Frank Hollenbeck, professor na Universidade Internacional de Genebra, em What’s So Scary About Deflation?, desmonta o mito associado à suposta malevolência de uma baixa de preços sustentada no tempo. Um conhecimento de história económica (na parte não suprimida pelas universidades), deveria ser suficiente para descartar uma tese tão cara à generalidade dos economistas que constitui um "terror" para os banqueiros centrais. Já por aqui falei várias vezes do fenómeno, perceptível para o grande público pelo menos desde há 20 anos) que o sector das tecnologias de informação e telecomunicações é um gigantesco exemplo da infirmação da tese dos malefícios da deflação.
O artigo de Hollenbeck, situado entre um artigo de divulgação para o leigo e uma primeiríssima introdução (Econ 101) académica à disciplina, parece-me muito interessante na explanação dos pontos de vista da Escola Austríaca a que o autor deste blogue, paulatina mas crescentemente, vem aderindo (e defendendo). Como de costume, a tradução (e os seus erros) são da minha responsabilidade.
O artigo de Hollenbeck, situado entre um artigo de divulgação para o leigo e uma primeiríssima introdução (Econ 101) académica à disciplina, parece-me muito interessante na explanação dos pontos de vista da Escola Austríaca a que o autor deste blogue, paulatina mas crescentemente, vem aderindo (e defendendo). Como de costume, a tradução (e os seus erros) são da minha responsabilidade.
Quando se fala de deflação, o pensamento económico dominante torna-se não na ciência do senso comum, mas na ciência do absurdo. A maioria dos economistas de hoje são rápidos a afirmar que "um pouco de inflação é uma coisa boa", e temem a deflação. Claro que, nas suas vidas privadas, esses mesmos economistas vasculham os jornais em busca dos mais recentes produtos à venda.
A pessoa que melhor simboliza o medo de deflação é Ben Bernanke, o presidente da Reserva Federal. A interpretação que fez da Grande Depressão enviesou em muito a sua opinião contra a deflação. É verdade que a Grande Depressão e a deflação andaram de mãos dadas em certos países; mas nós devemos ter o cuidado de distinguir entre associação [correlação] e causalidade, e avaliar correctamente o sentido da causalidade [itálico meu]. Um estudo recente de Atkeson e Kehoe [link], abrangendo um período de 180 anos em 17 países, não detectou relação alguma entre deflação e depressões. Na realidade, o estudo encontrou um maior número de episódios de depressão acompanhados de inflação do que de deflação. Durante este período, em 65 dos 73 episódios de deflação não ocorreram depressões, e em 21 das 29 depressões não sucederam episódios de deflação.
Uma deflação sui generis (daqui)
O principal argumento contra a deflação é o de que quando os preços estão em queda, os consumidores irão adiar as suas compras para aproveitar preços ainda mais baixos no futuro. É claro que é suposto que tal situação conduza à redução da procura corrente, o que fará com que os preços caiam ainda mais, e assim por diante, até entrarmos numa espiral deflacionária/depressiva da economia. O sentido da causalidade é claro: a deflação provoca depressões. É possível encontrar este argumento em quase todos os livros de texto introdutórios de Economia. O Fed de St. Louis escreveu recentemente:
"Embora a ideia de preços mais baixos possa soar atractiva, a deflação é uma preocupação real por vários motivos. A deflação desencoraja a despesa e o investimento porque, ficando os consumidores na expectativa que os preços venham a cair ainda mais, eles diferem as suas compras preferindo pelo contrário poupar, esperando por preços ainda mais baixos. A redução da despesa, por sua vez, reduz as vendas e os lucros das empresas o que, finalmente, conduz ao aumento do desemprego."
Há vários problemas com esta argumentação. O primeiro é que, independentemente das expectativas quanto à queda dos preços dos bens de consumo, as pessoas continuarão sempre a consumir uma dada quantidade no presente e, de modo a que o possam fazer, necessitam em consequência de investir no presente para assegurar o fluxo de bens de consumo no futuro. Podemos observar que muitos produtos de alta tecnologia têm tido uma procura acelerada apesar de "viverem" num ambiente deflacionário. A Apple tem sido capaz de vender a sua mais recente versão do iPhone embora a maioria das pessoas tenha a expectativa que o mesmo telefone seja bastante mais barato seis meses depois.
O segundo erro deste argumento é que ele assume que nós baseamos as nossas expectativas tendo apenas por referência o passado [que não é mais que história] - preços em queda fazem-nos antecipar que os preços continuem a cair. É claro que as nossas expectativas se baseiam numa série de factores, dos quais os preços passados são apenas um. Estou certo de que os economistas do Fed estão surpreendidos que não tenhamos reagido a mais baixas taxas de juro como sucedeu após a bolha dotcom de 2001. Muito simplesmente, as acções humanas não podem ser modeladas como as reacções dos ratos de laboratório numa experiência de biologia.
Deixem-me explicar este ponto com um exemplo muito simples. Suponhamos que temos 10 lápis e 10 dólares. Qual seria o preço de um lápis? Não poderia ser de 2 dólares pois haveria lápis que ficariam por vender. Por isso, o preço tenderá a cair. Não poderia ser de 50 cêntimos, pois as pessoas ficariam com dinheiro mas com nada para comprar. Os preços seriam "licitados". Isso levaria a uma situação de equilíbrio onde os lápis seriam vendidos por 1 dólar cada. Suponhamos agora que dobramos a quantidade de lápis, ou seja, passamos a ter 20 lápis e 10 dólares. O preço irá cair de 1 dólar para 50 cêntimos. Tudo o resto permanecendo constante, incluindo o stock de moeda, o preço será reduzido a metade. Nesta situação, a queda dos preços é muito positiva, pois os nossos dólares dão-nos agora mais bens e serviços. O preço reflecte a capacidade da sociedade para expandir os limites da escassez. Nós nunca conseguiremos vencer a escassez, pois em tal caso todos os preços seriam iguais a zero, mas a queda dos preços mostra que estamos a ganhar esta batalha crucial. Mais bens e serviços para todos é uma coisa boa e a deflação reflecte essa abundância adicional [meu realce].
Abordemos agora a deflação que provoca esses tais medos em tantos economistas. Suponhamos que o custo de produção de um lápis é de 80 cêntimos. A margem é de 25% [(100-80)/80*100%]. Suponhamos agora que as pessoas entesouram 5 dólares e põem o dinheiro debaixo do seu colchão em vez de o poupar [disponibilizando-o a quem queira investir]. O preço de um lápis será novamente reduzido a metade, caindo de 1 dólar para 50 cêntimos. Se os preços dos materiais necessários à manufactura de um lápis (inputs) caírem também 40 cêntimos por lápis, não haverá então nenhum problema já que a margem continua a ser de 25%. O que os economistas temem é que os preços dos inputs sejam rígidos e não se ajustem aos preços de produção (outputs) de modo que as empresas produzam a 80 cêntimos e vendam a 50 cêntimos. Isto leva a falências, desemprego e à queda da produção, pelo que agora só poderemos produzir oito lápis, o que leva a mais entesouramento, mais falências, e assim por diante. O leitor estará vendo o "filme". Para evitar isto, a maioria dos economistas defende que o governo imprima 5 dólares, mantendo o preço dos lápis estável em 1 dólar e evitando uma espiral deflacionária/depressiva na economia.
É claro que também existem alguns problemas graves com esta pequena história. Há sempre uma certa rigidez tanto nos preços dos inputs como nos dos outputs. Não se pretende ter de renegociar constantemente o salário, nem se deseja verificar constantemente o preço do bilhete de hora em hora do mais recente filme. Deste modo, o que é importante é o desfasamento existente entre as alterações nos preços dos outputs e nos preços dos inputs. Se o desfasamento não for longo, então a solução de política acima descrita poderá não ser necessária e será contraproducente. De resto, os empresários sobrevivem através das suas expectativas/previsões quanto aos preços dos outputs e, em seguida, "licitando" pelos inputs de modo a serem capazes de obter um dado lucro. Isto sugeriria que o desfasamento é, provavelmente, relativamente curto.
Além disso, a impressão de moeda provoca distorções. Quando o governo acrescenta cinco dólares à economia, essa não é uma acção neutra. Inicialmente, irá beneficiar aqueles que em primeiro lugar recebem o [novo] dinheiro, o governo e os bancos, e penaliza os destinatários tardios do mesmo - os assalariados e os pobres. A impressão de moeda e o efeito preço associado é o inverso do de Robin Hood, tirar aos pobres para dar aos ricos. Estes primeiros receptores os ricos, irão gastar o dinheiro de uma determinada maneira, alterando os preços relativos na economia.
O que acontecerá quando a economia melhorar e as pessoas inverterem o seu entesouramento? Teremos agora 10 lápis e 15 dólares. Tudo o resto constante, os preços irão subir de 1 dólar para 1,50 dólares, a menos que o governo retire os 5 dólares que colocou no sistema. Se o fizerem, isso irá criar uma nova ronda de alterações nos preços relativos . Provavelmente, a medicina será pior que a doença.
Num mundo de multiprodutos, a inflação (nela incluindo os preços dos activos) provocada pelo crescimento excessivo do crédito, provoca alterações nos preços relativos induzindo investimentos insustentáveis, como no caso da habitação entre 2001 e 2007. A deflação subsequente ao rebentar da bolha, é um realinhamento parcial desses preços relativos aproximando-os do que a sociedade pretende realmente ver produzido. A impressão de moeda muito simplesmente interfere com este processo essencial de liquidação. A verdadeira solução passa por acabar com o sistema bancário de reservas fraccionárias e com os bancos centrais.
A inflação é muito pior do que a deflação porque rouba os assalariados e os pobres. Os bancos centrais são a causa primária da inflação e são a principal razão para o crescimento das desigualdades de rendimento, à medida que os ricos ficam mais ricos e a classe média se afunda em direcção à pobreza. Esta tendência na distribuição do rendimento tem sido evidente e crescente desde o fim do sistema de Bretton Woods, em 1971, e a sua substituição por moedas [integralmente] fiat. O poder do banco central depende das sua capacidade para gerar inflação [veja-se a propalada (e falhada) Abenomics no Japão].
É por isto que os bancos centrais têm sido tão generosos no apoio à investigação económica em tantas instituições académicas que contribuem para justificar teoricamente as actuais políticas inflacionárias dos bancos centrais. A falácia comum de "um pouco de inflação é algo de bom" tem sido espalhada pelos media e pelos economistas [do mainstream] por uma razão. A inflação é um roubo que ocorre enquanto estamos dormindo, rouba o valor dos dólares na carteira de cada um. Uma inflação de dois por cento ao longo de 35 anos reduz o valor do dinheiro no bolso de cada um em 50 por cento. A acrescentar algo, diga-se que o mal tem uma nova cara: dá-se-lhe o nome de banco central.
Com frequência, a deflação sucede a um período de inflação por parte do banco central. A deflação é parte do processo de desalavancagem [diminuição do grau de endividamento] que é necessária prosseguir após uma política excessivamente expansionista por parte do banco central. Como os economistas austríacos sempre disseram, "receie-se a bolha, não o estouro" ["fear the boom, not the bust", no original]. Retardar a deflação através do prolongamento da bolha ou da criação de novas bolhas, pela impressão de mais moeda, só faz atrasar o [inevitável] ajustamento tornando tudo muito mais doloroso [durante mais tempo].
A verdadeira solução é acabar com o sistema bancário de reservas fraccionárias e com os bancos centrais. Um mundo sem reservas fraccionárias e sem bancos centrais seria um mundo de deflação suave, que deveria ser saudado como indicativo de uma das maiores conquistas da humanidade: a elevação dos padrões de vida para todos.
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