Na véspera do Ano Novo, cabe desejar a todos os leitores do Espectador Interessado o melhor 2015 possível, num contexto que aconselha recurso ao pleno da prudência, como hoje escreveu LV, o meu parceiro de blogue.
Procurando um tema, simultaneamente de balanço e perspectiva, para o meu último post do ano, optei por um texto prospectivamente optimista (ainda que num futuro indefinido e quiçá longínquo). O artigo que escolhi traduzir (de minha exclusiva responsabilidade) contém múltiplas referências relevantes no meu próprio percurso politico-filosófico. Fez-me também recordar as palavras de um meu ex-director, hoje um bom amigo, nas boas-vindas: “Esta não é uma empresa para velocistas, mas sim para corredores de fundo”. Concorde-se ou não com o tom do autor, Richard Ebeling, as suas reflexões parecem-me ser inquestionavelmente informadas e relevantes.
Desculpem-me a auto-citação na formulação dos meus próprios votos para 2015: “Que as ideias da defesa da liberdade progridam e que não esmoreça aos seus promotores a sua defesa.” Teimosamente, claro.
29 de Dezembro de 2014
Por Richard Ebeling
Com um novo ano a começar, é fácil considerar que as perspectivas para a liberdade, na América como em muitas outras partes do mundo, pareçam ténues. Afinal de contas, o estado continua a crescer e é cada vez mais intrusivo e que recorre a cargas fiscais que absorvem enormes quantidades da riqueza privada.
Extrapolando estas tendências para o futuro previsível, dir-se-ia que as hipóteses de fazer avançar a liberdade são altamente improváveis. Há porém um problema com esta previsão pessimista: o futuro é imprevisível e as tendências aparentes, de facto, alteram-se.
Há muitos anos atrás, o famoso filósofo da ciência Karl Popper assinalou: «Se existe tal coisa como o crescente conhecimento humano, daí decorre não ser possível antecipar hoje o que só amanhã saberemos.» O que significa isto?
Quando eu andava na escola secundária nos anos 60, deparei-me com uma edição da revista Popular Science, publicada nos inícios da década de 1950, dedicada à previsão do que seria a vida para a família comum americana nos anos 70. Nela havia uma gravura de uma mulher e de uma criança, no terraço do telhado de um prédio de apartamentos, acenando ao pai que saia para ir trabalhar - no seu mini-helicóptero monolugar!
Do que me recordo, os autores falavam de coisas como televisores a cores, vários novos electrodomésticos, robôs que dariam conta de muita da nossa lide doméstica, assim como a utilização de aviões a jacto nas viagens comerciais. O que não estava mencionado, no entanto, era o computador pessoal ou a revolução nas comunicações, no conhecimento e no trabalho que ele provocou. Quando esse número da Popular Science foi publicado, não tinha sido ainda inventado um elemento essencial à revolução informática: o microchip.
Não Podemos Prever Hoje o Conhecimento de Amanhã
Aqueles autores não poderiam imaginar uma revolução tecnológica mundial antes que o componente que tornou tudo isso possível tivesse sido inventado pelo homem. O nosso inevitavelmente imperfeito conhecimento significa que nunca poderemos prever o nosso próprio futuro. Se pudéssemos prever o conhecimento de amanhã e as suas potencialidades, isso significaria que já saberíamos tudo hoje - e nós saberíamos que assim era!
Isto aplica-se às tendências sociais, políticas e económicas. A maioria das pessoas, em 1900, tinha a expectativa que o século XX viesse a ser uma época de paz e harmonia internacional crescentes. Em 1911, um negociante britânico, adepto do mercado livre e defensor da paz, Norman Angell (que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1933), defendeu em A Grande Ilusão que a guerra se tinha tornado tão onerosa, tanto em termos financeiros como em desperdício destrutivo, que seria irracional para as "Grandes Potências" da Europa ou da América voltarem a enveredar por esse caminho.
Mas, em seu lugar, em 1914, começou a I Guerra Mundial, que se prolongou durante quatro anos, tirou a vida a pelo menos 20 milhões de soldados, e custou (em dólares de 2014) mais de três milhões de milhões de dólares. E o mundo relativamente liberal clássico e adepto do mercado livre, que prevaleceu antes da "Grande Guerra", foi despedaçado.
O século XX, como um todo, foi o mais sangrento e destrutivo da história moderna devido à ascensão do colectivismo político e económico, sob as formas de socialismo, comunismo, fascismo, nazismo, e do estado social intervencionista. Os conflitos que o colectivismo arrastou na sua esteira custaram provavelmente 250 milhões de vidas ao longo dos últimos cem anos. Ninguém previu essa sucessão de eventos em 1900.
A Imprevisibilidade das Futuras Tendências Político-Económicos
Enquanto aluno na faculdade nos finais da década de 1960, o livro escolhido na minha primeira cadeira de economia era o da sétima edição de "Economia", de Paul Samuelson (1967), o principal manual de orientação keynesiana à época.
Dele constava um gráfico que representava a evolução do Produto Nacional Bruto (PNB) dos EUA e da União Soviética entre 1945 e 1965. Depois, em sequência, Samuelson projectava o PNB americano e soviético até ao final do século. Antecipava ele que, possivelmente nos primeiros anos da década de 1980, mas pela certa até 2000, o PNB soviético seria igual ou mesmo maior que o dos Estados Unidos. Observe-se a sua previsão implícita de que haveria uma União Soviética em 2000, que, de facto, desapareceu do mapa-múndi em Dezembro de 1991.
Quem, de entre nós, tinha a expectativa de assistir em vida ao fim da URSS sem que acontecesse um cataclismo nuclear ou uma guerra civil devastadora e sangrenta? Em meados dos anos 80, Jean-François Revel, o frequentemente perspicaz crítico social francês, publicou Como Terminam as Democracias no qual expressava o seu temor de que a perda do compromisso moral e ideológico para com a liberdade, por parte dos intelectuais e de muitas outras pessoas no Ocidente, significava que o triunfo global do comunismo sob a liderança soviética era uma forte possibilidade. Em vez disso, foi o comunismo soviético que desapareceu do mapa.
Quem, em Janeiro de 1990, previu que Saddam Hussein iria invadir o Kuwait em Agosto do mesmo ano, pondo em marcha uma cadeia de acontecimentos de que resultaram duas invasões americanas e uma ocupação do Iraque durante dez anos?
Quem, no ano 2000, teria antecipado que os oito anos de Bill Clinton parecem ser, em retrospectiva, uma era de governação contida quando comparados com a explosão da despesa pública e de intervencionismo durante as administrações de George W. Bush e Barack Obama?
A Cronologia Histórica Não significa Uma Causalidade Futura
E quem é que sabe hoje o que a totalidade do século XXI nos reserva? Permitam-me sugerir a resposta: ninguém.
O falecido Robert Nisbet, um dos grandes pensadores sociais da América, assinalou a certa altura, «Como é fácil, ao olharmos para o passado - ou seja, como é claro, o "passado" que os historiadores e cientistas sociais nos seleccionaram - ver nele evoluções e tendências que aparentam possuir a necessidade férrea e uma clara direccionalidade próprias do crescimento de uma planta ou organismo (...) Mas a relação entre o passado, o presente e o futuro é cronológica, não causal.»
As décadas de relativa paz global e de prosperidade baseada no mercado que precederam 1914 não significaram que a guerra e a destruição fossem impossíveis no resto do século XX. A ascensão do comunismo soviético, do fascismo italiano e do nazismo alemão, nas décadas de 1920, 1930 e 1940 não significaram que a liberdade e a democracia tivessem terminado, embora os livros e artigos de alguns dos mais perspicazes defensores da liberdade individual e da governação limitada, nos anos que mediaram entre as duas guerras mundiais, veiculassem o desespero e medo de que o totalitarismo fosse a onda inevitável do futuro.
O crescimento persistente e actual da intervenção estatal e do estado social não significa que um retorno aos ideais liberais clássicos de liberdade individual, mercados livres e governação limitada seja um sonho do passado.
Os Acontecimentos Humanos São O Resultado da Acção Humana
Os acontecimentos humanos são o resultado da acção humana. As nossas acções são uma consequência das nossas ideias e da vontade e disposição para tentar levá-las por diante. O estrangulamento que representa o “Estado Grande” só persistirá enquanto o permitimos, enquanto aceitarmos os argumentos dos nossos opositores ideológicos de que o estado social intervencionista é "inevitável" e "irreversível".
Significa isto que a presente tendência só irá continuar enquanto aceitarmos que o crescimento cronologicamente observado do poder estatal ao longo das últimas décadas é, de alguma forma, causalmente determinado e inescapável no devir dos assuntos humanos.
O mesmo se poderia ter dito a respeito da escravidão humana. Poucas instituições estavam tão impregnadas na circunstância humana ao longo da história como a da propriedade de homens por outros homens. Evidentemente que também foi um sonho sugerir que todos os homens deviam ser livres e iguais perante a lei.
E no entanto, durante os séculos XVIII e XIX, nasceu um novo ideal político - o que declarou que todos os homens são criados iguais e dotados de certos direitos individuais inalienáveis - à vida, à liberdade e à propriedade honestamente adquirida - que nenhuns outros mortais poderiam tomar para si. Foi assim que terminou a escravatura, que Aristóteles considerava ser a condição natural de parte dos homens, antes que o século XIX chegasse ao fim através do poder das ideias e do propósito humano.
Em 1700, o mercantilismo - a versão do planeamento central do século XVIII - era considerado necessário e desejável para a prosperidade nacional. Mesmo Adam Smith, em Riqueza das Nações (1776), acreditava que o seu poder sobre as mentes e as acções dos homens era demasiado poderoso para jamais permitir o triunfo do comércio livre. Todavia, no espaço de uma vida após a morte de Adam Smith, em 1790, a liberdade de comércio e empresa foi estabelecida na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e, de seguida, lenta mas seguramente, em grande parte do resto do mundo.
Tudo isso foi possível devido à ascensão e triunfo parcial de uma filosofia política de direitos individuais que defendia o fim da violência e opressão nas relações entre os homens.
As Ideias Vencedoras da Liberdade Andam por Aí
Não podemos imaginar, hoje, de que modo a liberdade prevalecerá sobre os actuais estados paternalistas, da mesma forma que muitas pessoas não poderiam imaginar em 1940 um mundo sem o nazismo alemão e o comunismo soviético, ou o New Deal de Roosevelt. Mas isso não significa que seja impossível.
Precisamente porque o futuro é desconhecido, podemos estar confiantes de que as tendências podem e irão mudar, tal como sucedeu no passado. Não podemos hoje conhecer completamente quais serão os argumentos que os amigos da liberdade irão imaginar e articular amanhã com sucesso para pôr termo ao controlo estatal sobre as nossas vidas. Mas esses argumentos andam por aí, a aguardar uma melhor formulação e apresentação, tal como anteriores amigos da liberdade conseguiram fazer nos casos contra a escravatura e o mercantilismo.
Em 1951, o economista austríaco Ludwig von Mises escreveu: «É certo que as tendências de evolução [social] podem mudar, e, até agora, mudaram quase sempre. Mas elas só mudaram porque encontraram uma oposição firme. A tendência prevalecente em direcção ao que Hilaire Belloc designou de estado servil não será certamente invertida se ninguém tiver a coragem de atacar os seus dogmas subjacentes.»
Desta modo, há uma coisa que podemos prever: a paciência, a persistência, a crença no poder das ideias e numa bem articulada defesa dos direitos individuais e dos mercados livres, irão proporcionar as melhores oportunidades ao nosso dispor para alcançar a sociedade livre por que tantos de nós tanto anseiam.
2 comentários:
"Precisamente porque o futuro é desconhecido, podemos estar confiantes de que as tendências podem e irão mudar, tal como sucedeu no passado. Não podemos hoje conhecer completamente quais serão os argumentos que os amigos da liberdade irão imaginar e articular amanhã com sucesso para pôr termo ao controlo estatal sobre as nossas vidas. Mas esses argumentos andam por aí, a aguardar uma melhor formulação e apresentação, tal como anteriores amigos da liberdade conseguiram fazer nos casos contra a escravatura e o mercantilismo."
Oxalá!,e que não demore muito. "É preciso Acreditar" canta Luis Goes.
Um bom Ano Novo.
António Barreto,
É um facto que o tempo e a natureza da concretização da Liberdade nos escapa à compreensão. E desse modo tem razão Luís Goes.
Um bom ano de 2015 também para si.
Saudações,
LV
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