sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O futuro finalmente comunicado pelo Consenso

Ainda num ritmo algo intermitente, publicamos a tradução de parte de uma entrevista levada a cabo por David McAlvany a Richard Duncan. Seleccionaram-se estes parágrafos, pois considerou-se que eles permitem vislumbrar com clareza o que devem estar, seguramente, a pensar fazer os curadores e especialistas do Consenso económico e político.

Por aqui sempre procurámos evidenciar o tamanho das mangas dos mágicos de serviço, assim como a ausência de limites da sua imaginação. As linhas que aqui traduzimos, porém, revelam que o Consenso já equaciona abandonar, definitivamente, qualquer tentativa de justificar o injustificável, já equaciona deixar de criar ilusões e distracções. Estas linhas mostram o que sempre esteve por detrás de uma filosofia da economia e da política dos últimos cinquenta anos: um logro; um negócio para obter algo a troco de nada.

O entrevistado afirma, com todas as palavras, que o passado deve ser esquecido e que, não podendo a tradição servir de guia na compreensão da presente situação económica e política, se deve fazer tábua rasa do pensamento e da investigação passada para se poder escolher livremente novas soluções para os novos problemas...



O Creditismo substituiu o Capitalismo” – Richard Duncan em entrevista concedida a David McAlvany a 27 de Julho de 2016

David McAlvany (DM) – Na sua opinião, a mudança nas políticas dos bancos centrais para controlar as taxas de juro a estes níveis indefinidamente, não causará mudanças na natureza dos mercados financeiros?

Richard Duncan (RD) – Sim, julgo que causarão mudanças fundamentais e completas porque, se considerarmos os últimos cem anos, os bancos centrais – se existissem – não se preocupavam em manipular os preços dos activos. Mas em termos da economia global, e das implicações económicas globais, o mundo nunca gozou das condições que agora enfrentamos: níveis globais de dívida altíssimos, uma economia com excesso de capacidade (tanto nas indústrias, como nos mercados de trabalho). Na Índia, por exemplo, é possível encontrar 300 milhões de pessoas que trabalham por cinco dólares por dia. Por isso temos um excesso de capacidade de mão-de-obra, o que significa a ausência de pressões inflacionistas.



Toda a gente está a tentar compreender o que é necessário fazer para previnir o colapso da economia e regressar ao crescimento, mas é importante que as pessoas percebam que não há experiência passada que sirva de exemplo para a solução de que precisamos. Não estamos em 1776, na companhia de Adam Smith. Nem estamos no início do séc. XX quando Ludwig von Mises estava a escrever acerca das consequências da expansão do crédito.

Este é um período novo e temos de ser nós a encontrar uma solução para esta crise se queremos evitar o desastre, se queremos olhar para as coisas como elas são e não estar a usar textos e investigações que já têm cinquenta, cem ou duzentos e cinquenta anos. Estas já não se aplicam ao nosso tempo. Vivemos num tempo diferente e temos diferentes ferramentas ao nosso dispor para evitar o desastre.

Considere-se o ano de 1930, quando uma semelhante bolha de crédito rebentou. Houve uma bolha de crédito durante os anos 20 que resultou da Iª Grande Guerra. Nesta guerra os países europeus abandonaram o padrão-ouro e imprimiram moeda para a financiar. Os governos emitiram obrigações para esse fim e isso criou uma bolha global de crédito – deu-se o nome dos “loucos anos 20” – que rebentou na década seguinte e os governos não sabiam o que fazer. Os responsáveis acreditavam na ortodoxia económica e não fizeram grande coisa, pelo que a economia global colapsou e estagnou durante dez anos. Não se reabilitou, efectivamente. A Depressão acabou apenas com a IIª Grande Guerra, momento em que a despesa do estado, nos EUA, aumentou 900%. Foi isso que acabou a Depressão.
Estamos numa situação semelhante neste momento. Excepção feita à bolha de 2008 que era muito maior do que a dos anos 30. Assim, quando a mais recente rebentou, as autoridades em vez de ficarem paradas, agiram agressivamente. Ainda não resolveram o problema, mas tivemos oito anos de prosperidade desde 2008. Fazendo o paralelo com a Grande Depressão, o presente ano (2016) seria o ano de 1938. Olhando para a frente teríamos a IIª Grande Guerra. Em vez disso, desde 2008, assistimos a uma intervenção de governos e bancos centrais, a défices a crescer em larga escala e estímulos monetários. Neste momento, encontramo-nos numa situação em que os últimos oito anos provam que é possível o governo dos EUA pedir emprestado e gastar triliões de dólares que não tem e que deve financiar com a criação de moeda sem criar inflação. Por isso, a coisa sensata a fazer é, de facto, os governos pedirem mais dinheiro emprestado e de o investirem em recuperar as infraestruturas. Eu vivo na Ásia e quando me mudei para lá há vinte anos, tudo me parecia terceiro-mundista. Agora quando regresso aos EUA, comparando com a Ásia actualmente, são os EUA que me parecem o terceiro-mundo: os aeroportos são antigos e os comboios não se mantêm nas linhas, por exemplo. Mas podemos resolver isto.
Se Donald Trump quer tornar a América grande outra vez, então deve gastar uns 2 triliões e reparar toda a infraestrutura do país. Ele pode financiar isso com taxas de juro a 1,6%, no pior cenário, a dez anos. Ou melhor, o que já temos visto ser feito, a Reserva Federal (FED) imprime 3,6 triliões e agora é titular de quase 3 triliões de obrigações soberanas dos EUA, que foram assim canceladas. O facilitamento quantitativo (QE) corresponde ao cancelamento de dívida, se pensarmos bem nisso.

A FED comprou as ditas obrigações e o governo tende a pagar o juro dessas obrigações à FED. Mas, no final de cada ano, a FED transfere todos os lucros desses juros para o governo. O que significa que o governo não está, efectivamente, a pagar juros sobre a sua dívida e essas obrigações fora, essencialmente, canceladas. Ora, cada mês que passa, ouvimos falar em “despesar dinheiro de helicópteros”, em dívidas perpétuas, em emitir obrigações perpétuas que nunca serão pagas. Isto permitiria que o governo investisse mais nas infraestruturas no curto-prazo e, idealmente, que investisse em novas indústrias e tecnologias no longo-prazo. (...) Assistiríamos à reestruturação da economia americana, à criação de novas profissões e à indução de uma nova revolução tecnológica.

Mas as pessoas estão assustadas e, tal como generais a lutar, estão sempre a conduzir lutas antigas e a ler os livros antigos de economia. Diria mesmo que essas pessoas trabalham segundo a ideia de que, se a dívida nos trouxe até aqui, jamais nos pode salvar. Isso parece lógico, mas se elas percebessem que essa ideia nos fará entrar numa grande depressão, então, faz mais sentido optar pelo crédito, pela despesa e pelo investimento se queremos sair desta crise. Ou, pelo menos, evitar o colapso. Afinal de contas, o Japão tem estado a fazer isso há vinte e seis anos.

Tantas pessoas brilhantes e bem-intencionadas defendem um orçamento equilibrado, a redução da dívida, a limitação da acção dos bancos centrais, mas isso é o mesmo que uma pessoa que subiu num balão de ar quente a elevada altitude, exigir que se extinga o ar quente. Ora, o nosso balão cresceu e subiu alimentado a enormes quantidades de crédito durante cinquenta anos. Se se cortar o crédito, o balão vai seguramente despenhar-se e matar toda a gente. Por isso, temos de manter o crédito a fluir. E, enquanto o sector privado não pode socorrer-se de mais crédito dado o abrandamento dos seus rendimentos por causa da globalização, o governo americano pode fazê-lo. A dívida dos EUA é, aproximadamente, 100% do PIB. A do Japão está nos 250% do PIB. Presentemente, o PIB dos EUA corresponde a 18 triliões e isso sugere que o governo pode endividar-se em mais 18 triliões antes de atingir os 200% do PIB. Isso, assumindo um crescimento de zero no PIB. Se gastarmos esse dinheiro, a economia americana cresceria 10% ao ano e nunca iria atingir os 200% de endividamento face ao PIB.

Por outras palavras, se quisermos ver as coisas a preto e branco, podemos cortar o crédito e conduzir-nos a uma grande depressão e ao colapso da nossa civilização. Ou, então, podemos ter o governo a fazer despesa e o défice financiado pela FED, saindo desta situação para atingir uma etapa de prosperidade sem precedentes.”
Estaremos condenados a assistir os curadores a cometerem os mesmos erros? Estaremos condenados a sofrer as mesmas consequências? A estar encerrados num ciclo de anulação constante da Liberdade, da Prosperidade e da Paz?

2 comentários:

majoMo disse...

> «O facilitamento quantitativo (QE) corresponde ao cancelamento de dívida, se pensarmos bem nisso.»

Nada como continuar a alimentar o crédito, para iludir o cerne do descalabro - ao invés de enfrentar a tontice evidente.
Richard Duncan apenas confirma a idiotia dominante e que Thomas Sowell avisadamente explanou: «A religião econômica keynesiana dos velhos tempos sempre diz que a única razão pela qual a criação de mais dinheiro não funcionou é porque ainda não foi dinheiro suficiente criado. Para eles, se QE2 não funcionou, então precisamos QE3. E se isso não funcionar, então teremos QE4, etc.».
Depois, para convencer, afirma Ducan que estamos num 'Tempo Novo'... Como é hábito a idiotia do Consenso pensa sempre que descobriu a pólvora - novamente!...

LV disse...

majoMo,

O seu remate final: "Como é hábito a idiotia do Consenso pensa sempre que descobriu a pólvora - novamente!", sintetiza bem a natureza da Narrativa. Importa acentuar o trabalho crítico para evidenciar o ciclo e o sentido do movimento narrativo. Assim, talvez seja possível proteger alguma coisa.
Fez bem lembrar T. Sowell.

Saudações,
LV