quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Em defesa de um padrão monetário livre - parte IV

Num padrão-ouro, o ouro é o meio pelo qual todas as outras coisas são comparadas e medidas




Publica-se aqui a quarta parte da série de artigos que Ken Griffith tem vindo a publicar no jornal do Gold Standard Institute.
A tradução e a edição dos artigos é da minha responsabilidade e foi autorizada pelo próprio autor.
A terceira parte pode ser lida aqui.

"Em defesa do padrão-ouro livre” – Ken Griffith, "The Gold Standard Institute Journal #45", Setembro de 2014


Um meio padronizado para o ouro digital

Por muito agradável que seja pensar no ouro como dinheiro, a maioria das pessoas não se apercebe de que nem todo o ouro é igual entre si. Uma grama de ouro numa barra de 1 kg pode ser 40% mais barata do que uma grama de ouro numa folha ou filigrana que pese apenas 1grama. As quantidades mais pequenas vão exigir um prémio mais elevado, dado o seu mais elevado custo de produção.
Através da história, as moedas de ouro de vários países foram servindo como meio monetário num padrão-ouro internacional de natureza informal. Normalmente, os contratos eram pagos em moedas de ouro de tamanho e denominação mais pequenos. De uma forma rápida, podemos assinalar a presença deste padrão-ouro informal desde o Império Persa no século VI antes da nossa era e foi interrompido em vários períodos em que a moeda de prata se impôs como meio primário de troca.
Tomando a perspectiva histórica que inclua as moedas persas, romanas, espanholas ou inglesas, é notória a evolução para a diminuição do seu tamanho e o aumento da sua pureza (toque) ao longo dos tempos. Durante os séculos em que as moedas de ouro circulavam no comércio internacional, as notas de crédito eram pagas em moedas de ouro da época, e não em forma de barras ou em joalharia. O meio, por excelência, era a moeda de ouro. Ainda que se pudessem liquidar contratos e dívidas em barras de ouro, isso acarretava um custo adicional.
Na altura, como agora, as moedas de ouro são transaccionadas com um prémio superior às barras, ao ouro em bruto e à joalharia por causa da precisão do seu padrão, o que as torna fiáveis e seguras. Foi esse o segredo da utilização das moedas de ouro ao longo dos tempos.

O padrão-ouro foi escolhido pelo mercado
Com a excepção das medidas legislativas britânicas em 1925, o meio privilegiado para efectuar as transacções não era imposto pelos estados, mesmo quando estes eram responsáveis pela cunhagem das moedas utilizadas. A melhor e mais líquida moeda de ouro de um país acabava por circular como meio de pagamento no comércio internacional apenas porque era a escolhida pelas forças do mercado e não por força de um decreto. No comércio internacional, a boa moeda afasta a má moeda.
Dobrão espanhol
No período colonial americano havia um padrão-ouro livre, no qual ourives privados cunhavam moedas com o mesmo peso que o Dobrão Espanhol. O prémio dessas moedas tornava rentável aos ourives a compra de joalharia ou restos de metal precioso de outras fontes, proceder à sua purificação e cunhagem de acordo com o padrão-ouro efectivo.
Com a consolidação dos estatutos do Banco de Inglaterra no século XIX, assistiu-se a uma pressão para substituir as moedas de ouro por notas emitidas pelos bancos. Estas notas ainda podiam ser trocadas por ouro, mas desde o fim da Iª Grande Guerra que o Banco de Inglaterra limitou a troca de notas por barras de 400 onças troy (12,440 kg).

O efeito imediato desta medida foi retirar as moedas de ouro de circulação e a serem depositadas nos cofres dos bancos (as Soberanas podiam ser depositadas, mas não levantadas). Nos EUA, Franklin Roosevelt alcançou o mesmo efeito através de uma ordem executiva, nacionalizando todas as moedas de ouro na posse de particulares em 1933.
Estas políticas levadas a cabo pela Inglaterra e pelos EUA concentraram o ouro mundial nos cofres dos bancos centrais, estabelecendo o contexto das desvalorizações monetárias que, desde então, aconteceram.

Devemos ter uma unidade padronizada?
No final do século XX, as empresas de ouro digital tentaram recuperar o padrão-ouro através do ouro digital que era divisível até às miligramas. No entanto, essas empresas usaram barras de 400 onças troy ou de 1kg como reservas de referência, pois eram as formas mais baratas de adquirir o metal.
O sistema funcionara porque qualquer pessoa podia vender pequenas quantidades de ouro digital a troco de papel-moeda. Se este fosse substituído, precisaríamos de converter ouro digital em ouro físico. Caso contrário, estaríamos a replicar as condições que conduziram à desvalorização do padrão-ouro levada a cabo pelos governos no século XX.
O regresso de moedas de ouro, como as Soberanas britânicas, como unidade do padrão-ouro livre foi proposto por Antal Fekete. No início deste ano a Royal Mint anunciou o projecto das letras de câmbio, sob a supervisão de Fekete. Neste projecto, o público podia entregar ouro em barra à Royal Mint em troca dessas letras que seriam, passados noventa dias, pagas em Soberanas.
Soberanas
Correndo o risco de ser controverso, considero que não precisamos do estado para subsidiar a manufactura do meio monetário. Se um determinado peso, pureza e dimensão forem acordados para a cunhagem normalizada no padrão-ouro livre, então, qualquer entidade – pública ou privada – pode produzir e fazer circular moeda. Se o ouro em espécie servir o seu verdadeiro propósito – a normalização – então, devemos esperar que esse meio se transaccione com um prémio acima do ouro em barra. Ou seja, esse meio monetário é a verdadeira unidade do padrão-ouro, por isso outras formas de ouro têm um desconto face a ele. O prémio dará o incentivo necessário aos operadores no mercado para adquirirem mais ouro em barra para o converter nas moedas padronizadas. E, de facto, esses incentivos já existem. A Pamp Suisse e outros fabricantes de ouro criaram uma indústria que produz moedas ou barras em ouro de baixas denominações para investidores privados e coleccionadores. No entanto, ainda não há uma normalização tendo em vista os contratos comerciais. Por animadora que seja a possibilidade de adoptar as Soberanas britânicas, como defende Fekete, hoje temos a capacidade tecnológica de produzir denominações ainda mais pequenas e práticas. Isso é evidente nas notas de um décimo de grama de ouro desenvolvidas pela Valaurum Inc. A grande vantagem é que estas notas podem ser usadas nas caixas de Multibanco.

Nota Valaurum em ouro

Por fim, temos de retirar o ouro dos cofres dos bancos centrais e colocá-lo, novamente, nas mãos das pessoas. O ouro digital tem um papel aqui, mas precisamos também do meio físico em pequenas denominações para que tudo funcione.
Independentemente de usarmos as Soberanas, as notas da Valaurum ou outro meio qualquer, a unidade adoptada para o padrão-ouro livre tem de ser de “acesso e fonte livre”, de maneira a que qualquer operador a possa produzir, e tem de possuir um prémio próprio para manter o incentivo aos fabricantes para produzirem as unidades que o mercado necessitar.
Que comece o debate.

Sem comentários: