 de Dezembro de 2013, logo após a leitura da sua sentença judicial), nos possa devidamente elucidar. Trata-se de uma peça absolutamente extraordinária que ilustra, como muito poucas o terão alguma vez feito, de que modo funciona, para que serve e que fins visa um organismo “regulador” em roda livre. Se alguma vez se perguntou qual a razão deste gigantesco absurdo (anteriormente abordado no blogue como, por exemplo, aqui e aqui e miniaturizado na imagem ao lado, de que vale a pena conhecer a fonte original lendo as letras miudinhas...) talvez esteja prestes a satisfazer a sua curiosidade perante a insaciedade deste monstro gargantuesco.

À pergunta de um membro do referido comité sobre se aquele projecto alguma vez produziu um resultado tangível, foi a seguinte a resposta do Sr. Beale (minha tradução do depoimento, na sua página 21), realce meu:
“Havia várias fases nesse projecto tal como o esboçámos. Há um enorme corpo bibliográfico sobre o tema. Por vezes referido de literatura da sustentabilidade, por vezes como economia verde. E, assim, a fase 1 do projecto consistia na minha profunda familiarização, de um modo transversal, com essa literatura. A fase 2 teria consistido na entrevista com especialistas, académicos e do mundo empresarial, com pessoas noutros países que estão a fazer coisas.
E depois chegaria a vez da fase 3 com a elaboração de propostas específicas que poderiam ser - que poderiam ter sido propostas em sede legislativa ou coisas que poderiam ter sido realizadas administrativamente com o propósito de, digamos, modificar o DNA do sistema capitalista..."
Capisce, caro leitor? E se por acaso pensar que apenas estamos perante mais uma manifestação das idiossincrasias norte-americanas, leia este texto de Pinho Cardão sobre algumas das coisas que por cá se passam...

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Grande Guerra 1914-1918 – Algumas notas e fragmentos (I)

No ano que decorre "comemoram-se" 100 anos sobre o início da "guerra para acabar com a guerra”. Uma guerra que iria "libertar os povos" do jugo dos impérios aristocráticos que negavam o direito daqueles à "autodeterminação". Uma guerra “justa” tanto mais que havia que “tornar o mundo seguro para a democracia”. Em definitivo, a decisão de participar no teatro de guerra europeu constituía um dever “humanitário” para os detentores do poder na “Terra dos Livres e Lar dos Bravos”. E é indisputável que a entrada na guerra da América foi absolutamente determinante para decidir quem seriam os imediatos vencedores e vencidos, 20 milhões de mortos depois. Poucos anos volvidos, todavia, ver-se-iam quais as suas ainda mais terríveis consequências mediatas. Como um militar britânico profeticamente observou na altura, "After the ‘war to end war’ they seem to have been pretty successful in Paris at making a ‘Peace to end Peace." (tradução: “Depois da ‘guerra para acabar com a guerra’ tudo indica que em Paris [Conferência de Paris, de 1919] foram coroados de êxito os esforços para alcançar uma ‘Paz para acabar com a Paz’”).

O grande historiador libertário Ralph Raico ensaia aqui, em jeito de prólogo, um telegráfico exercício "contrafactual" com o objectivo de ilustrar o real "ponto de viragem" que a I Guerra Mundial constituiu (minha tradução):
A Primeira Guerra Mundial é o ponto de viragem do século XX. Não tivesse a guerra ocorrido, os prussianos Hohenzollerns teriam muito provavelmente permanecido à frente dos destinos da Alemanha, com a sua subordinada panóplia de reis e nobreza a governar os mais pequenos estados alemães. Quaisquer que tivessem sido as vitórias de Hitler nas eleições para o Reichstag, teria ele conseguido erguer a sua ditadura totalitária e exterminacionista no meio desta poderosa superestrutura aristocrática? Teria sido altamente improvável. Na Rússia, os poucos milhares de revolucionários comunistas de Lenine confrontavam-se com o imenso exército imperial russo, o maior do mundo. Para que Lenine tivesse uma qualquer oportunidade de sucesso, aquele grande exército tinha primeiro que ser pulverizado, que foi o que os alemães fizeram. Assim, um século XX em que não tivesse ocorrido a Grande Guerra poderia muito bem ter significado um século sem nazis ou comunistas. Imagine-se um tal cenário! Foi também um ponto de viragem na história da nossa nação americana que, sob a liderança de Woodrow Wilson, se tornou em algo de radicalmente diferente daquilo que tinha sido anteriormente. Daí, a importância das origens daquela guerra, do seu desenrolar, e das suas consequências.
Com o devido respeito e ressalvadas as devidas distâncias, parece-nos que a Grande Guerra constituiu também um “ponto de viragem” em direcção a um horror inominável com contornos que o direito internacional prevalecente à sua eclosão considerava ilegais. Referimo-nos, nomeadamente, ao facto de com ela se ter tornado “legítimo” tomar as populações como alvos directos de guerra nomeadamente através da indução da fome severa e generalizada (mais tarde, com o desenvolvimento da aviação, viria o extermínio em massa das populações através dos bombardeamentos "estratégicos" de cidades desprovidas de objectivos militares).

Propomo-nos vir a fazer aqui no Espectador Interessado, ao longo das próximas semanas, um conjunto de incursões nessa época, e nas suas circunstâncias, tentando proporcionar aos leitores ângulos de abordagem desse "ponto de viragem" que, provavelmente, não serão dos mais comuns, antes se filiando assim numa visão inevitavelmente revisionista.

(Continua)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço IV

       

         (última parte)

KJ – Há mais provas dessa manipulação?
WM – Através da análise de uma transcrição de uma reunião da FED em Março de 1978, sabemos que a manipulação do preço do ouro foi um dos pontos discutidos. Durante essa reunião, o governador Miller refere que nem foi necessário vender ouro para fazer baixar o preço, bastou fazer uma declaração aludindo à disponibilidade da FED em fazê-lo. E porque o Tesouro dos EUA não está autorizado a vender as sua reservas, a FED decidiu em 1995 estudar a criação e implementação de mecanismos especiais ´gold-swaps` [contratos de futuros ou papel-ouro – nota tradutor] para poder aceder às reservas dos Bancos Centrais ocidentais. Através destes mecanismos, o ouro pode ser cedido em empréstimo à FED para que possa ser vendido pelos bancos de Wall Street, obtendo com isso a supressão do preço. Por causa destes contratos (swap´s) o ouro é, oficialmente, apenas emprestado, pelo que os Bancos Centrais podem manter nos seus balanços esses activos. A FED também informava antecipadamente os Bancos Centrais se esperava uma descida do metal e, desse modo, as reservas destes inundavam o mercado antes dessa descida. O que, como é obvio, acentuava a queda do preço.
Do ponto de vista logístico esta operação era muito fácil de concretizar, uma vez que os cofres em Nova Iorque tinham a maior colecção das reservas de ouro estrangeiro. Desde a década de 30, muitos países europeus escolheram armazenar o ouro que possuíam nos EUA por receio de uma invasão alemã ou soviética.
KJ – O Reino Unido teve algum papel nessas intervenções?
WM – Entre 1999 e 2002, o Reino Unido deu início a uma venda agressiva das suas reservas de ouro, precisamente, quando o preço estava em mínimos de 20 anos. Antes mesmo de dar início a essa venda, o responsável pelo Tesouro Gordon Brown anunciou que o Reino Unido iria colocar no mercado mais de metade do seu ouro numa série de leilões, com a intenção manifesta de diversificar as reservas do Tesouro. A reacção dos mercados foi de choque, porque nunca um governo tinha anunciado aos investidores que iria vender. Gordon Brown estava a seguir a mesma estratégia da FED que assinalei atrás, para induzir uma quebra do preço por via desses avisos. A intenção dessa acção não era a de obter o melhor preço, antes a de manter uma pressão constante para acentuar a baixa no preço. Assim, o Reino Unido vendeu perto de 400 toneladas ao longo de 17 leilões em apenas três anos. Durante este período o mercado estava a encontrar o seu fundo, ou seja, enquanto estabilizava de uma queda prolongada, esses leilões forçaram mais quedas no preço. No meu entender, a decisão de Gordon Brown foi uma resposta a um pedido dos Estados Unidos. Os EUA apoiaram Gordon Brown desde então.
KJ – Como é que essas manipulações ocorrem hoje?
WM – A transição de um mercado presencial para um mercado electrónico e digital abriu novoas possibilidades para controlar os mercados financeiros. O consagrado advogado de Wall Street Jim Rickards apresentou um artigo em 2006 onde se explica como os ´derivativos podem ser usados para influenciar os mercados físicos do petróleo, do cobre ou do ouro`. No seu sucesso de vendas “Currency Wars”, Rickards explica como a proibição da regulação dos derivativos no Commodity Futures Modernization Act (2000) ´abriu a porta para o aumento do tamanho e variedade destes mecanismos que estão, agora, escondidos e fora dos balanços dos maiores bancos, pelo que é quase impossível de acompanhar ou regular`. Estas mudanças permitem manipular facilmente os mercados financeiros, especialmente porque os preços dos metais (como o ouro ou a prata) são determinados pela negociação dos contratos de futuros no mercado global. E porque 99% destas transacções são conduzidas por especuladores que não querem a entrega física desses metais, ficam satisfeitos com os lucros que retiram desses contratos de futuros. Assim, os mercados do ouro, da prata ou de outras matérias-primas são fortemente condicionados pelas transacções desses contratos [a que se chama também de oferta sintética – nota do tradutor].
A quebra de 200 dólares no preço da onça (oz) de ouro nos dias 12 e 15 de Abril de 2013 é um exemplo perfeito e recente desta estratégia. A quebra no preço da prata, após ter alcançado os 50 dólares/oz no dia 1 de Maio de 2011, é outro claríssimo exemplo.
KJ – Por quanto tempo pode continuar esta guerra?
WM – Como Koos tem tornado público com as suas investigações, são vários os indícios de problemas no mercado físico do ouro. Eu ficaria surpreendido que este jogo de papel-ouro [oferta sintética] pudesse continuar por mais dois anos. Este jogo pode ruir ainda em 2014. O incumprimento num contrato de futuros (em ouro ou prata) no COMEX é uma possibilidade real. Aconteceu algo de semelhante no mercado da batata em 1976, quando um contrato de futuros não foi cumprido no NYMEX. Um magnata da batata vendeu muitos contratos que ficaram por cumprir na data em que expiraram, o que resultou em incumprimentos nas entregas físicas dos bens contratados. Como podemos ver, isso já aconteceu. Num cenário desses, os contratos serão dissolvidos através do pagamento em dinheiro e não através da entrega dos bens contratados. E num preço determinado unilateralmente. Julgo que o COMEX vai recorrer a estes acordos e indeminizações e não serão cumpridos os contrados de entrega dos metais contratados. Isso acontecerá em breve. Depois de um acontecimento desses, o preço do ouro será determinado nos mercados asiáticos como o Shangai Gold Exchange, pelo que espero uma subida rápida de 1000 dólares no preço do ouro e a duplicação do preço da prata, literalmente, da noite para o dia. Essa é uma das razões pelas quais o nosso Commodity Discovery Fund investe em empresas de mineração desvalorizadas, mas com largas reservas por explorar de ouro e prata. Terão, seguramente, um grande potencial de valorização quando o cenário que apresentei se concretizar.


Pela apresentação desta quarta parte, fica concluída a publicação da tradução da entrevista a Willem Middlekoop. Convido os leitores, numa releitura da entrevista, a colocar em perspectiva toda a informação histórica disponibilizada e que procurem ver o momento presente à luz desse enquadramento.       
Nos dias que antecederam a publicação e a tradução desta entrevista alguns acontecimentos tiveram lugar que têm relação com o que, de substancial, nela se abordou, pelo que deixo aqui a sua referência. Que cada um dê a importância e o significado que quiser dar-lhes. 
Para além da polémica do repatriamento do ouro alemão que está nos EUA (a polémica quanto ao  atraso nessa operação), é de notar que um grande banco internacional começou a impor limitações nos movimentos de capital em Inglaterra (o leitor lembra-se da referência ao artigo de Rogoff e Reinhart para o FMI?). Por outro lado, a “casa da moeda” austríaca (responsável pela cunhagem de uma das moedas mais conhecidas para investimento em ouro e prata – Wiener Philarmoniker) estar a trabalhar 24 sobre 24 horas para responder à importante subida nas encomendas dos seus produtos.
        Terá Willem Middlekoop razão e dois anos são um luxo que o sistema financeiro internacional não pode pagar?


(edição) - mais um importante facto que importa assinalar quanto à possibilidade de imposto sobre poupanças bancárias na Europa. É esta a União bancária que desejam os políticos europeus?






Pete Seeger - What Did You Learn In School?

In memoriam, uma canção eterna que volto a republicar no dia em que se anunciou a morte de quem a imortalizou. Pete Seeger esperou até 2007 para que se lhe ouvisse uma crítica ao estalinismo e ao comunismo. Muito tardia, de facto, mas chegou. Ao invés, ocorre-me um "grande estadista" que, até à sua morte, continuou publicamente a louvar o "Uncle Joe" e a tudo fazer para reforçar o império soviético, para além de um outro "grande" que chegou a oferecer ao "Tio" uma espada de cruzado.


Letra, por Tom Paxton:

domingo, 26 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço III

         Damos continuidade à publicação da entrevista a Willem Middlekoop realizada por Koos Jansen. A terceira e quartas partes vão focar-se na abordagem a um capítulo específico da sua última obra “The Big Reset” com o título “War on Gold” e que resulta de investigação que o autor tem vindo a fazer desde 2002.




A Guerra ao Ouro
Koos Jansen – Por que razão os EUA lutam contra o ouro?
Willem Middlekoop – Os EUA querem que o sistema-dólar prevaleça, de maneira que têm todo o interesse em prevenir o abandono do dólar e a aposta no ouro. Ao venderem ouro em papel [contratos de futuros e não ouro físico – nota do tradutor], os banqueiros têm tentado manter o controlo do preço do ouro nas últimas décadas. Esta guerra já tem quase cem anos, mas ganhou impulso nos anos 60 do séc. XX com a criação da plataforma de ouro de Londres (London Gold Pool). Julgo que, da mesma maneira que essa plataforma e o seu desígnio de controlar o preço falhou em 1969, assim vai falhar o actual esquema de manipulação dos preços do ouro e da prata.
KJ – Em que consiste essa guerra?
WM – a sobrevivência do corrente sistema financeiro mundial depende, justamente, da preferência das pessoas recair sobre o papel-moeda em vez de recair no ouro. Depois do dólar se ter libertado da ligação ao ouro em 1971, os banqueiros têm andado a demonetizar o ouro. Um dos argumentos que eles usam para deter os investimentos em ouro é que estes metais não permitem obter um retorno directo, seja em juros ou dividendos. Mas os juros e os dividendos são pagamentos face ao risco, são contrapartidas face à possibilidade de os devedores não cumprirem as suas obrigações. Ora o ouro não acarreta esse risco.
A guerra ao ouro é, na sua essência, um esforço para suportar o dólar, mas há mais motivações. De acordo com alguns estudos, o preço do ouro e as expectativas das pessoas face à inflação estão fortemente relacionadas. Como sabemos, os bancos centrais trabalham arduamente para influenciar as expectativas de inflação. Em 1988, um estudo de Summers e Barsky confirmou a relação entre o preço do ouro e as taxas de juro, concluindo que um preço mais baixo do ouro conduz a taxas de juro igualmente mais baixas.
KJ – E quando começou essa guerra?
WM – A primeira evidência de que os EUA estavam a interferir no mercado do metal pode ser encontrada logo em 1925, quando a FED falsificou informação relativa às reservas de ouro do Banco de Inglaterra para influenciar as taxas de juro. Todavia, esta guerra começou, de um modo mais intenso e organizado, a partir dos anos 60 quando a confiança no dólar começou a ser posta em causa. Conflitos geopolíticos como a construção do Muro de Berlim, a Crise dos Mísseis em Cuba e a escalada da violência o Vietname conduziram ao aumento considerável dos custos militares dos Estados Unidos, o que se traduziu em défices orçamentais crescentes.
Um memorando de 1961, com título “US Foreign Exchange Operations: needs and methods”, descreve o plano para manipular, simultaneamente, o mercado cambial e o mercado do ouro através de intervenções estruturais, mantendo e defendendo o dólar e limitando o preço do ouro nos 35 dólares/oz. Era vital para os EUA gerir o mercado do ouro, caso contrário, outros países podiam trocar o seu excedente em dólares por ouro, depreciando o dólar e valorizando o ouro.
KJ – Como era gerido o preço do ouro nos anos 60?
WM – Durante as reuniões de governadores dos Bancos Centrais no Bank of International Settlements [BIS – o Banco Central dos Bancos Centrais – nota tradutor] em 1961 ficou acordada a criação de uma plataforma de reserva de 270 milhões de dólares em ouro que seria alimentada por oito países ocidentais. Esta plataforma de Ouro de Londres (London Gold Pool) era destinada a previnir e a impedir a subida do preço do metal acima dos 35 dólares/oz, através da venda das reservas oficiais dos respectivos Bancos Centrais dos países participantes.
A ideia subjacente era, caso os investidores tentassem canalizar os seus activos para algo seguro como o ouro, a plataforma ofereceria uma maior quantidade de metal a comercializar no mercado, assim impedindo a consequente subida do preço. Por exemplo, durante a Crise dos Míssões de Cuba em 1962, pelo menos 60 milhões de dólares em ouro foram vendidos entre 22 e 24 de Outubro. O FMI providenciou ouro extra para ser vendido assim que fosse necessário.
Em 2010, uma série de relatórios secretos americanos foram tornados públicos pelo Wikileaks. Alguns relatórios de 1968 descrevem o que teve de ser feito para manter o controlo do preço do ouro. A finalidade era convencer os investidores de que não era proveitoso apostar na subida do preço. Um dos relatórios refere os esforços das campanhas de propaganda para convencer o público que os Bancos Centrais continuavam a ser ´os mestres do ouro`. Não obstante estes esforços, em Março de 1968 a plataforma foi suspensa porque a França já não cooperava e o mercado do ouro esteve fechado durante duas semanas. Noutros mercados [não ocidentais] o preço do ouro subiu imediatamente 25%. Isto pode acontecer, actualmente, caso o COMEX falhe nas suas obrigações.
(continua)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Conheça o caminho das saídas para que, chegado seja o momento, ainda as consiga franquear

Douglas E. French, ex-presidente do Mises Institute e actual editor sénior da Laissez-Faire Books é, para além de um profundo conhecedor do funcionamento do sistema bancário, um estudioso do fenómeno das bolhas especulativas, tema que aliás abordou na sua tese de mestrado (sob orientação de Murray Rothbard) e que daria origem ao seu livro Early Speculative Bubbles and Increases in the Supply of Money (de borla, aqui, nos formatos pdf e ebook/.epub). Neste livro, Doug French aborda três episódios de especulação desenfreada que a história viria a registar, a saber: a "Tulipomania" ou "febre das tulipas", ocorrida na Holanda no século XVII (1634?-1637) e as temporalmente coincidentes bolhas da "Mississippi Company" (em França) e da "South Sea Company" (do lado de lá do Canal da Mancha), em 1719-1720, de resto interligadas entre si. Nos três casos, estabelece uma ligação de causa-efeito, espelhada no título do livro, entre uma aceleração continuada da expansão da oferta monetária, sem correspondência real a mais bens e serviços produzidos, e a consequente emergência e posterior estouro das respectivas bolhas especulativas que essa expansão provocou.

No artigo que achei interessante procurar ampliar a divulgação, através de tradução de minha responsabilidade, e cujo significativo título é Signs That It’s Time to Head for the Exits ["Sinais de Que Chegou a Altura de Nos Dirigirmos para As Saídas"], French descreve um desses episódios onde o escocês John Law [link], que aquele baptiza de "o primeiro keynesiano antes de Keynes", ensaia o recurso em grande escala da destruição do "dinheiro verdadeiro" com a intenção de "resolver" em definitivo as dificuldades do tesouro real francês (decorrentes de décadas contínuas de guerras) e acabar de vez com quaisquer restrições orçamentais à actividade governamental (se isto lhe parece familiar, tem o leitor toda a razão). Percorre de seguida o ainda recente episódio da hiperinflação no Zimbabwe (que culminou na destruição da moeda local), aborda em seguida a espiral que continua a decorrer numa Venezuela a caminho da implosão e também o pouco conhecido caso da África do Sul, todos eles exemplos do sério perigo que a instituição de sistemas de controlos de capitais sempre sinaliza, com os governos a tentar impedir a fuga às suas moedas fiat por parte dos cidadãos. Termina o artigo assinalando que os próprios americanos não estão isentos de perigos semelhantes até porque os primeiros sinais (e já são muitos) aí estão pelo que deixa um (avisado) conselho aos seus leitores. É minha convicção que, pese embora a sua extensão, a leitura integral do texto poderá proporcionar um retorno adequado ao esforço despendido. Só posso desejar que tal venha a suceder (como sempre, de preferência, no original). Os comentários e reflexões, também como sempre, serão bem-vindos.
17 de Janeiro de 2014
Por Doug French

O dinheiro verdadeiro, como o ouro e a prata, é adoptado pelo mercado e trocado por bens e serviços de modo voluntário. A moeda fiduciária governamental é algo de diferente. A maioria das pessoas esquece-se que vivemos sob leis de curso legal [link] que nos forçam a utilizar os pedaços de papel que a Reserva Federal e o Tesouro criam a partir do nada.

Fabricar notas, a um custo de cêntimos, para as trocar, em alguns casos, por uma centena de dólares, constitui um bom negócio. Criar lançamentos contabilísticos electrónicos tem um custo ainda menor. Os governos não desistirão deste negócio sem luta.

No final do processo, o governo irá fazer com que o valor do seu papel atinja o valor de, bem, do papel. Na sua essência, a impressão de dinheiro é uma forma silenciosa e sorrateira de tributar as pessoas. Eventualmente, elas aperceber-se-ão disso. Charles Mackay escreveu no seu livro, o clássico "Extraordinárias Ilusões Populares e a Loucura das Multidões" ["Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds"], "Como foi observado com sabedoria, os homens pensam em rebanho; viremos um dia a perceber que eles enlouquecem em rebanho enquanto só são capazes de recuperar a sanidade lentamente, e um de cada vez".

Estamos num processo composto de passos sucessivos e o governo sabe disso. Começaram a surgir [nos EUA] os primeiros sinais de imposição de controlos de capitais. Fazer sair do país activos financeiros no valor de 10.000 dólares é agora verboten [proibido]. O governo dos EUA estabeleceu acordos com países e bancos em todo o mundo para manter o dinheiro dentro dos EUA.

Mas o que é que acontece quando os cidadãos pretendem abandonar o dinheiro governamental? Se a História é boa indicação, o governo irá tornar-se pérfido.

John Law: o primeiro keynesiano no mundo

A França entrou em bancarrota em resultado das sucessivas guerras que travou, de 1689 a 1713, durante o reinado de Luís XIV. Como se isso não fosse punição suficiente, o povo francês teve que sofrer também as fomes de 1693 e 1694, e o extremamente frio Inverno de 1708-1709. As desvalorizações da moeda tornaram-se norma, e os franceses desenvolveram uma desconfiança para com o papel-moeda.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Segurança Social: um "excedente" largamente deficitário

Défice fica abaixo do previsto à custa do excedente na Segurança Social. A RTP, antecipando a anunciada "independência à la BBC", acrescenta mesmo que "[a] imprensa económica desta manhã avança que o défice vai ficar abaixo do previsto à custa do excedente registado nas contas da Segurança Social" (itálico meu).

Atente-se então, ensaiando ilustrar a diferença entre os verbos "olhar" e "ver", à execução orçamental da segurança social hoje divulgada cujo quadro resumo reproduzo abaixo. Subtraindo a linha da "receita efectiva" da "despesa efectiva", obtemos o saldo de "caixa" (não esquecer que nesta contabilidade nada se inclui quanto às responsabilidades futuras dos actuais reformados...) que, em 2013, resulta da operação aritmética, em milhões de euros (M€):

25.336,5 - 24.857,9 = 478,6 (M€) de "excedente" (+47,1 M€ que em 2012).

Com isto, conjugámos o verbo "olhar". Tentemos agora "ver" respondendo à pergunta: como foi conseguido um tal "brilharete"? A resposta é simples: pelo aumento das transferências do Orçamento do Estado de 8,4%  (750,7 M€) face ao ano transacto. Excedente?

Que dizer então do resultado do cálculo do saldo entre contribuições e quotizações e as pensões (de velhice, sobrevivência, invalidez e antigos combatentes)?:

13.413,9 - (15.295,9 + 506,5) = - 2.388,5 M€

verba indicativa do défice do financiamento das pensões da segurança social se cometermos o "esquecimento conveniente" que, para além das pensões, as contribuições e quotizações para a segurança social se destinam também a financiar a acção social, o subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção, o subsídio de doença, etc., etc (para uma desagregação mais fina das receitas e despesas consultar a página 58, quadro 10, da síntese de execução orçamental hoje divulgada.). Excedente? Não! Antes, uma mistificação gigantesca de um esquema piramidal cada vez mais insustentável. Esta é o resultado iniludível do exercício de "ver".

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço II


Koos Jansen – E a China apoia essas ideias para uma reforma monetária?
Willem Middlekoop – Como já referi, o governador do banco central chinês defendeu todo um novo sistema monetário em 2009. Ele explicou que os interesses dos EUA e dos outros países deveriam estar alinhados, o que não acontece na presente situação. Zhou Xiaochuan advogou o desenvolvimento dos SDR numa “moeda de reserva supra-soberana desligada de nações individuais e que fosse estável no longo prazo.”
De acordo com alguns peritos, o FMI precisa de mais cinco anos para preparar o sistema monetário internacional para a introdução dos SDR à escala global. Outros, todavia, questionam-se se teremos o luxo de um horizonte de cinco anos.
O facto de a China ter deixado de comprar dívida americana em 2010, estando a aumentar as suas reservas de ouro, diz muita coisa. Responsáveis chineses indicaram que a China quer atingir, no mais curto espaço de tempo, as 6 mil toneladas para preparar a transição para a nova fase do sistema monetário. Para além disso, um recente artigo da Bloomberg sugere que o Banco Popular da China e investidores privados já acumularam mais de 4 mil toneladas desde 2008. Os chineses parecem ter receio de que os EUA surpreendam o mundo com uma revalorização das suas reservas de ouro. Considere-se também o telegrama que o Wikileaks publicou da embaixada americana em Pequim em 2010. A mensagem enviada para Washington relata as notícias do Shangai´s Busines News acerca das consequências de uma desvalorização do dólar e prossegue: “se usarmos todas as nossas reservas para adquirir obrigações americanas, então no dia em que a FED anunciar que dez dólares passam a valer apenas um, ainda que esse novo dólar esteja ligado ao ouro, seremos surpreendidos e sem reacção.”
KJ – Consegue explicar a paixão dos chineses pelo ouro?
WM – Eles sabem, até pela sua própria história, que o ouro tem sido usado uma e outra vez para reconstruir a confiança quando um sistema de papel-moeda chega ao seu fim. Como o próprio Koos deve saber, o principal jornal académico do Comité Central do Partido Comunista publicou um artigo em 2012 que lança alguma luz sobre a sua estratégia relativa ao ouro e o que pensam relativamente ao seu papel monetário. O artigo [traduzido em exclusivo por In Gold We Trust] foi escrito por Sun Zhaoxue, presidente da China Natural Gold Corporation e da China Gold Association, onde diz que: “aumentar as reservas de ouro deve tornar-se o pilar central da estratégia de desevolvimento do nosso país. O estado precisará de elevar o estatuto do ouro para se tornar um recurso estratégico como o petróleo e a produção de energia. Temos de alcançar o nível mais elevado de reservas de ouro no mais curto espaço de tempo. O investimento individual em ouro é também uma componente importante na construção das reservas chinesas, por isso devemos encorajar esse investimento.
De acordo com a minha pesquisa, os chineses estão na fase final para atingir as 6 mil toneladas e querem, claramente, chegar às 10 mil antes de 2020. Essa quantidade faria com que os chineses estivessem a par com os EUA e a Europa relativamente à ratio ouro/PIB. Isso poderia encorajar um apoio mais alargado (dos EUA + EU + China) para as mudanças que se avizinham, como os SDR do FMI. Isto sem esquecer que a Rússia também poderia alinhar, já que adquiriu para cima de mil toneladas desde 2008.
KJ – A China e o Japão têm os mesmos problemas relativos à dívida como têm os países ocidentais?
WM – De acordo com John Mauldin, a China ainda é mais dependente da impressão de dinheiro que os EUA ou o Japão. Apesar das reservas financeiras de 4 mil biliões, a China confronta-se com um problema considerável de dívida, após o seu sistema bancário ter acumulado colateral no valor de 14 triliões entre 2008 e 2013. As antigas lideranças do PC chinês ainda se lembram como conseguiram alcançar o poder e foi, precisamente, por causa dos problemas monetários entre 1937 e 1949. O seu principal objectivo é evitar desacatos sociais generalizados como aconteceu durante o período de hiperinflação depois da Segunda Guerra Mundial.
KJ – O que sabem os chineses acerca da Guerra ao Ouro?
WM – O mesmo Sun Zhaoxue explicou em 2012 que: “depois da desintegração do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o padrão-ouro que se usou por quase cem anos colapsou. Sobre a influência da hegemonia do dólar americano, o efeito estabilizador do ouro foi posto em causa. A argumentação de que o ouro é inútil espalhou-se, então, pelo globo. Muitas pessoas pensam que o ouro não é mais a base monetária e que armazenar ouro iria aumentar o custo das reservas. Por isso é que os bancos centrais começaram a vender as suas reservas e os preços começaram a baixar. Neste momento, há muitas pessoas a perceber que essa argumentação contém muitas falácias. E o ouro sofre de estar sob o efeito de uma cortina de fumo mantida pelos EUA – que tem 74% das reservas oficiais de ouro – para manter um tecto sobre as outras moedas e garantir a manutenção da hegemonia do dólar. E também explicou como os EUA estão a desvalorizar a sua moeda para aliviar alguma da sua dívida: “a elevação do dólar e da libra, e depois do euro, de uma moeda com circulação num só país para uma moeda global ou regional foi suportada pelas reservas de ouro. Um dado relevante é que, desde a recente crise financeira, os EUA ainda que mostrem um défice crescente não venderam nenhum do seu ouro para aliviar a sua dívida. Num contraste flagrante com a depreciação do dólar americano, o preço internacional do ouro continuou a aumentar acabando por ultrapassar os 1900 dólares/oz em 2011, ou seja, a preservação do activo ouro contrasta claramente com a desvalorização dos activos baseados no crédito. Naturalmente que quanto mais desvaloriza o dólar, mais aumenta o preço do ouro e mais evidente é a função das reservas americanas de ouro como defesa face ao risco no crédito.”
Outra prova do conhecimento chinês da Guerra do Ouro e da limitação do seu preço está noutra mensagem que o Wikileaks publicou: “os EUA e a Europa têm limitado o aumento do preço do ouro. Eles pretendem suprimir a função do ouro como reserva monetária e não querem que os outros países apostem na construção das suas próprias reservas de ouro em vez do dólar ou do euro. Por conseguinte, esta limitação no valor é muito benéfica para os EUA e para o dólar como reserva monetária internacional. O aumento das reservas de ouro chinesas vai actuar como modelo e liderará o esforço de outros países no investimento em ouro. Em conclusão, grandes reservas de ouro serão benéficas na promoção da internacionalização do renminbi.”
Não esqueçamos que o edíficio Chase Manhattan Plaza pertencente à J.P. Morgan possuindo os maiores cofres privados do mundo – em frente do edíficio do New York Federal Reserve Bank – foi comprado por chineses. Isto parece indicar que, talvez, os EUA e a China estejam a trabalhar em conjunto na preparação de um novo sistema monetário global e, junto com a Europa, estejam a  preparar-se para os SDR do FMI com as suas reservas e o sistema-dólar pode ser substituído mais facilmente.




A entrevista continua e publicaremos as restantes partes em breve. Para já, atentemos em algumas ideias importantes:
- são perceptíveis os sinais de que o sistema monetário actual não é saudável e não responde às necessidades de uma boa parte dos novos agentes nesse sistema – sejam as economias emergentes ou outros agentes mais consolidados – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul;
- a China, que enfrenta problemas semelhantes aos das economias ocidentais (intensa produção monetária,  bem como de liquidez/crédito no seu sistema bancário), quer assumir-se como modelo para as economias emergentes na preparação da transição para um novo sistema monetário internacional, nomeadamente na reestruturação das suas reservas;
- essa reestruturação passa por dar lugar central e estratégico ao ouro (a par do petróleo e da produção energética);
- mesmo nas sedes do actual sistema (FMI, Banco Mundial e ONU) vão-se acumulando vozes que lembram a necessidade de corrigir os erros e apontar alternativas para responder aos anseios partilhados por maior segurança, estabilidade e justiça no sistema monetário e financeiro internacional.

A definição de uma posição de força e relevância no xadrez mundial pode fazer-se através da projecção de poder militar – de que os Estados Unidos são exemplo evidente. Mas alguém duvida que a afirmação dessa força e dessa relevância também passa pelo posicionamento e influência exercida no seio de um novo sistema monetário mundial?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço


Sigo com muita atenção a investigação levada a cabo por Koos Jansen que recentemente publicou no seu blogue (In Gold We Trust) uma entrevista que considerei oportuno traduzir e publicar aqui no Espectador Interessado, após autorização do autor. A versão original da entrevista está publicada aqui.
Esta entrevista aborda alguns dos aspectos mais importantes do mercado internacional do ouro e da sua relação com o sistema monetário internacional, presente e futuro. O entrevistado, Willem Middelkoop, é fundador do Commodity Discovery Fund e célebre autor holandês que tem escrito acerca do sistema financeiro mundial desde 2000. Segundo Koos Jansen é “o equivalente holandês de Jim Rickards”, pois também previu a crise no crédito no seu bestseller de 2007 - “Overleef De Kredietcrisis” (“Como sobreviver à crise financeira?” – não se conhece tradução portuguesa).
Optou-se pela publicação da entrevista em quatro partes, de que esta é a primeira.

Koos Jansen (KJ) – Como começou a investir em ouro?
Willem Middlekoop (WM) – Tudo começou com a leitura dos livros de um economista indiano Ravi Batra nos anos 90 e com a tomada de consciência da natureza anti-cíclica do ouro. Por outro lado, através da minha investigação na internet conheci a GATA (Gold Anti-Trust Action) e todo o seu trabalho em prol do dinheiro sólido versus papel-moeda (fiat). Assim que pude realizar lucros com a liquidação dos meus investimentos imobiliários em Amesterdão entre 2001 e 2004, comecei a investir em ouro e prata físicos, bem como em acções em empresas do ramo dos metais preciosos. Compreendi que o investimento em companhias mais pequenas de exploração mineira, que promovem novas descobertas, representa os melhores retornos. Isso levou a que desse início à publicação da “Gold Discovery Letter” e, em 2008, ao estabelecimento de um fundo de investimento onde gerimos activos de perto de 600 grandes investidores holandeses.
Dado o presente campeonato mundial de desvalorização monetária, esperamos preços mais altos para os metais preciosos.
KJ – O seu novo livro chama-se “The Big Reset”, mas o actual sistema monetário não é sustentável?
WM – Não. Chegámos a um ponto em que não são apenas os bancos, mas os países, eles mesmos, que estão a enfrentar sérios problemas financeiros. A ideia de que podemos crescer novamente para sair da posição de devedores é ingénua. A solução actual de “estacionar” dívida nos balanços dos bancos centrais é uma solução de transição. Uma reestruturação global da dívida vai ser necessária, como explicaram recentemente Rogoff e Reinhart num estudo para o FMI. Isto vai exigir um novo sistema global de reservas para substituir o decadente sistema sustentado no dólar americano, muito provavelmente antes de 2020.
KJ – Mas está sozinho nessa previsão?
WM – Logo após a experiência de quase morte do sistema finaceiro global em 2008, o FMI, entre outras instituições, deram início ao estudo de novas configurações do sistema financeiro. Em 2010, o FMI publicou um estudo com o título “Reserve Accumulation and International Monetary Stability” para preparar uma nova fase do sistema em que o dólar americano deixa de ser a única referência. As Nações Unidas também manifestaram, um ano depois, interesse por um “novo sistema global de reservas” que tivesse como fundamento o sistema do próprio FMI (SDR´s – Special Drawing Rights). Este sistema SDR foi criado em 1969 quando a plataforma de ouro de Londres (London Gold Pool) não conseguiu conter o preço do ouro nos 35 dólares e os Estados Unidos da America perderam para cima de 10 mil toneladas de ouro. Isso aconteceu porque países como a França e a Holanda devolveram aos EUA os dólares que possuiam como reservas em troca de ouro. Estes episódios conduziram ao fim da ligação dólar-ouro em 1971, à primeira crise do dólar e à subida do preço do ouro até aos 880 dólares.
Esta ideia das Nações Unidas foi apoiada pela China, que já tornou pública várias vezes a sua insatisfação com o actual sistema orientado pelo dólar. Não esqueçamos que em 2009, o governador do banco central Zhou Xiaochuan advogou um novo sistema de reserva monetária global. E que, no final de 2013, a imprensa estatal chinesa pedia abertamente a ´de-americanização`do mundo e num editorial da imprensa oficial foi lançada a ideia de introduzir uma nova unidade de reserva monetária para substituir o domínio do dólar.
De acordo com o think tank londrino Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF), o renminbi ainda levará vários anos para se tornar uma alternativa credível ao dólar, já que o euro não servirá esse desígnio.
KJ – Como ocorrerão essas mudanças?
WM – O novo sistema financeiro pode ser transformado de várias maneiras, desde que os parceiros mais importantes possam concordar com essas mudanças. Os dois principais problemas no sistema actual que exigem resposta imediata são: o declínio do dólar como unidade de reserva monetária mundial e o crescimento incontrolável da dívida e do balanço dos bancos centrais por esse mundo fora.
A reforma planeada com antecedência vai, provavelmente, consistir em diferentes etapas. De momento, os EUA e o FMI parecem inclinados a preparar um sistema monetário de reservas múltiplas como sucessor do sistema actual, mas essa hipótese ainda confere ao dólar um lugar central. O OMFIF produziu um estudo onde se sublinha o seguinte: “estes problemas marcam o início de um sistema multi-monetário de reservas e uma nova era na moeda mundial. Nos últimos 150 anos, o mundo teve apenas duas moedas de reserva – a libra esterlina até à Primeira Guerra Mundial e o dólar desde então. (...) O euro substituiu a libra e tornou-se a segunda unidade de reserva, mas tornou-se oficialmente aceite que outras moedas se juntariam àquelas duas. O renminbi tem atraído uma atenção alargada como uma possível reserva monetária. Não obstante, esse estatuto pode demorar alguns anos, especialmente porque ainda não é plenamente convertível.”
KJ – Algumas vozes na América têm alertado para o regresso do padrão-ouro, certo?
WM – Numa carta aberta ao Financial Times em 2010, com o título “Tragam de volta o padrão-ouro”, o muito bem relacionado e antigo presidente do Banco Mundial Robert Zoellick defendeu que gostava de usar o ouro como ponto de referência na reforma necessária do actual sistema financeiro. Zoellick explicou que um padrão-ouro actualizado poderia reparar a economia mundial num tempo de sérias tensões monetárias e que o mundo precisa de um novo regime de moedas flutuantes que suceda a Bretton Woods II, que tem estado em vigor desde que o sistema de taxa-fixa de conversão ligada ao ouro caiu em 1971. Ainda segundo ele: [este novo sistema] provavelmente envolverá o dólar, o euro, o yen, a libra e o renminbi. O sistema deve considerar empregar o ouro como ponto de referência do mercado acerca da inflação, deflação e futuro valor das moedas. Mesmo que os livros de teoria económica actuais vejam o ouro como dinheiro antigo, hoje os mercados estão a usar o ouro como activo monetário alternativo.
Podemos também referir que, segundo Steve Forbes, “o debate deve focar-se em qual é o melhor sistema de ouro, não se precisamos de regressar a ele.” E não constituiu surpresa para mim ao ler a entrevista do professor Robert Mundell na revista Forbes, onde defende o regresso do padrão-ouro. Mundell pode ser visto como um dos arquitectos do euro e foi também conselheiro para o governo chinês e ele disse que: “pode haver um tipo de padrão-ouro semelhante ao acordado em Bretton Woods onde o preço de ouro é fixado pelos bancos centrais que podem, então, usar o ouro como um activo para negociar entre eles. A grande vantagem é que o ouro não é um risco ou uma dívida para com terceiros e não pode ser criado ou impresso por ninguém. Assim, tem a confiança e a força que as pessoas ambicionam. Ora se não tivermos apenas o dólar, mas o dólar e o euro ligados entre si ao ouro, o ouro pode ser o intermediário que permitirá o avanço para um novo sistema monetário, não esquecendo que outras moedas como o yen ou o yuan chinês e a libra esterlina podem estar também ligadas como um tipo de SDR.”


(continua)