sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Contra um mundo infestado de auto-nomeados peritos

Ante-Scriptum: devo um pedido de desculpas por esta longa ausência sem uma palavra de explicação. O problema é que não há explicação, e, portanto, não pode haver desculpa. Hoje, senti que devia voltar. Veremos se para continuar. Em qualquer caso, um muito obrigado aos leitores do Espectador Interessado.

Eduardo Freitas
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Há dias, um colunista de esquerda protestava o seu total apoio à globalização deste que se assegurasse que todos ganhassem nesse processo, o que não estaria entretanto a suceder. Ora, que entidade existe que "assegura" o que quer que seja? Aquela salvaguarda mais não era que um novo apelo a um ainda maior intervencionismo estatal, seja no plano nacional através de compensações aos "deserdados" da globalização, seja no plano supranacional onde "peritos" desenhariam acordos de "livre" comércio onde prevalecesse a "equidade" na distribuição dos seus benefícios.

Uma monstruosidade deste calibre, uns bons furos acima dos tratados multilaterais de "livre" comércio que a elite globalista tem tentado fazer avançar, à semelhança da sua "gestão" da cada vez mais suspeita vaga migratória que vivemos, é obviamente inaceitável para qualquer espírito livre.

Por favor não me entendam mal. Eu sou inteiramente favorável à globalização entendida como o resultado natural da divisão e especialização do trabalho internacionais. Por exemplo, fui e sou, um defensor das sweatshops porque não me incomoda a alegada "exploração" dos seus trabalhadores por pérfidas multinacionais quanto é ela que permite retirar milhões da pobreza mais abjecta em que antes viviam. Isto enquanto a canalha progressista vociferava contra a concorrência "desleal", a "escravização" dos operários com soldos "miseráveis" e, pasme-se, a utilização de trabalho infantil (como se antes as crianças adolescentes não trabalhassem em condições muito piores e a ganhar muito menos ou, simplesmente, morressem à fome ou de doença).


Hoje, em que o resultado de umas eleições, arrancado a ferros contra a totalidade da media prostituta ("presstitute", um brilhante termo cunhado, se não estou em erro, por Gerard Cellente) e da intelligentsia mendaz, na maior campanha de todos os tempos onde o insulto, a mentira e a ideologia mais soez campearam (e continuam), eis que as mesmas almas que se manifestavam contra a "globalização" se tornaram nas suas maiores defensoras. Porquê? Porque Trump se insurgiu contra os tratados de comércio multilaterais e manifestou a sua intenção de prosseguir o caminho dos tratados bilaterais.

Trump, portanto, tornou-se num "proteccionista" para a media prostituta. O facto de ele se preocupar com os mineiros do carvão desempregados pelas políticas de Obama ("[With my plan,] electricity rates will necessarily skyrocket"), ou com o "Rust Belt", onde em tempos existiu uma indústria automóvel inovadora e competitiva, antes de os sindicatos e o governo federal a terem destruído por um compadrio destruidor de riqueza para todos, excepto para os compadres que sempre enchem os bolsos em qualquer caso, assim o atestaria.

Não ocorreu à intelligentsia [profundo sarcasmo] que a destruição de Detroit, de Baltimore, etc., era auto-infligida e não exclusivamente decorrente da deslocalização da indústria. Não lhes ocorreu que a constante criação de obstáculos ao empreendedorismo, em nome da "defesa" do ambiente e da saúde, como dos "direitos" dos já instalados, etc., tivesse atingido um paroxismo tal que abrir uma banca para vender limonadas na rua passou a ser, senão um crime, uma infracção grave ou muito grave -- onde está a licença para ocupar a via pública? a licença para a venda, o atestado de qualidade da água e dos produtos utilizados? etc., etc.

Querem amenizar ou contrariar os efeitos da deslocalização de empregos? Então libertem as capacidades criadoras do homem! Desmantelem os edifícios reguladores que para nada servem senão para dar emprego aos que lá medram parasitando os produtivos. Desmantelem a escola pública, descentralizando radicalmente as decisões quanto a que ensinar, a quem e a que preço (mesmo os "gratuitos"). Pedindo emprestado um slogan àquele que foi o maior assassino da História, deixem que "mil flores floresçam!". As razões, inclusive as de índole demográfica, da decadência das sociedades ocidentais, como bem reflectiu Václav Klaus, não são uma fatalidade, são auto-infligidas.

P.S. - Post, ligeiramente retocado, de página do Facebook

8 comentários:

JS disse...

Boa bola. Saudações.

Asam disse...

De acordo!

Iletrado disse...

Caro Eduardo Freitas
Numa primeira leitura, concordei com o artigo. Depois, ao reflectir nesse exemplo aparentemente inócuo da limonada na rua, pensei nos casos mortais de venda de productos alimentares, como o óleo de colza, em Espanha. Como é que se resolvem problemas destes sem fiscalização? E quem é que fiscaliza?
Boas pedaladas.

Eduardo Freitas disse...

Caro Iletrado,

Quando eu era um gaiato de uns 13/14 anos, vivia em Setúbal. Não havendo centros comerciais nessa altura, a vinda à Baixa era frequente porque era lá que estavam as lojas de todas as qualidades e feitios e onde ouvia a minha Mãe, sempre que se ia comprar uns sapatos, perguntar se o preço marcado era mesmo que o que teria de pagar e ouvir do empregado que iria fazer uma "atenção". Inclusive era lá que estava instalado o barbeiro onde sempre cortei o cabelo até que ele, barbeiro, trespassou a estabelecimento e abriu uma extraordinária, para a época, casa de artigos fotográficos, fonográficos, instrumentos musicais, etc., não muito longe do antigo.

Ora, no trajecto de e para a estação de camionagem, a certa altura tinha que passar por uma rua que teria, no máximo, 1,25m de largura. Os prédios que a ladeavam tinham, a partir do 1º andar, umas varandas, muito estreitas também elas, onde os moradores tinham por costume colocar vasos de flores em cima dos seus parapeitos (das janelas). Certo dia, a caminho do autocarro, ao passar como de costume por essa rua, dei por ter caído um vaso de proporções significativas que, por um momento infinitesimal, não me caiu literalmente em cima da cabeça e se desfez aos meus pés. Nem tive tempo para me assustar. Quando olhei para cima, vi que havia um espaço em falta na varanda do 2º andar, portanto aí a uns 6/7 metros de altura. Como já tinha umas noções de Física, e em particular do movimento uniformemente acelerado, percebi deste então que viver é uma actividade com risco associado. Com efeito, mesmo que nunca saiamos de casa para evitarmos ser atropelados, por exemplo, o risco existe e não é negligente. Com efeito, é em casa que acontece a maior parte dos acidentes estritamente pessoais: escorregar na banheira, cair do escadote, apanhar um esticão num aparelho eléctrico, etc.

Espero que esta pequena história lhe possa ser útil como fonte de introspecção para responder às questões que formula.

Cordialmente,

Eduardo Freitas



LV disse...

Caro Iletrado,

Aproveito para dar incluir uma observação de resposta à sua pergunta:

- o episódio que conta é sempre possível que aconteça, isto é, produzir algo que possa traduzir-se em danos para o próprio produtor ou para os seus eventuais clientes; mas repare que, não havendo regulação nem qualquer limitação à concorrência no ramo de actividade de que estivermos a falar, então os incentivos são de modo a que o produtor tudo faça (na medida das suas possibilidades, é claro) para garantir a qualidade e a segurança do seu produto (entre outras qualidades que considere oportuno garantir face à sua leitura de custo/benefício).

Só assim, o produtor pode (note a probabilidade) tentar assegurar que o cliente volte. E caso tal desastre aconteça, os familiares da vítima podem sempre apelar para uma autoridade privada de prestação de serviço de justiça e protecção (hipótese hoppeana e rothbardiana) para exigir uma reparação.
Muitas vezes o tipo de exemplos que indicou é apresentado para sugerir que, se não houver peritos encartados (ou burocratas e agências estatais), então, os desastres são mais do que possíveis, são necessários. O que é falso.

Basta que se lembre da quantidade de bolos e doces (ou gelados) que comeu na praia (antes de qualquer ASAE ou taxa), dos vinhos e licores que provou numa qualquer feira, atrelado ou casa particular. Não veio mal ao mundo com isso. Mas o risco esteve sempre lá. Cada um de nós procedeu à analise e à constatação de que era confiável consumirmos tais produtos. Ou seja, para além do risco, há também a responsabilidade de cada consumidor quando toma decisões.

Aceite as minhas saudações,
LV

Iletrado disse...

Caros Eduardo Freitas e LV
Agradeço as respostas. No entanto, considero a estóica resposta do Eduardo Freitas falha de sentido. É bem certo que a morte é a única certeza desta vida, mas comparar o risco de uma acidental queda de um vaso (suponho que tenha sido acidental) com a deliberada adulteração de um producto alimentar significa admitir que as acções humanas têm a mesma carga de fatalidade que o ambiente em que vivemos. Ora, se tal é verdade, não faz muito sentido esta troca de idéias. Mais, nem faz sentido a existência deste nem de outros espaços onde "teimosamente [se lembra] a importância da Liberdade". Porque, fatalmente, alguém deterá o poder e esse alguém será sempre o mais forte. Portanto, não vale a pena lutar contra o actual estado a que isto chegou, porque fatalmente seremos cilindrados pelo mais forte e pela situação que este origina. É inútil tentar alertar as pessoas sobre os perigos e os riscos a que as políticas actuais nos conduzem, pois estas políticas são uma fatalidade a que temos de nos sujeitar. Para quê, então, "teimosamente [lembrar] a importância da Liberdade"?
A resposta de LV, mais positiva, permitiu-me recentrar as minhas idéias sobre o assunto. É um facto que sempre comprei productos alimentares a particulares. Não é preciso recuar à minha infância e aos "terríveis tempos da longa noite salazarista". Mesmo hoje em dia compro os mais diversos productos a pessoas que os vendem à beira da estrada, por exemplo. E onde, naturalmente, o único controlo de qualidade é feito pelo vendedor e pelo comprador. E, nesse sentido, concordo que o vendedor será o que tem mais a perder caso o seu producto não seja de qualidade. Ou, no limite, caso a percepção do comprador considerar que o producto não tem qualidade ou não é digno de confiança (mesmo que essa percepção seja falsa).
Só mais uma nota. Onde está escrito «necessários», na frase "então, os desastres são mais do que possíveis, são necessários", não devia estar escrito «inevitáveis»? «Necessários» não parece fazer muito sentido.
Boas pedaladas.

LV disse...

Caro Iletrado,

Comecemos pela última observação que faz ("necessário vs inevitável").
Num contexto de análise conceptual, tem toda a razão. Mas note que a minha frase busca evidenciar a falha no raciocínio de quem defende a tese (que Eduardo bem retratou no artigo) da absoluta necessidade dos especialistas para tudo. Ou seja, se reparar é isso mesmo que digo quando concluo pela falsidade dessa assumpção. Os desastres não são necessários, são isso sim possíveis e muitos deles de consequências inevitáveis.
Logo, se me interpretar bem, estamos a dizer o mesmo. E estamos correctos!

Gostei do modo como colocou - através da partilha da sua experiência pessoal - o problema aqui latente. Efectivamente, o controlo de qualidade e confiança é feito por ambos os intervenientes de uma transacção livre: o vendedor e o comprador. Os incentivos nesse caso são de modo a minimizar (tanto quanto for possível) os riscos de problemas e de quebra de confiança. O que está a laborar mais fundo na posição de quem defende mais regulação e mais especialistas é a ideia que o vendedor (deixado actuar livremente) não quer saber do comprador - actual ou potencial. Que cada empresário na sua acção pretende apenas enganar uma vez o cliente e, permita-me a simplificação, guardar o lucro, desprezando o cliente.
É fácil de ver quem está errado nesta consideração, certo?

Quanto à (in)utilidade destes espaços, repare que não pode concluir pela fatalidade quando analisa a posição (ou a resposta) de Eduardo Freitas. O que se pode (repare a possibilidade) esperar é que, por aqui, se vão partilhando análises acerca de algumas das mais profundas contradições do nosso tempo, em particular as que acabam por entroncar no valor da Liberdade. E teimosamente tirar proveito e prazer destas trocas lúcidas e críticas.

Aceite as minhas saudações,
LV

Eduardo Freitas disse...

Caro Iletrado,

Desculpe-me pela demora na réplica. O que eu pretendi ilustrar com aquela história real (e não, suponho que não tenha havido intervenção maligna contra a minha pessoa) é que não há forma de eliminar os riscos. O acto de viver é um acto de risco. Podemos e devemos lidar com ele. O seguro é o instituto adequado.

E se o risco não for segurável? Bem, em tese, havendo risco ele pode ser calculado. E se acaso o valor da garantia vá bem para além da capacidade da seguradora em particular entra o mecanismo sucessivo/cumulativo do resseguro. Com isto apenas quero salientar que o mercado resolve o problema do risco mas não o conseguirá eliminar. Nenhuma entidade, aparte Deus, o conseguirá.

O exemplo que aponta de intoxicação alimentar era, já há milénios atrás, endereçado pela figura do provador o qual, mediante uma remuneração atraente, assumia o risco associado àquela condição.

Cordialmente,

Eduardo Freitas