4000 anos de evidência empírica continuam a não ser suficientes para impedir o recurso dos governos aos controlos administrativos dos preços e salários. E todavia, mesmo sob a ameaça de aplicação de sanções severas – incluindo tantas vezes a pena de morte –, a persistência dos efeitos da fixação administrativa de preços é algo de notável – indução da escassez (com a fixação de “preços máximos” abaixo dos que o mercado, deixado a si próprio, determinaria) ou de “subprocura” (resultantes do estabelecimento de “preços mínimos” acima dos de mercado). Não há nada de estranho ou de sobrenatural nisto – trata-se apenas do mero funcionamento das leis da procura e da oferta.
Claro que, em períodos de agitação política, e para tentar enganar acalmar o povoléu, é usual que o poder aponte o dedo aos “especuladores”, “açambarcadores” ou a uma “5ª coluna” ao serviço do “inimigo externo” atribuindo-lhes a culpa seja da escassez, seja dos aumentos de preços generalizados (que aliás estiveram normalmente na origem do tabelamento de preços). Enfim, o dia-a-dia por que passam venezuelanos e argentinos nos dias que correm. (Entre nós, agora que nos aproximamos da comemoração dos 40 anos sobre o 25 de Abril de 1974, ainda haverá muitos que se recordarão desse linguajar tão comum na década subsequente.)
Mas se as leis da oferta e da procura são até facilmente intuídas pela generalidade das pessoas, há um caso muito particular em que seria possível e desejável suspender ou "comandar" o seu funcionamento. Refiro-me, claro, à existência de um salário mínimo nacional que, para além de considerações morais atinentes à “dignidade”, até teria consequências positivas sobre a economia (pela via do aumento do consumo proporcionado àqueles abrangidos pela sua criação ou pelo seu aumento). É muito triste que hoje haja muitos economistas (?) (Gary North fala em metade) que sustentem, com base empírica inteiramente desassociada da teoria económica (os famigerados “estudos”), tomar os desejos por realidades. É sobre este estado de degradação científica que o artigo de Frank Hollenbeck se debruça e que me levou a partilhar uma sua tradução (de minha responsabilidade) com os leitores do EI.
17 de Abril de 2014
Por Frank Hollenbeck
O triste estado da profissão de economistaNão é um exagero afirmar-se que a reputação actual dos economistas está, provavelmente, logo abaixo da de um vendedor de carros usados. Os recentes falhanços das políticas económicas de estímulo ao crescimento e ao emprego mancharam ainda mais esta imagem. Isto, porém, contrasta de modo nítido com o que sucedia no passado, quando os economistas eram vistos como o obstáculo intelectual a populares mas erróneas concepções, más ideias, ou, e o mais importante, a políticas governamentais vendidas ao público baseadas em falsas premissas. Slogans populares como "proteger os empregos americanos" apostam no nacionalismo, mas, na realidade, apenas servem interesses especiais. O economista de antigamente nunca teria hesitado em expor as falácias que um tal argumento encerra.
Hoje, no entanto, a maioria dos economistas vendeu-se ao inimigo. Eles trabalham para organismos governamentais como o FMI, a OCDE, o Banco Mundial, os bancos centrais ou instituições académicas onde a sua investigação é fortemente subsidiada por agências governamentais. Para terem êxito, têm que "andar na linha" - não se morde a mão a quem lhe dá de comer.
Frank Hollenbeck
Hoje, esses economistas e jornalistas arregimentados informam-nos dos perigos da deflação e dos riscos da "baixaflação", e de como as impressoras nos irão proteger dessa catástrofe. E contudo não há qualquer justificação teórica ou empírica para este medo. Pelo contrário, uma oferta monetária estável permitiria que os preços desempenhassem melhor a função crítica de afectar os recursos [às actividades – N.T.] onde são mais necessários. O crescimento resultante de uma moeda estável estaria normalmente associado à rápida queda dos preços como sucedeu na maior parte do século XIX.
Quando o presidente Obama se referiu pela primeira vez ao aumento do salário mínimo, Paul Krugman, prémio Nobel da Economia, rapidamente publicou um artigo de apoio a esse aumento. Todavia, até mesmo um estudante do primeiro ano de Economia sabe que os controlos de preços distorcem a função de afectação de recursos dos preços, assim beneficiando um grupo ou interesses especiais às expensas do resto da sociedade. Embora alguns vão receber um salário mínimo mais elevado, muitos outros irão ser pura e simplesmente sacrificados. Um comentador político não devia andar mascarado de economista.
Imagem daqui
Os economistas também têm "inveja da Física" e estão apaixonados pelo empirismo e pelos modelos matemáticos. Para trabalhar num banco central é necessário estar-se familiarizado com, se não mesmo ser-se um quase-especialista, em modelos DSGE [acrónimo em língua inglesa para "modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico" – N.T.]. O problema com estes modelos, ou com qualquer modelo económico, é que os parâmetros não são constantes, a maioria das variáveis estão inter-relacionadas e essas inter-relações estão em constante mudança e as variáveis omitidas, como as expectativas, algumas das quais são insusceptíveis de mensuração, são convenientemente descartadas como irrelevantes. Isso é como utilizar um mapa das rotas marítimas de onde as ilhas fossem omitidas.
A Economia é uma ciência social e as técnicas pedidas emprestadas às ciências físicas são simplesmente inapropriadas. Não dispondo nós de um laboratório para realizar experiências económicas, é difícil distinguir entre associação e causalidade ou determinar correctamente a direcção da causalidade. A actividade económica depende das acções humanas, e tem uma regularidade empírica muito reduzida. Pode acontecer que o dia de hoje esteja ensolarado, e se tenha esquiado nos últimos três dias. Isso não significa que se volte a esquiar no quarto dia. As nossas acções, muito simplesmente, não podem ser modeladas como as reacções dos ratos de laboratório numa experiência de Biologia. Ao contrário da reacção dos zombies ao ruído que os transforma em mortos andantes, os seres humanos não reagem necessariamente aos mesmos eventos da mesma maneira. Os economistas da Fed devem estar a coçar a cabeça intrigados com as razões que levam as empresas a não reagir a taxas de juros mais baixas como aconteceu após a bolha "dot.com". É o velho ditado [árabe] – N.T.] a funcionar: "Na primeira vez que me enganar, a culpa será sua; já na segunda vez, a culpa será minha."
Quando se obtém um doutoramento em Física ou Medicina, não se perde tempo a compreender as teorias de há 200 anos atrás. A disciplina está sempre a progredir, não é assim? Em Economia, também assumimos erroneamente esta atitude. A macroeconomia enquanto profissão não apenas não progrediu como regrediu. Tínhamos uma melhor compreensão da macroeconomia há 80 anos. Os políticos colocaram Keynes sobre um pedestal porque foi ele quem lhes proporcionou a fundamentação teórica para justificar políticas que haviam sido justificadamente ridicularizadas no passado pelos economistas clássicos.
Economistas como Smith, Say, Ricardo e Mill lutaram duramente para dissipar a crença popular de que o problema era a sobreprodução e a escassez de moeda. Hoje, os principais economistas dizem-nos que tudo se resolverá se conseguirmos estimular a procura (daí a sobreprodução) ou se dispusermos de mais dinheiro através da flexibilização quantitativa. Estes são os mesmos equívocos populares promulgados pelos mercantilistas de há 250 anos. A diferença, hoje, é que os economistas são aliados dos mercantilistas em vez de serem seus inimigos.
O papel do economista deveria ser o de explicar não apenas os efeitos directos, como também os efeitos indirectos das políticas económicas. Os economistas não deviam dizer-nos apenas o que se vê, como também o que não se vê, e, ainda mais importante, o que se prevê. Os economistas, em uníssono, deveriam ter informado o público que a maciça despesa pública após o crash de 2008 teria criado mais crescimento e emprego tivesse o dinheiro sido deixado em mãos privadas. Para financiar o programa "dinheiro por sucata" [incentivos ao abate de veículos automóveis antigos - N.T.], o governo pediu dinheiro emprestado que normalmente teria sido utilizado para construir fábricas e equipamentos ou bens de capital, a verdadeira fonte de crescimento de uma economia. Como Murray Rothbard eloquentemente disse, isto constitui uma transferência de "recursos [do sector privado - N.T.] produtivo ao sector público parasita e contraproducente".
Vivemos num planeta sob uma restrição a que damos o nome de gravidade. Podemos adaptarmo-nos à lei da gravidade através de invenções como os aviões, mas não podemos desafiar a lei da gravidade saltando de um prédio sem pára-quedas O mesmo sucede em economia e com a lei da escassez. Erradamente acreditamos, de algum modo, que caso o governo proceda à contrafacção legal de papel intrinsecamente inútil ou que gaste o dinheiro de outros seremos capazes de subverter a lei da escassez.
J. B. Say disse certa vez que os economistas deviam ser "espectadores passivos" que se abstivessem de dar conselhos. Poderia ter acrescentado "e que não dormem com o inimigo".
4 comentários:
os contribuintes do rectângulo suportam
várias pragas:
o MONSTRO
os politicos, nomeadamente os de esquerda
a récua de liceniados: direito, psicologia, sociologia, economia
como dizia Marco Túlio Cícero no início da 1ª catilinária
'até quando ó Catililina abusarás da nossa paciência'
Eduardo,
Quando a cegueira ideologia se junta a equívocos filosóficos fundamentais, então, os erros vão acumular-se. Pode demorar várias décadas (as opções de esconder a asneira são variadas), mas as contradições tornam-se, inevitavelmente, manifestas nas diferenças entre intenções, declarações e acções. Essas contradições não seriam graves caso as suas consequências não tivessem influência na vida de todos. E essa ingerência insiste em exercer-se a partir de uma suposta grandeza moral que é, sinceramente, insuportável.
E aqui - Floribundus - pouco importa que sejam psicólogos ou economistas, aliás já tivemos a nossa dose da bondade de senhores engenheiros.
Não se lembra?
LV
Sim.
Economistas impunemente cheios de certezas e fórmulas mágicas.
Pro-aquecimentistas (ou arrefecimento) global com 50% de virtude comprovável, no próximo milénio ...
todos perdem em relação ao disfuncional relógio parado, que até está certo duas vezes por dia.
Mas há mais gentinha a dormir com o inimigo. E a receber bom dinheiro, e encômios, por isso.... Saudações.
Caro JS,
Assim é, de facto.
A acrescentar à temática aquecimentista (embora numa fase onde a 2ª derivada já é negativa), juntaria ainda a ligada à obesidade "epidémica" e às doenças cardio-vasculares (colesterol, triglicéridos, etc.). A este respeito, e por exemplo, um bom vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=3vr-c8GeT34
Saudações
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