sexta-feira, 27 de junho de 2014

O que é que eles sabem que nós não sabemos?

São múltiplos os sinais da disfuncionalidade dos mercados financeiros resultantes das prolongadas políticas de supressão das taxas de juro (ZIRP/NIRP), de uma inflação monetária sem precedentes e do regresso em força da promoção do crédito subprime (com particular afinco no crédito imobiliário nos EUA mas também, por exemplo, na Holanda). A actividade económica real continua num torpor pastoso apesar dos sucessivos anúncios de recuperação e das "acções sem precedentes", também conhecidas por "medidas não convencionais", tomadas pela generalidade dos bancos centrais. Entretanto, os níveis bolsistas continuam a quebrar recordes atrás de recordes sem que se vislumbrem sinais de escoramento na economia real (na realidade, mais não são que fenomenais transferências de riqueza da Main Street para Wall Street, ou seja, dos 99.99% para os 0,01%). A Fed finge que o seu próprio "sucesso" lhe permite agora abrandar os "estímulos" passando o testemunho ao BCE (que se prepara para avançar com o seu próprio QE enquanto se passam umas coisas estranhas na Bélgica). É por tudo isto que ouvir da boca de um alto responsável de um banco central, de um dos sistemas financeiros mais sólidos do mundo, dizer que atravessamos uma "inquieta calmaria" em "águas desconhecidas" e que os seus bancos devem reforçar os seus capitais e liquidez não pode deixar de ser notícia. Assim, enquanto por cá assistimos ao desenrolar da mais recente e não surpreendente história de mais um dos "bancos do regime", creio valer a pena a leitura da crónica de Simon Black que se segue e que me propus traduzir.
Myanmar, 25 de Junho de 2014
Por Simon Black

Um alerta para a "inquieta calmaria" nos mercados financeiros, vindo de Singapura


Bem, há pelo menos alguém que percebe o que está a acontecer.

Quando a quase totalidade dos bancos centrais do planeta está a sinalizar ao mundo que tudo vai bem no plano económico, o vice-presidente da Autoridade Monetária de Singapura (Lim Hng Kiang) disse ontem [24-06-2014] durante um jantar que "uma inquieta calmaria parece ter-se instalado nos mercados" e que "permanecemos em águas desconhecidas".

Foi realmente incrível ouvir uma linguagem tão incisiva por parte de um funcionário de um banco central.

O Sr. Lim apontou para os riscos "óbvios" e disse que iríamos enfrentar adiante "solavancos na estrada". Mas isso é um eufemismo.
Warren Buffet disse uma vez que "só quando a maré baixa é que se descobre quem é que andava a tomar banho nu". (Na minha cabeça parece-me que ele diz "nekked"[1], mas tenho sérias dúvidas que ele pronuncie a palavra assim...)

É exactamente isto que acontece nas crises financeiras graves. Descobrem-se quais os bancos que têm jogado pelo seguro... e quais os que, tendo-se comportado de uma forma dormentemente estúpida, só um milagre permite que ainda subsistam.

Há várias formas de avaliar a solidez de um banco. Uma delas passa por determinar o risco de liquidez; a minha métrica preferida é o rácio, em percentagem, do dinheiro disponível que um banco tem relativamente aos depósitos de clientes.

Note-se que isto não significa dinheiro físico, como maços de papel-moeda empilhados num cofre. Há muito que isso acabou. Estou a falar de dinheiro electrónico - tipicamente depósitos nos bancos centrais.

Quanto mais liquidez um banco dispuser, mais seguro ele estará. Porque numa crise financeira, as pessoas tendem a entrar em pânico (daí a crise) e querem levantar o seu dinheiro.

Os bancos sangram dinheiro. E se eles não tiverem liquidez suficiente disponível, a hemorragia torna-se num pneumotórax.

É nesta altura que eles são apanhados em flagrante, a nadar em pelo, e que necessitam obter liquidez em algum lugar, onde quer que seja.

De modo que começam a vender activos - empréstimos, valores mobiliários e mesmo acções do próprio banco.

Mas esta não é uma liquidação ordenada num mercado funcional. É uma venda em situação de angústia provocada por uma crise em larga escala. Os preços dos activos entram em colapso, o medo instala-se, e é difícil encontrar um comprador.

Nunca se obtém um preço normal numa situação de crise (a menos que se seja o Goldman Sachs e se possa chamar pela sua BFF [Best Friends Forever - Melhores Amigos Para Todo o Sempre - N.T.] a secretaria do Tesouro. Assim, no processo de angariação de liquidez, os bancos acabam por ter de incorrer em elevadas perdas nos seus balanços.

Agora, os bancos que têm balanços saudáveis serão capazes de resistir a essas perdas.

Mas os bancos com rácios de capital (ou seja, o capital próprio do banco em percentagem do total de activos) finos como lâminas, não irão aguentar. Ou irão ter com o contribuinte, de chapéu na mão, alegando serem grandes demais para falir.

Isto é precisamente o que aconteceu com o sistema financeiro dos EUA em 2009. O Lehman Brothers. O Wachovia. O Washington Mutual, etc. Todos estavam a nadar em pelo, com muito pouca liquidez e níveis minúsculos de capital.

As autoridades monetárias de Singapura estão obviamente preocupadas com os mercados financeiros. Elas entendem que não se pode esperar conseguir conjurar milhões de milhões de dólares vindos do nada sem criar bolhas épicas e ainda mais épicas consequências.

É certo que é possível conter a emergência dessas consequências por alguns meses... até mesmo durante alguns anos. Mas, num dado momento, haverá que lidar com essas bolhas.

E a maior preocupação talvez seja o facto de tão poucas pessoas parecerem preocupar-se com isto.

Os bancos centrais e os investidores institucionais fazem ouvidos de mercador a riscos óbvios e aos fundamentos que gritam em desespero na esperança que algum guardião se dê conta que estamos a fazer sapateado no fio da navalha, onde praticamente todo e cada um dos mercados financeiros está simultaneamente em (ou perto) de máximos de sempre, e os banqueiros centrais continuam a bombear dinheiro em economias que eles dizem estar "recuperadas".

Esta é a "calma inquieta" que o Sr. Lim discutia - uma atitude predominante de que não há nada para ver aqui; de manter a calma e de comprar aos máximos de todos os tempos.

E ele está a dizer aos bancos que se preparem para algo que venha a ocorrer.

Curiosamente, os bancos de Singapura já estão melhor capitalizados e com maior liquidez do que a maioria dos sistemas bancários ocidentais. Em 2008, Singapura demonstrou muita resiliência enquanto centro financeiro, evitando a maioria dos problemas com zero falências de bancos.

Mas para um país que passou do terceiro para o primeiro mundo em apenas algumas décadas, a complacência não é uma norma cultural.

De acordo com o Sr. Lim, a experiência de Singapura com a crise de 2008 "mostra como a acumulação de riscos pode desestabilizar severamente até mesmo os mercados financeiros mais desenvolvidos e sofisticados".

Daí que ele pretenda que aumentem ainda mais o seu capital e liquidez.

Se um alto funcionário, que preside a uma das jurisdições bancárias mais seguras do mundo, quer que os seus bancos se tornem ainda mais seguros, uma pessoa racional certamente que perguntará: "O que é que estes fulanos sabem sobre o sistema financeiro, que eu não sei?"

Estarão provavelmente à espera do rebentar da mãe de todas as bolhas.
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[1] - Brincadeira com as palavras "naked" (nu/nua) e "nekked" (aquele ou aquela que estão nus e prestes a iniciar acção sexual).

1 comentário:

floribundus disse...

é muito preocupante o que tem vindo a relatar

estamos na 'terra de ninguém'
'agitados antes de usados'