sexta-feira, 7 de julho de 2017

China - que poder alternativo?

Selecciono e traduzo uma parte de uma excelente reflexão levada a cabo por Chris do projecto "Capitalist Exploits" que, de Singapura, vai produzindo as suas análises económicas, financeiras e políticas.
Naturalmente, recomendo a leitura integral do artigo.
Importa coligir alguma informação acerca da iniciativa da Nova Rota da Seda que a China está, lenta e consequentemente, a implementar. Tem a sua componente marítima e terrestre e comporta uma amálgama de instituições e parceiros (veja-se aqui).
Aqui pelo Espectador Interessado, há muito que vamos dando conta da extensão e qualidade destes movimentos e iniciativas - aqui, aqui ou aqui.
Os negritos e adaptações são da minha responsabilidade.
Como a China está a aumentar o seu poder global

A China tem ao seu dispor múltiplos modos através dos quais pode projectar o seu poderio económico, melhorar a sua balança comercial e exercer controlo sobre a dívida dos seus parceiros comerciais. Ao fazer uso deles, lentamente, garante uma influência política e económica que se reforça constantemente.
Caso sejam bem sucedidos nos seus intentos com a Nova Rota da Seda [conhecida internacionalmente como One Belt, One Road, daqui em diante referida por OBOR], a China pode esperar mitigar alguns dos seus problemas - que resultam do ciclo doméstico de crédito mal-parado - e, incidentalmente, garantir aquela projecção política e económica.
Os comentadores da iniciativa OBOR parecem dividir-se entre optimistas e cépticos quanto à capacidade da China em alcançar os seus objectivos com tal iniciativa. À partida, a ideia parece simples: a OBOR promete abrir mercados para as exportações chinesas. Mas essa abordagem parece-me simplista e inocente. Quanto mais investigo este tópico, mais concluo que há muito mais por detrás da OBOR do que se pode ver para já. Os chineses são muita coisa, mas não são estultos.
Consideremos alguns dos seus problemas, das suas ambições e a razão pela qual a OBOR é central para o mandato de Xi.

Excesso de capacidade

A China sofre de um excesso de capacidade produtiva e também de um problema interno de dívida no seu sistema bancário. Mas a OBOR pode providenciar os meios para a China diminuir essa dívida e exportar esse excesso de capacidade. Os chineses podem alcançar isso permitindo financiamento a países que estejam, desesperadamente, a necessitar dele – a Grécia encaixa aqui muito bem.

Aliviar a bolha de crédito

Certamente que um elevado nível de crédito não produtivo castiga o crescimento do produto chinês, mas considere-se o seguinte: e se a China transferisse a sua dívida doméstica para o balanço dos seus parceiros na OBOR?
Como?
O governo chinês pode emprestar aos seus parceiros o dinheiro necessário para grandes projectos de infra-estruturas – como, de resto, já estão a fazer. Quando esses projectos estiverem a ser construídos, uma boa parte dessa construção será atribuída a companhias chinesas, dando-lhes a hipótese de exportar o excesso de capacidade e ao mesmo tempo diminuir a bolha de crédito.
A China tem cerca de três triliões de dólares em papel/crédito que pode entregar a troco de poder e influência. Pense-se nisto:
O que é preferível?
Uma pilha de dólares? Com a FED ao leme que tem mostrado, sem ambiguidades, que assim que surjam as dificuldades, abandona o seu papel de referência monetária em prol da segurança e estabilidade política doméstica?

Ou apostar numa iniciativa que dá vantagem política e económica de alcance global?

A arma mais poderosa



A resposta da China é bastante clara, especialmente se considerarmos o que ela já começou a fazer. A China já fez avultados empréstimos a países estratégicos e muitos deles são pobres. Esses empréstimos desenvolvem infra-estruturas e geram trabalho e ambos são fundamentais para esses países. Todavia, esses empréstimos estão programados e estruturados em condições e termos que favorecem a escolha de mão-de-obra e materiais chineses, o que é muitas vezes desvalorizado por quem está falido e desesperado. E, para o caso de o leitor se ter esquecido, importa lembrar que há muitos governos desesperados por esse mundo fora.
A China precisa que estes projectos ganhem dinamismo e sejam bem sucedidos. No entanto, há espaço para defender a hipótese de que a China até prefere que esses projectos não tenham sucesso: ter a sua dívida paga por outros elimina a necessidade de forçar uma projecção política e económica.
Considere-se o caso do aeroporto de Mattala Rajapaksa no Sri Lanka que abriu em 2013 e que está vazio e sem movimento. O que ganhou o Sri Lanka? Um aeroporto vazio e uma dívida para com a China, que não poderá pagar. Outros casos são o caríssimo porto paquistanês de Gwandar e o porto grego do Pireu.
A China controla toda esta dívida e, assim, pode e vai usar o seu poder para obter algumas concessões. O mundo não deve ficar surpreendido quando os submarinos militares com símbolos chineses começarem a usar aqueles portos e Pequim passar a ter uma palavra acerca de como e quem usa os recursos desses países parceiros. Precisamente, porque a China controla a dívida desses países. Nem devemos ficar surpreendidos quando os navios militares chineses começarem a garantir a segurança dessas infra-estruturas ou os aviões de vigilância chineses começarem a providenciar serviços nesses locais – portos, aeroportos, condutas de gás, e por aí fora.

Importa concluir que é do interesse da China que estes parceiros não sejam capazes de pagar as suas dívidas. Isto proporciona-lhe uma extraordinária vantagem a um custo muito aceitável. Não serei cínico ao ponto de negar que a China não queira sucesso para estes projectos no âmbito do comércio. Estou certo de que esse sucesso também lhes interessa. No entanto, há seguramente um incentivo político para aquela possibilidade e os outros países serão forçados a todo o tipo de concessões em nome do alívio das dificuldades associadas ao crédito.
Aos leitores não escapará a conclusão de que este método é muito mais barato do que as “naturais alternativas”. Se se considerar que os mísseis de cruzeiro que Trump disparou sobre a Síria há três meses tiveram um custo estimado de 60 milhões de dólares ou a guerra do Iraque que já custou ao governo americano, aliás ao contribuinte americano, 2.4 triliões de dólares, a diferença revela-se.
Como comentei anteriormente, a economia de guerra mudou e a OBOR representa um método muito mais barato de alcançar o poder e a influência do que o bombardeamento de um qualquer destino de areia por esse mundo fora.

A OBOR é muito, muito mais do que o estabelecimento de rotas de comércio para os bens chineses que os meios de comunicação convencional nos querem fazer crer. É o mais ambicioso projecto geopolítico das nossas vidas e, por isso, é relevante compreender o que realmente se está a passar.

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