Koos Jansen – E a
China apoia essas ideias para uma reforma monetária?
Willem Middlekoop –
Como já referi, o governador do banco central chinês defendeu todo um novo
sistema monetário em 2009. Ele explicou que os interesses dos EUA e dos outros
países deveriam estar alinhados, o que não acontece na presente situação. Zhou
Xiaochuan advogou o desenvolvimento dos SDR numa “moeda de reserva supra-soberana desligada de nações individuais e que
fosse estável no longo prazo.”
De acordo com alguns peritos, o FMI precisa de
mais cinco anos para preparar o sistema monetário internacional para a introdução
dos SDR à escala global. Outros, todavia, questionam-se se teremos o luxo de um
horizonte de cinco anos.
O facto de a China ter deixado de comprar dívida
americana em 2010, estando a aumentar as suas reservas de ouro, diz muita
coisa. Responsáveis chineses indicaram que a China quer atingir, no mais curto espaço de tempo, as 6 mil
toneladas para preparar a transição para a nova fase do sistema monetário. Para
além disso, um recente artigo da Bloomberg
sugere que o Banco Popular da China e investidores privados já acumularam mais
de 4 mil toneladas desde 2008. Os chineses parecem ter receio de que os EUA
surpreendam o mundo com uma revalorização das suas reservas de ouro.
Considere-se também o telegrama que o Wikileaks publicou da embaixada americana em Pequim em 2010. A mensagem enviada
para Washington relata as notícias do Shangai´s
Busines News acerca das consequências de uma desvalorização do dólar e
prossegue: “se usarmos todas as nossas
reservas para adquirir obrigações americanas, então no dia em que a FED
anunciar que dez dólares passam a valer apenas um, ainda que esse novo dólar
esteja ligado ao ouro, seremos surpreendidos e sem reacção.”
KJ –
Consegue explicar a paixão dos chineses pelo ouro?
WM –
Eles sabem, até pela sua própria história, que o ouro tem sido usado uma e
outra vez para reconstruir a confiança quando um sistema de papel-moeda chega
ao seu fim. Como o próprio Koos deve saber, o principal jornal académico do
Comité Central do Partido Comunista publicou um artigo em 2012 que lança alguma
luz sobre a sua estratégia relativa ao ouro e o que pensam relativamente ao seu
papel monetário. O artigo [traduzido em exclusivo por In Gold We Trust]
foi escrito por Sun Zhaoxue, presidente da China
Natural Gold Corporation e da China Gold
Association, onde diz que: “aumentar
as reservas de ouro deve tornar-se o pilar central da estratégia de
desevolvimento do nosso país. O estado precisará de elevar o estatuto do ouro
para se tornar um recurso estratégico como o petróleo e a produção de energia.
Temos de alcançar o nível mais elevado de reservas de ouro no mais curto espaço
de tempo. O investimento individual em ouro é também uma componente importante
na construção das reservas chinesas, por isso devemos encorajar esse
investimento.
De acordo com a minha pesquisa, os chineses estão
na fase final para atingir as 6 mil toneladas e querem, claramente, chegar às
10 mil antes de 2020. Essa quantidade faria com que os chineses estivessem a
par com os EUA e a Europa relativamente à ratio
ouro/PIB. Isso poderia encorajar um apoio mais alargado (dos EUA + EU + China)
para as mudanças que se avizinham, como os SDR do FMI. Isto sem esquecer que a
Rússia também poderia alinhar, já que adquiriu para cima de mil toneladas desde
2008.
KJ – A
China e o Japão têm os mesmos problemas relativos à dívida como têm os países
ocidentais?
WM – De
acordo com John Mauldin, a China ainda é mais dependente da impressão de
dinheiro que os EUA ou o Japão. Apesar das reservas financeiras de 4 mil
biliões, a China confronta-se com um problema considerável de dívida, após o
seu sistema bancário ter acumulado colateral no valor de 14 triliões entre 2008
e 2013. As antigas lideranças do PC chinês ainda se lembram como conseguiram
alcançar o poder e foi, precisamente, por causa dos problemas monetários entre
1937 e 1949. O seu principal objectivo é evitar desacatos sociais generalizados
como aconteceu durante o período de hiperinflação depois da Segunda Guerra
Mundial.
KJ – O
que sabem os chineses acerca da Guerra ao Ouro?
WM – O
mesmo Sun Zhaoxue explicou em 2012 que: “depois
da desintegração do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o padrão-ouro que se
usou por quase cem anos colapsou. Sobre a influência da hegemonia do dólar
americano, o efeito estabilizador do ouro foi posto em causa. A argumentação de
que o ouro é inútil espalhou-se, então, pelo globo. Muitas pessoas pensam que o
ouro não é mais a base monetária e que armazenar ouro iria aumentar o custo das
reservas. Por isso é que os bancos centrais começaram a vender as suas reservas
e os preços começaram a baixar. Neste momento, há muitas pessoas a perceber que
essa argumentação contém muitas falácias. E o ouro sofre de estar sob o efeito
de uma cortina de fumo mantida pelos EUA – que tem 74% das reservas oficiais de
ouro – para manter um tecto sobre as outras moedas e garantir a manutenção da
hegemonia do dólar. E também explicou como os EUA estão a desvalorizar a
sua moeda para aliviar alguma da sua dívida: “a elevação do dólar e da libra, e depois do euro, de uma moeda com
circulação num só país para uma moeda global ou regional foi suportada pelas
reservas de ouro. Um dado relevante é que, desde a recente crise financeira, os
EUA ainda que mostrem um défice crescente não venderam nenhum do seu ouro para
aliviar a sua dívida. Num contraste flagrante com a depreciação do dólar
americano, o preço internacional do ouro continuou a aumentar acabando por
ultrapassar os 1900 dólares/oz em 2011, ou seja, a preservação do activo ouro
contrasta claramente com a desvalorização dos activos baseados no crédito.
Naturalmente que quanto mais desvaloriza o dólar, mais aumenta o preço do ouro
e mais evidente é a função das reservas americanas de ouro como defesa face ao
risco no crédito.”
Outra prova do conhecimento chinês da Guerra do Ouro
e da limitação do seu preço está noutra mensagem
que o Wikileaks publicou: “os EUA
e a Europa têm limitado o aumento do preço do ouro. Eles pretendem suprimir a
função do ouro como reserva monetária e não querem que os outros países apostem
na construção das suas próprias reservas de ouro em vez do dólar ou do euro.
Por conseguinte, esta limitação no valor é muito benéfica para os EUA e para o
dólar como reserva monetária internacional. O aumento das reservas de ouro
chinesas vai actuar como modelo e liderará o esforço de outros países no
investimento em ouro. Em conclusão, grandes reservas de ouro serão benéficas na
promoção da internacionalização do renminbi.”
Não esqueçamos que o edíficio Chase Manhattan Plaza pertencente à J.P.
Morgan possuindo os maiores cofres privados do mundo – em frente do edíficio do New
York Federal Reserve Bank – foi comprado por chineses. Isto parece indicar que,
talvez, os EUA e a China estejam a trabalhar em conjunto na preparação de um
novo sistema monetário global e, junto com a Europa, estejam a preparar-se para os SDR do FMI com as suas reservas e o sistema-dólar pode ser
substituído mais facilmente.
A entrevista continua e publicaremos as restantes
partes em breve. Para já, atentemos em algumas ideias importantes:
- são perceptíveis os sinais de que o sistema
monetário actual não é saudável e não responde às necessidades de uma boa parte
dos novos agentes nesse sistema – sejam as economias emergentes ou outros agentes
mais consolidados – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul;
- a China, que enfrenta problemas semelhantes aos
das economias ocidentais (intensa produção monetária, bem como de liquidez/crédito no seu sistema bancário), quer
assumir-se como modelo para as economias emergentes na preparação da transição
para um novo sistema monetário internacional, nomeadamente na reestruturação
das suas reservas;
- essa reestruturação passa por dar lugar central
e estratégico ao ouro (a par do petróleo e da produção energética);
- mesmo nas sedes do actual sistema (FMI, Banco
Mundial e ONU) vão-se acumulando vozes que lembram a necessidade de corrigir os
erros e apontar alternativas para responder aos anseios partilhados por maior
segurança, estabilidade e justiça no sistema monetário e financeiro
internacional.
A definição de uma posição de força e relevância
no xadrez mundial pode fazer-se através da projecção de poder militar – de que
os Estados Unidos são exemplo evidente. Mas alguém duvida que a afirmação dessa
força e dessa relevância também passa pelo posicionamento e influência exercida no
seio de um novo sistema monetário mundial?
2 comentários:
Boa tarde LV,
Este assunto OURO, de facto leva-nos quase que inadvertidamente a um buscar de saber quase que sôfrego.
A entrevista a Willem Middelkoop deveria ser obrigatória no mainstream nacional, mas...
A paixão "cega" dos chineses, mais acentuada hoje em dia, por este metal precioso não é cândida e o futuro, sooner or later, dar-nos-á a resposta.
Chamava a sua atenção para o link seguinte: http://www.arlloufill.com/index.php?id1=15&id2=10&id3=56, apenas e só porque a China não está sozinha nesta questão.
É um singelo artigo, mas que marca um olhar diferente para uma mesma realidade.
Cumprimentos
@SAC,
Boas tardes. O artigo, que desde já agradeço a referência, é um bom indício da procura indiana que tem muitos e muitos anos.
Considere o seguinte: a China ocupa o primeiro lugar na importação (como já fiz referência), apenas porque o governo indiano bloqueou de várias maneiras a importação e a compra de ouro durante grande parte de 2013. Consequências? Algumas delas são as seguintes:
- quebra acentuada da rupia;
- aumento exponencial do contrabando de ouro - há relatos de que diariamente aterravam num aeroporto (de que não lembro o nome neste momento) indiano vários passageiros com um kilo (em média) cada um!
Bastou conhecer-se no início da semana que o governo indiano iria aliviar essas limitações e começou a traduzir-se na subida de preço que temos verificado nos dois últimos dias.
Saudações,
LV
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