terça-feira, 27 de outubro de 2015

Citação do dia (191)

É necessário contemplar, aqui, dois aspectos fundamentais.
Primeiro, politicamente toda a situação parece má. A declaração do Presidente da República tem de ser entendida no contexto da actual situação europeia, porque essas declarações são um rude alerta para o status quo político fazer tudo ao seu alcance para prevenir mudanças políticas substanciais na Europa.
A zona euro é uma construção pobre do ponto de vista institucional e a insistência no aprofundamento deste projecto, nas presentes circunstâncias globais, conduzirá ao desaparecimento do euro e, talvez, da própria União Europeia.
Em segundo lugar, Portugal tem um enorme encargo com a dívida soberana, que só é sustentável no contexto de apoio estrito por parte do Banco Central Europeu e das suas operações de compra indirecta de dívida. Este é um país que teve um défice superior a 7% em 2014, com um nível de dívida pública superior a 120% do PIB, uma dívida externa superior a 200% do PIB e uma dívida total (pública e privada) de 370%. Numa recessão, estes números irão crescer. Para que a dívida de Portugal pudesse ser sustentável, no actual contexto institucional e mantendo o mesmo paradigma económico, a austeridade teria de reduzir o défice e o PIB teria de crescer, por várias décadas, acima das taxas dos títulos da dívida pública, mantendo-se, claro, o apoio implícito do BCE.
Olhando para o futuro, o potencial de sustentabilidade da dívida diminui substancialmente. E, assim, poderemos ter outra “Grécia” entre mãos. (...)
O que se passa agora em Portugal, torna a Grécia um caso menos especial e é um sinal do que ainda pode acontecer de mau pelo continente. E isto é um risco para a sustentabilidade da dívida em toda a periferia.

4 comentários:

JS disse...

Sim. A vigente Constituição Portuguesa ainda reflete a sua viciada origem histórica. Após 40 anos vai resultar na criação de mais um protectorado, tipo "Grécia", a curto prazo.

Aquele poder político cria (criou) a Lei para legalizar a sua vontade em controlar eficazmente a sociedade civil. Atrofiou-a, o resultado clássico do exercício do poder pelo poder.
(E se é que houve constitucionalistas com pensamento mais liberal ou mesmo democrático ... ficaram muito caladinhos e até têm boas desculpas, como sugeriu M. Rebelo de Sousa.)
....
Na circunstância actual constata-se que só a Europa / Euro (e o FMI) evitou, mais de uma vez, desmembramento desordenado de uma das nacionalidades mais antigas da Europa.
A forma como os políticos usam a Constituição Portuguesa confirmou a periquitante União Europeia como, simultaneamente, o opressor e o salvador. Se bem percebi, já o li a escrever algo parecido com isto.
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Portugal acabou. E acabou pela mão da sua própria dita (e mui Constitucional) classe política.
As "Internacionais" burocráticas, centralizadoras, ganharam.
Mas qual delas ?.
Saudações.

LV disse...

Caro JS,

Há muito (se é que alguma vez, temo) que os constrangimentos constitucionais ao exercício "interessado" do poder são roupagem que muda como as quatro estações. As garantias e equilíbrios nela articulados são seleccionados consoante os agentes que exercem o poder.
Há uma gravíssima selectividade na fundamentação e legitimação constitucional da acção política, o que não será exclusivo do caso português. No entanto, no nosso caso detectamos, com uma clareza escabrosa, que há "donos" do regime. Estes estão acima, tanto daqueles constrangimentos, como a sua conduta e o seu discurso, a coberto de uma perversão dos valores expressos na própria constituição, encontra-se surpreendentemente legitimada aos olhos da presente situação política.
Ora, se na origem a ficção política (aqui respaldada por aquela perversão) nos afasta da verdadeira natureza dos valores que supostamente a constituição deveria defender, o mal só tende a crescer. Do aumento da abstenção às condições económicas que resultam do consenso imposto por aqueles donos do regime. E é a evidência deste mal que a citação mostra de forma crua e simples. De resto, o texto integral (acessível na ligação do título) é de recomendada leitura.

Saudações,
LV

Anónimo disse...

Quem teve até hoje acção política em Portugal padece daquilo que, por diversas e fundas razões ligadas à História do país, é constitutivo da mentalidade e da cultura maioritárias portuguesas: a omnipresença do Estado e, por consequência, da permanência de castas que dele se alimentam e que o controlam. Tende, pois, com raríssimas e desde logo sufocadas excepções, a reproduzir e pôr em prática os conceitos ligados a essa visão das coisas.Está-nos não na massa do sangue mas na rede do pensar.
O Estado é, desde há 5 séculos, a doença que nos mina. Esperemos não termos entrado já numa lenta e dolorosa agonia.

http://bancdjardim.blogspot.com

LV disse...

Anónimo,

É certeira a sua tese de que a tradição do pensamento e acção políticas em terras lusas sejam dependentes de uma concepção totalitária que tem como seu fundamento a ideia do estado como "pai e protector".
Não esperando um amanhã cantante e uma reviravolta (ainda acreditei que Ron Paul pudesse introduzir no discurso político global algumas ideias libertadoras), basta que a pouco e pouco se discuta e partilhem argumentos acerca desta tradição sufocante e das alternativas que podemos construir em Liberdade.

Saudações,
LV