Tenho vindo ultimamente a abordar algumas das questões ligadas à matéria da "regulação", para concluir invariavelmente pelo seu carácter pernicioso para o bem-estar e prosperidade das pessoas (no sentido amplo de colectividade não limitada a grupos de interesses específicos). Digo isto muito embora não me custe aceitar que muitas das vezes os resultados são os opostos daqueles que os seus proponentes, de boa fé, esperariam/gostariam. Daí que se viva permanentemente num afadigar extenuante e histriónico de "reforma" sobre "reforma", em que cada remédio nada mais faça que piorar o estado do paciente.
É realmente frustrante saber que a terapia correcta passa por menos e não mais "medicamentos" (a retirar na totalidade até que termine o desmame) e assistir ao desvario de tudo querer regulamentar, dificultar e proibir. Mas muito melhor que eu, as pinceladas de Niall Ferguson sobre a "nação regulação", para o qual convocou o genial e profético Tocqueville, num seu artigo recente no Wall Street Journal (cujo título roubei para título deste post), ilustram e substituem um post que pensei fazer sobre este documento. De novo, a responsabilidade pela tradução de mais um artigo é minha exceptuando os trechos citados de "Da Democracia na América" onde me socorri da tradução portuguesa de Miguel Serras Pereira, numa edição da Relógio D'água.
Em "Da Democracia na América", publicado em 1833, Alexis de Tocqueville maravilhava-se com a forma como os americanos preferiam a associação voluntária à regulamentação governamental. "O habitante dos Estados Unidos", escrevia, "não lança à autoridade social mais do um olhar desconfiado e inquieto, e só recorre ao seu poder quando não pode dispensá-lo."
Niall Ferguson
Ao contrário dos franceses, continuava, que instintivamente olhavam para o Estado para proporcionar ordem social e económica, os americanos contavam com os seus próprios esforços. "Nos Estados Unidos os indivíduos associam-se com propósitos de segurança pública, de comércio e de indústria, de moral e de religião. Nada há que a vontade humana desespere de alcançar através da acção livre do poder colectivo dos indivíduos."
O que especialmente espantava Tocqueville era a variedade de organizações não-governamentais que os americanos formavam: "Não só têm associações comerciais e industriais (...) mas têm-nas ainda de mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, bastante gerais e muito particulares, imensas e bastante pequenas; os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir estalagens, erguer igrejas, difundir livros, enviar missionários para os antípodas; eles criam assim hospitais, prisões, escolas."
Tocqueville não reconheceria a América de hoje. Na verdade, tão completo foi o colapso da vida associativa, e tão enorme foi o crescimento do estado que ele seria forçado a concluir que, em algum ponto entre 1833 e 2013, a França deve ter conquistado os Estados Unidos.
O declínio da vida associativa americana foi memoravelmente documentado em 1995, no ensaio seminal de Robert Puttnam, intitulado "Bowling Alone", que documentou o êxodo dos norte-americanos dos campeonatos de bowling, dos clubes rotários e similares. Desde então, a tendência descendente do "capital social" tem continuado. De acordo com o World Values Survey 2006, a participação activa, até mesmo de associações religiosas, diminuiu de pouco mais de metade da população para pouco mais de um terço (37%). A proporção de americanos que são membros activos de associações culturais caiu de 24% para 14%; quanto às associações profissionais, os números são agora de apenas 12%, que comparam com mais de um quinto em 1995. E, não, o Facebook não constitui um seu substituto.
Em vez de se juntarem para conseguir fazer o que é preciso, os americanos tornaram-se cada vez mais dependentes de Washington. Na política externa, ainda poderá ser verdade que os americanos são de Marte e os europeus de Vénus. Mas quando se trata de política interna, todos vimos agora do mesmo lugar: do Planeta Estado.
Como o Competitive Enterprise Institute de Clyde Wayne Crews demonstra no seu inestimável levantamento anual do estado regulador federal [link], tornámo-nos numa "nação regulação" de uma forma quase imperceptível. Excluindo as páginas em branco, o Federal Register [a que me referi aqui recentemente] de 2012 - o directório oficial da regulação, ascendeu a 78.961 páginas. Em 1986, teve 44.812 páginas. Em 1936, 2620.
É verdade que a nossa economia é hoje muito maior do que era em 1936 - cerca de 12 vezes maior, sem considerar a inflação. Mas o Federal Register cresceu de um factor de 30 no mesmo período.
A última vez que a regulação foi reduzida foi com Ronald Reagan na presidência, quando o número de páginas no Federal Register caiu 31%. Surpresa: o PIB real cresceu 30% no mesmo período. Mas a dieta do Leviatã durou apenas oito anos. Desde 1993, foram emitidos 81.883 novos regulamentos. Nos últimos 10 anos, "os regulamentos finais" emitidos pelos nossos 63 departamentos federais, agências e comissões, ultrapassaram as leis aprovadas pelo Congresso Nacional numa razão de 223:1.
Neste momento, existem 4.062 novos regulamentos em diversas fases de execução dos quais 224 são considerados "economicamente significativos", ou seja, o seu impacto económico será superior a 100 milhões de dólares.
O custo de tudo isto, estima Mr. Crews, é de 1,8 milhões de milhões de dólares [1,800,000,000,000] anuais - o que, relativamente às despesas do governo federal, que representam 3,5 milhões de milhões de dólares, é equivalente a um acréscimo invisível de 65% nos impostos federais, ou seja, perto de 12% do PIB. De especial injustiça é o facto de os custos da regulação para as pequenas empresas (aquelas com menos de 20 funcionários) serem 36% maiores por empregado do que acontece com as grandes empresas.
O grande festim do próximo ano será a implementação do Affordable Care Act [link], algo com que todas as pequenas empresas no país devem ansiar com grande expectativa. Depois, como o senador Rob Portman (Rep., Ohio) advertiu os leitores desta página há 10 meses atrás, há também a nova regulamentação do Departamento do Trabalho, que aumentará o custo dos planos de reforma para os trabalhadores da classe média; o novo regulamento da EPA sobre o ozono, uma imposição que poderá atingir os 90 mil milhões de dólares em custos anuais aos fabricantes americanos; e o regulamento do Departamento dos Transportes relativo à câmara de filmar traseira. Isso para que nunca se tenha de virar a cabeça numa manobra de marcha-atrás.
O presidente Obama ocasionalmente alimenta uma retórica vazia quanto à ideia de reforma tributária. Mas na verdade nada é feito e o código do Internal Revenue Service (mais os regulamentos associados) continua a crescer - ultrapassou o marco das nove milhões de palavras em 2005, segundo a Tax Foundation, ou seja, quase 19% a mais do palavreado que tinha 10 anos antes. Embora alguns impostos possam ter sido cortados nos anos seguintes, o código fiscal não parou de crescer.
Pergunto-me se tudo isso poderá ter alguma coisa a ver com o facto de ainda termos quase 12 milhões de pessoas sem trabalho, mais oito milhões a trabalhar em empregos a tempo parcial, cinco longos anos após a crise financeira ter começado.
Génio como era, Tocqueville viu essa transformação da América aproximar-se. Para o fim de "Da democracia na América", ele avisou que o governo poderia tornar-se "um poder imenso e tutelar (...) absoluto, minucioso, regular (...) [que] cobre a superfície [da sociedade] de uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os espíritos mais originais e as almas mais vigorosas não podem despontar sobressaindo da massa."
Alexis de Tocqueville
Tocqueville também previu exactamente como este estado regulador iria sufocar o espírito da livre iniciativa: "raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede de nascer; não tiraniza, tolhe, comprime, debilita, extingue, atordoa e, reduz enfim cada nação a ser nada mais do que um rebanho de animais tímidos e industriosos, cujo pastor é o governo ."
Se isto lhe provocar um grito de frustração, ainda há esperança.
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