quarta-feira, 18 de junho de 2014

O fim desta narrativa

A responsabilidade dos bancos centrais na situação económica e financeira mundial tem vindo a ocupar um lugar cada vez mais central nos meios de comunicação convencional. Lentamente, é certo. Um detalhe, um personagem, um acto de cada vez (o próximo a revelar-se). Há tentativas levadas a cabo para compreender a dinâmica e o possível fim da narrativa vigente (esta última identificada, pelo menos, aqui e aqui).
O artigo (parcial) que a seguir se apresenta foi traduzido e editado por mim
Quando quebra esta história?”, Ben Hunt - 25 de Maio de 2014

“Acredito que os mercados, hoje, são essencialmente vazios, já que o que passa por volume e liquidez corresponde, essencialmente, a máquinas a falar umas com as outras, estabelecendo posicionamentos em carteiras de investimento ou arbitragens efémeras. Ao invés da expressão do desejo dos humanos em serem proprietários de acções de empresas reais.
Acredito que hoje o nível de preços no mercado reflectem a maior política de acomodação monetária na história humana, em vez de resultados de empresas reais.
Acredito que os riscos políticos para a estrutura do mercado de capitais, bem como para o comércio internacional não eram assim tão graves desde os anos trinta. Em conclusão e face a estes riscos, acredito que alguém está a dar-nos música de violinos.
No entanto, isto não significa que pense que as coisas vão mudar para a semana, ou para o mês que vem. (...) Mas todos sabemos que toda a gente sabe que são as políticas dos bancos centrais a determinar os resultados do mercado. Também não estou a dizer que é impossível existir uma grande mudança nas crenças e comportamentos dos agentes no mercado.
Convenientemente, a Teoria dos Jogos providencia a ferramenta certa para desmontar estes processos sociais. Para iniciarmos esta explanação, considerem uma experiência mental clássica do Jogo do Conhecimento Comum – a ilha da tribo dos olhos-verdes. Segue assim:



- na ilha da tribo dos olhos-verdes, ter olhos azuis é tabú. Se alguém tiver olhos azuis, tem de deixar a ilha de canoa na manhã seguinte; mas não há espelhos ou superfícies reflectoras na ilha, por isso, cada indivíduo não sabe de que cor são os seus próprios olhos; é igualmente tabú falar ou comunicar com alguém acerca de olhos azuis, assim, quando alguém vê alguém de olhos azuis, ninguém diz nada; como resultado, e apesar de todos saberem que há vizinhos que têm olhos azuis, ninguém abandona a ilha por causa do tabú; Mas chega um missionário à ilha e anuncia a toda a gente: “pelo menos um de vocês tem olhos azuis.

O que acontece depois?
Vejamos. Antes da chegada do missionário, a ilha é um exemplo de perfeito de informação privada. Toda a gente sabe a cor dos olhos de todos os outros, mas esse conhecimento está fechado na cabeça de cada um dos nativos e nunca se tornou pública. Todavia, o missionário não transformou a informação de privada em pública. Ele não diz, por exemplo, que o João ou o Miguel têm olhos azuis. No entanto, ele transforma a informação privada de cada um em conhecimento comum. Atenção, conhecimento comum não é o mesmo que informação pública. Conhecimento comum é, simplesmente, informação (pública ou privada) que todos crêem ser partilhada por toda a gente. Recuperando a experiência: é o conjunto dos nativos a dar-se conta de que todos ouviram o que o missionário disse, libertando a informação privada das mentes individuais e tornando-a conhecimento comum. Este é o poder da multidão a olhar a multidão e, na na minha opinião, não há outra força comportamental social tão potente como ela."

Neste texto, Hunt procura sublinhar a dimensão temporal na modificação dos comportamentos dos agentes num “jogo”. Ou seja, o tempo que levam os indivíduos a observar outros indivíduos e consciencializar-se do facto de que os outros indivíduos não mudaram o seu comportamento.
De certa forma, o que limita aquela força social de mudança, segundo o autor, é a falta de mudança comportamental nos outros indivíduos quando nós próprios acreditamos que eles deviam estar a mudá-lo. O que nos conduz, por sua vez, a tomar consciência de que eles devem estar a pensar o mesmo de nós e da nossa própria ausência de mudança comportamental. É, precisamente, esta constatação que precipita tudo e causa mudanças profundas no “sistema-jogo”. Hunt identifica esta dinâmica como estrutural e relevante, mesmo quando ela se desenrola em períodos muito longos de tempo. Esses períodos são tão longos quão complexos forem os processos de cálculo de cada um dos intervenientes desde que o conhecimento comum foi criado.
O que o autor pede que consideremos é se houve, presentemente, alguma declaração pública que possa operar mudanças perceptivas e comportamentais? Houve algum poderoso missionário que tenha posto em causa a narrativa omnipotente dos bancos centrais?
Hunt responde que não. A FED é um potente missionário no contexto da narrativa comum da omnipotência dos bancos centrais e nada fez que iniciasse algum processo de mudança. E, enquanto o conhecimento comum se mantiver intacto, o mercado não vai quebrar. Enquanto toda a gente souber que toda a gente sabe que os resultados do mercado dependem das políticas levadas a cabo pela FED, a situação no mercado manter-se-á.
Até quando?
Para já, Hunt indicia duas hipóteses. Na primeira, estamos todos a investir nos cálculos mentais até que todos os agentes no sistema mudem o seu comportamento. Algo já despoletou a necessidade de observar que todos sabem o mesmo, mas ninguém mudou – ainda – o seu comportamento.
Na segunda, a hipótese de um choque político ou mudanças políticas estruturais. E para esta última hipótese temos importantes rastilhos: problemas económicos, financeiros e territoriais que envolvem a China, por um lado, e as medidas que Draghi e o BCE querem levar adiante na Zona Euro, por outro.
O autor faz também, ao longo da totalidade do artigo, paralelos com outras forças de mudança social, como é o caso da moda. E a dinâmica é semelhante: todos sabemos algo, mas que tem existência exclusiva em nós; para logo começarmos a olhar os outros a olhar-nos quando alguém relevante - o missionário - torna comum a constatação que todos estamos fora de moda; a mudança ocorrerá quando todos, repentinamente, procedermos à actualização do nosso guarda-roupa.

E o leitor, já se deu conta que eu estou a estranhar o seu silêncio? Que estou a estranhar a sua inacção face ao que o missionário tornou comum? Teremos detectado o rastilho?

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