terça-feira, 3 de maio de 2016

Significativa mudança ou constatação do óbvio?

Publicamos a tradução do artigo de Kenneth Rogoff publicado hoje. A adaptação e sublinhados é, naturalmente, da nossa responsabilidade.
O artigo é, julgo, um reconhecimento muito importante no discurso público. É uma mudança qualitativa no discurso oficial da peça colectiva. Será um momento em que um dos Missionários orienta novas dinâmicas no Jogo? Será uma nova disposição dos Cavalos Furtivos?
Naturalmente, recomendamos a leitura integral do artigo. Sublinhando que se devem considerar as eventuais consequências deste gesto público, num momento tão delicado da conjuntura financeira e monetária internacional. Especialmente no momento de guerra monetária em curso (apesar do recente e muito secreto acordo entre os G20 em Xangai), que tem a reconfiguração do cabaz dos Direitos Especiais de Saque (SDR´s) como pano de fundo.
Muito a considerar, portanto. Boa reflexão.
“Terão os bancos centrais dos mercados emergentes demasiados dólares e ouro a menos? Se considerarmos a economia global e o seu abrandamento e o facto dos mercados emergentes estarem, provavelmente, satisfeitos com quaisquer reservas que consigam reter, aquela pergunta parece despropositada. Mas há uma boa argumentação que se pode apresentar para justificar a mudança nos mercados emergentes para começarem a acumular ouro e isso favorecer o funcionamento suave do sistema financeiro internacional, assim beneficiando todos os intervenientes.(...)

Estou a propor que as economias emergentes dirijam uma porção significativa dos seus triliões de dólares em reservas monetárias externas que actualmente possuem (a China, por exemplo possui reservas oficiais no valor de 3,3 mil biliões de dólares) para ouro físico. E uma mudança de, digamos, 10% das suas reservas para o ouro físico ainda os deixaria longe dos países ricos que possuem 60 a 70% das suas reservas no metal físico. (...)



Por que razão funcionaria melhor o sistema com uma porção maior de reservas em ouro? O problema com o estado actual das coisas é que esses mercados emergentes, no seu conjunto, estão a competir pelas obrigações soberanas dos países ricos, o que se traduz num movimento em baixa das taxas de juro que recebem. Com as taxas de juro coladas ao zero, o preço dessas obrigações não pode descer mais do que já desceram, enquanto a oferta de dívida dos países avançados estiver limitada por constrangimentos fiscais e tolerância ao risco.

O ouro, apesar de ter uma oferta limitada, não tem esse problema, dado que não há um limite quanto ao seu preço. Por outro lado, há certamente cogência no argumento de que o ouro é um activo de baixíssimo risco e com retornos reais médios comparáveis à dívida de curto-prazo. E, pelo facto de o ouro ser um activo altamente líquido – critério central para um activo estratégico -, os bancos centrais podem concentrar-se nos ganhos a longo-prazo, menosprezando a volatilidade de curto-prazo.

É verdade que o ouro não paga juro e há custos associados com a sua custódia. Mas estes custos podem ser geridos com relativa eficiência, através do armazenamento no estrangeiro (muitos países têm o seu ouro guardado em Nova Iorque); e, ao longo do tempo, o preço pode subir. É por esta razão que o sistema como um todo não corre o risco de ficar sem ouro monetário.”

Kenneth Rogoff,"Mercados emergentes deviam correr para o ouro", 3 de Maio de 2016.

Anexo aqui algumas observações que o artigo me suscita:
- concluo que o autor não se está a referir apenas às economias emergentes, já que são vários os estados que atravessam dificuldades na gestão das suas carteiras de reservas de activos face às necessidades de se financiarem;
- destaco a frequente falácia quanto ao ouro não pagar juro; aqui há duas coisas a assinalar: por um lado, se algum de nós colocar uma nota de euros numa caixa, ela não pagará juro igualmente (o mesmo vale para o seu depósito bancário e se considerarmos as taxas negativas então...); por outro lado, é impossível que o autor não conheça as várias estratégias de fazer remunerar as reservas de ouro, desde logo entrando em contratos de futuros, fraccionar reservas ou hipotecar as mesmas, já que os bancos centrais o fizeram em abundância;
- consideremos que este senhor é um dos mais importantes proponentes das sociedades sem moeda física;
- da magna relevância esta admissão do papel monetário do ouro, um papel central e fundamental; não consigo esquecer as respostas de Bernanke a Ron Paul ("ouro é apenas tradição e nada tem de relevante no sistema financeiro"); Tudo parte de um "Truman Show", não esqueçamos.

É, justamente, por isto que estes parágrafos são significativos. E devem ser lidos com cuidado e atenção.

Cada um de nós, o que faz? Fica parado ou "corre para o ouro"?

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