segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço


Sigo com muita atenção a investigação levada a cabo por Koos Jansen que recentemente publicou no seu blogue (In Gold We Trust) uma entrevista que considerei oportuno traduzir e publicar aqui no Espectador Interessado, após autorização do autor. A versão original da entrevista está publicada aqui.
Esta entrevista aborda alguns dos aspectos mais importantes do mercado internacional do ouro e da sua relação com o sistema monetário internacional, presente e futuro. O entrevistado, Willem Middelkoop, é fundador do Commodity Discovery Fund e célebre autor holandês que tem escrito acerca do sistema financeiro mundial desde 2000. Segundo Koos Jansen é “o equivalente holandês de Jim Rickards”, pois também previu a crise no crédito no seu bestseller de 2007 - “Overleef De Kredietcrisis” (“Como sobreviver à crise financeira?” – não se conhece tradução portuguesa).
Optou-se pela publicação da entrevista em quatro partes, de que esta é a primeira.

Koos Jansen (KJ) – Como começou a investir em ouro?
Willem Middlekoop (WM) – Tudo começou com a leitura dos livros de um economista indiano Ravi Batra nos anos 90 e com a tomada de consciência da natureza anti-cíclica do ouro. Por outro lado, através da minha investigação na internet conheci a GATA (Gold Anti-Trust Action) e todo o seu trabalho em prol do dinheiro sólido versus papel-moeda (fiat). Assim que pude realizar lucros com a liquidação dos meus investimentos imobiliários em Amesterdão entre 2001 e 2004, comecei a investir em ouro e prata físicos, bem como em acções em empresas do ramo dos metais preciosos. Compreendi que o investimento em companhias mais pequenas de exploração mineira, que promovem novas descobertas, representa os melhores retornos. Isso levou a que desse início à publicação da “Gold Discovery Letter” e, em 2008, ao estabelecimento de um fundo de investimento onde gerimos activos de perto de 600 grandes investidores holandeses.
Dado o presente campeonato mundial de desvalorização monetária, esperamos preços mais altos para os metais preciosos.
KJ – O seu novo livro chama-se “The Big Reset”, mas o actual sistema monetário não é sustentável?
WM – Não. Chegámos a um ponto em que não são apenas os bancos, mas os países, eles mesmos, que estão a enfrentar sérios problemas financeiros. A ideia de que podemos crescer novamente para sair da posição de devedores é ingénua. A solução actual de “estacionar” dívida nos balanços dos bancos centrais é uma solução de transição. Uma reestruturação global da dívida vai ser necessária, como explicaram recentemente Rogoff e Reinhart num estudo para o FMI. Isto vai exigir um novo sistema global de reservas para substituir o decadente sistema sustentado no dólar americano, muito provavelmente antes de 2020.
KJ – Mas está sozinho nessa previsão?
WM – Logo após a experiência de quase morte do sistema finaceiro global em 2008, o FMI, entre outras instituições, deram início ao estudo de novas configurações do sistema financeiro. Em 2010, o FMI publicou um estudo com o título “Reserve Accumulation and International Monetary Stability” para preparar uma nova fase do sistema em que o dólar americano deixa de ser a única referência. As Nações Unidas também manifestaram, um ano depois, interesse por um “novo sistema global de reservas” que tivesse como fundamento o sistema do próprio FMI (SDR´s – Special Drawing Rights). Este sistema SDR foi criado em 1969 quando a plataforma de ouro de Londres (London Gold Pool) não conseguiu conter o preço do ouro nos 35 dólares e os Estados Unidos da America perderam para cima de 10 mil toneladas de ouro. Isso aconteceu porque países como a França e a Holanda devolveram aos EUA os dólares que possuiam como reservas em troca de ouro. Estes episódios conduziram ao fim da ligação dólar-ouro em 1971, à primeira crise do dólar e à subida do preço do ouro até aos 880 dólares.
Esta ideia das Nações Unidas foi apoiada pela China, que já tornou pública várias vezes a sua insatisfação com o actual sistema orientado pelo dólar. Não esqueçamos que em 2009, o governador do banco central Zhou Xiaochuan advogou um novo sistema de reserva monetária global. E que, no final de 2013, a imprensa estatal chinesa pedia abertamente a ´de-americanização`do mundo e num editorial da imprensa oficial foi lançada a ideia de introduzir uma nova unidade de reserva monetária para substituir o domínio do dólar.
De acordo com o think tank londrino Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF), o renminbi ainda levará vários anos para se tornar uma alternativa credível ao dólar, já que o euro não servirá esse desígnio.
KJ – Como ocorrerão essas mudanças?
WM – O novo sistema financeiro pode ser transformado de várias maneiras, desde que os parceiros mais importantes possam concordar com essas mudanças. Os dois principais problemas no sistema actual que exigem resposta imediata são: o declínio do dólar como unidade de reserva monetária mundial e o crescimento incontrolável da dívida e do balanço dos bancos centrais por esse mundo fora.
A reforma planeada com antecedência vai, provavelmente, consistir em diferentes etapas. De momento, os EUA e o FMI parecem inclinados a preparar um sistema monetário de reservas múltiplas como sucessor do sistema actual, mas essa hipótese ainda confere ao dólar um lugar central. O OMFIF produziu um estudo onde se sublinha o seguinte: “estes problemas marcam o início de um sistema multi-monetário de reservas e uma nova era na moeda mundial. Nos últimos 150 anos, o mundo teve apenas duas moedas de reserva – a libra esterlina até à Primeira Guerra Mundial e o dólar desde então. (...) O euro substituiu a libra e tornou-se a segunda unidade de reserva, mas tornou-se oficialmente aceite que outras moedas se juntariam àquelas duas. O renminbi tem atraído uma atenção alargada como uma possível reserva monetária. Não obstante, esse estatuto pode demorar alguns anos, especialmente porque ainda não é plenamente convertível.”
KJ – Algumas vozes na América têm alertado para o regresso do padrão-ouro, certo?
WM – Numa carta aberta ao Financial Times em 2010, com o título “Tragam de volta o padrão-ouro”, o muito bem relacionado e antigo presidente do Banco Mundial Robert Zoellick defendeu que gostava de usar o ouro como ponto de referência na reforma necessária do actual sistema financeiro. Zoellick explicou que um padrão-ouro actualizado poderia reparar a economia mundial num tempo de sérias tensões monetárias e que o mundo precisa de um novo regime de moedas flutuantes que suceda a Bretton Woods II, que tem estado em vigor desde que o sistema de taxa-fixa de conversão ligada ao ouro caiu em 1971. Ainda segundo ele: [este novo sistema] provavelmente envolverá o dólar, o euro, o yen, a libra e o renminbi. O sistema deve considerar empregar o ouro como ponto de referência do mercado acerca da inflação, deflação e futuro valor das moedas. Mesmo que os livros de teoria económica actuais vejam o ouro como dinheiro antigo, hoje os mercados estão a usar o ouro como activo monetário alternativo.
Podemos também referir que, segundo Steve Forbes, “o debate deve focar-se em qual é o melhor sistema de ouro, não se precisamos de regressar a ele.” E não constituiu surpresa para mim ao ler a entrevista do professor Robert Mundell na revista Forbes, onde defende o regresso do padrão-ouro. Mundell pode ser visto como um dos arquitectos do euro e foi também conselheiro para o governo chinês e ele disse que: “pode haver um tipo de padrão-ouro semelhante ao acordado em Bretton Woods onde o preço de ouro é fixado pelos bancos centrais que podem, então, usar o ouro como um activo para negociar entre eles. A grande vantagem é que o ouro não é um risco ou uma dívida para com terceiros e não pode ser criado ou impresso por ninguém. Assim, tem a confiança e a força que as pessoas ambicionam. Ora se não tivermos apenas o dólar, mas o dólar e o euro ligados entre si ao ouro, o ouro pode ser o intermediário que permitirá o avanço para um novo sistema monetário, não esquecendo que outras moedas como o yen ou o yuan chinês e a libra esterlina podem estar também ligadas como um tipo de SDR.”


(continua)

2 comentários:

SAC disse...

Caro autor LV,

O acompanhamento que faço deste blog é recente e o acompanhamento dos seus posts ainda mais.

A temática dos metais preciosos, como reserva de valor, é para quem olha com moderada vigilância [e é quanto basta], uma forma de emancipação, para não dizer a única forma, deste, cada vez mais, insubsistente sistema financeiro.

Apreciei a entrevista [1 de 4] a Willem Middelkoop e a sua visão esclarecida do declínio do dólar, enquanto referência monetária.

A prespetiva do professor Robert Mundell quando refere que "...A grande vantagem é que o ouro não é um risco ou uma dívida para com terceiros e não pode ser criado ou impresso por ninguém. Assim, tem a confiança e a força que as pessoas ambicionam." é arrasadora, de facto.

Aguardo a restante entrevista [caso consiga resistir à sua leitura na fonte], sendo certo que os sinais do colapso financeiro não são informação de privilégio para alguns, estão disponíveis para todos, é só lê-los...

LV disse...

@SAC
Efectivamente, os escritos estão na parede. Basta que todos tenham a coragem de os ler com atenção.

É importante fomentar a partilha e análise de informação acerca de temáticas tão relevantes como estas. Em defesa da Liberdade.

Espero corresponder ao interesse manifestado por si quando publicar os restantes materiais. E faz muito bem ir à fonte. Caso considere que podemos discutir ou esclarecer alguns aspectos, não hesite.

Continuemos a viagem, então.

Saudações,
LV