Como aqui se dá conta, a declaração que se segue (minha tradução), alegadamente proferida por Winston Churchill em entrevista dada em Londres em 1936 a William Griffin, editor do The New York Enquirer, viria posteriormente a ser desmentida pelo próprio Churchill. Tal facto levou Griffin a intentar-lhe uma acção cível que todavia não chegaria a ser apreciada em tribunal (estava-se então em 1942, e Churchill era primeiro-ministro da Grã-Bretanha em plena II Guerra Mundial).
«A América deveria ter-se preocupado com os seus próprios assuntos e ficado de fora da Guerra Mundial. Se vós não tivésseis entrado na guerra, os Aliados teriam feito a paz com a Alemanha na Primavera de 1917. Tivéssemos feito a paz, não teria havido o colapso na Rússia seguido do comunismo, a desagregação na Itália seguida do fascismo, e a Alemanha não teria assinado o Tratado de Versalhes, que entronizou o nazismo na Alemanha. Se a América tivesse ficado fora da guerra, todos esses "ismos" não estariam hoje a varrer o continente europeu e a destruir o regime parlamentar - e se a Inglaterra tivesse feito a paz nos inícios de 1917, teria salvo as vidas de mais de um milhão de britânicos, franceses, americanos e outros.»
Winston Churchill (Agosto de 1936)
Tenha ou não Churchill proferido esta declaração (cujos pontos de vista eram à época partilhados por outras personalidades como o líder trabalhista Ramsay MacDonald ou o historiador Harry Elmer Barnes), é preciso recuar a 1898 para localizar o ponto de viragem em favor de um assumido intervencionismo externo dos EUA - sempre crescente até hoje - assim abandonando as mais veementes advertências dos Pais Fundadores quanto às consequências que adviriam para a América caso esta alguma vez enveredasse pelo aventureirismo externo.
Com a macabra oportunidade que o reemergir de mais um surto de violência no dilacerado Iraque vem proporcionar, venho sugerir ao leitor uma incursão pela pouco referida guerra Hispano-Americana (que se estendeu a Cuba e Porto Rico, Filipinas e Guam). Para guionista proponho aquele que é um dos meus historiadores preferidos dos séculos XIX e XX, Ralph Raico, que irá invocar o injustamente esquecido William Graham Sumner. A tradução do texto (de uma alocução proferida de Raico na FEE em 1995, também disponível em áudio) é da minha responsabilidade bem como das imagens escolhidas.
Por Ralph Raico (1995)
O ano de 1898 constituiu um marco na história americana. Foi o ano em que a América entrou em guerra com a Espanha - o nosso primeiro envolvimento com um inimigo estrangeiro no amanhecer da era da guerra moderna. À parte uns escassos períodos de contenção, nunca mais deixámos de nos enlear nos conflitos externos.
Ralph Raico
Algures na década de 1880, um grupo de cubanos iniciou a luta pela independência da Espanha. Tal como sucedeu antes e depois com muitos revolucionários, tinham pouco apoio real entre a massa da população. Recorreram assim a tácticas terroristas: devastando zonas rurais, dinamitando ferrovias, e matando aqueles que lhes surgiram pela frente. As autoridades espanholas responderam com duras contramedidas.
Alguns investidores americanos em Cuba ficaram inquietos, mas as verdadeiras forças que empurravam a América para a intervenção não eram um punhado de fazendeiros da cana-de-açúcar. Os slogans que os rebeldes usavam - "liberdade" e "independência" - ecoavam a muitos americanos, que não conheciam nada das reais circunstâncias de Cuba. Quem também desempenhou um papel foi a "lenda negra" - o estereótipo dos espanhóis como déspotas sanguinários que os americanos haviam herdado dos seus antepassados ingleses. Foi fácil fazer com que os americanos acreditassem nas histórias vendidas pelos insurgentes, especialmente quando a imprensa "amarela" descobriu que estimular a histeria quanto às, em larga medida inventadas, "atrocidades" espanholas - enquanto mantinha silêncio sobre aquelas outras cometidas pelos rebeldes - fazia vender jornais.
Os políticos em busca de publicidade e do favor popular viram uma mina de ouro na questão cubana. Em breve, o governo americano enviava notas diplomáticas a Espanha, a exprimir a sua "preocupação" sobre os "acontecimentos" em Cuba. Com efeito, os "acontecimentos" não eram mais que as tácticas que as potências coloniais tipicamente utilizavam numa guerra de guerrilha. Tão mau ou pior faziam a Grã-Bretanha, França, Alemanha e outros países pelo mundo fora naquela época de imperialismo. A Espanha, ciente da imensa superioridade das forças americanas, respondeu à interferência de Washington com tentativas de apaziguamento, enquanto tentava preservar os restos da sua dignidade de velha potência imperial.
Quando William McKinley se tornou presidente em 1897, já planeava expandir o papel da América no mundo. Os problemas de Espanha em Cuba proporcionaram a oportunidade perfeita. Publicamente, McKinley declarou: "Não pretendemos guerras de conquista; temos de evitar a tentação da agressão territorial". Mas no interior do governo dos EUA, o influente grupo que procurava a guerra e a expansão sabia que tinha encontrado o seu homem. O senador Henry Cabot Lodge escreveu a Theodore Roosevelt, agora no Ministério da Marinha, "A menos que eu esteja profundamente equivocado, a Administração está agora comprometida com a grande política que ambos desejamos". Esta "grande política", igualmente apoiada pelo secretário de Estado John Hay e outras figuras-chave, visava romper de forma decisiva com a nossa tradição de não-intervenção e de neutralidade nos assuntos externos. Os Estados Unidos iriam finalmente assumir as suas "responsabilidades globais", e juntar-se às outras grandes potências na disputa por territórios em todo o mundo.
Os líderes do partido da guerra camuflaram os seus planos invocando a necessidade de obter mercados para a indústria americana, e foram até capazes de convencer alguns líderes empresariais a papaguearem tal posição. Mas na realidade ninguém desta clique de patrícios altivos - "dinheiro velho", na sua maioria - tinha um forte interesse nos negócios, ou mesmo muito respeito por eles, excepto enquanto fonte da força nacional. Tal como as cliques semelhantes na Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia e em outros países à época, o seu objectivo era o reforço do poder e glória do seu Estado.
Com o objectivo de aumentar a pressão sobre a Espanha, o navio de guerra USS Maine foi enviado para o porto de Havana. Na noite de 15 de Fevereiro, o Maine explodiu, provocando a morte de 252 homens. A suspeita recaiu imediatamente sobre os espanhóis - apesar de eles serem os que menos tinham a ganhar com a destruição do Maine. Era bem mais provável que as caldeiras tivessem explodido - ou até que os rebeldes tivessem aposto minas no navio, para envolver a América numa guerra que os rebeldes não conseguiriam vencer por si próprios. A imprensa gritava por vingança contra a pérfida Espanha, e os políticos intervencionistas acreditaram que a sua hora havia chegado.
McKinley, ansioso por preservar a sua imagem de estadista cauteloso, esperou pela sua hora. Pressionou a Espanha para que cessasse a luta contra os rebeldes e iniciasse negociações com eles para a independência de Cuba, amplamente insinuando que a alternativa seria a guerra. Os espanhóis, que se mostravam renitentes a simplesmente entregarem a ilha a uma junta terrorista, estavam dispostos a conceder a autonomia. Finalmente, desesperados por evitar a guerra com a América, Madrid proclamou um armistício - uma concessão impressionante para um estado soberano fazer sob pressão de outro. Mas isto não foi suficiente para McKinley, que pretendia lançar a mão a algumas das restantes possessões da Espanha. A 11 de Abril, transmitiu a sua mensagem de guerra ao Congresso, cuidadosamente omitindo a menção ao armistício. Uma semana depois, o Congresso aprovou a declaração de guerra que McKinley pretendia.
O USS Maine após a explosão que o destruíu
No Extremo Oriente, foi dada luz verde ao Comodoro George Dewey para executar um plano pré-definido: avançar para as Filipinas e assegurar o controlo do porto de Manila. E foi isso que ele fez, levando consigo Emilio Aguinaldo e os seus combatentes pela independência filipina. Nas Caraíbas, as forças americanas rapidamente subjugaram os espanhóis em Cuba, e, depois de Espanha ter pedido a paz, assumiram também o controlo sobre Porto Rico. Em três meses, os combates tinham terminado. Tinha sido, nos famosos termos do secretário de Estado John Hay, "uma guerrinha esplêndida".
A rápida e avassaladora vitória dos EUA sobre a decrépita Espanha encheu o povo americano de euforia. Foi uma vitória, assim acreditava o povo, dos ideais americanos e do modo de vida americano contra uma tirania do Velho Mundo. Os nossos braços triunfantes garantiriam a Cuba um futuro livre e democrático.
Contra esta onda de euforia pública, houve um homem que se manifestou: William Graham Sumner, professor em Yale, cientista social famoso, e um combatente incansável pela iniciativa privada, pelo comércio livre e pelo padrão-ouro. Agora, estava prestes a iniciar a sua luta mais difícil de sempre.
William G. Sumner
A 16 de Janeiro de 1899, Sumner dirigiu-se a uma multidão de pessoas do capítulo de Yale da Phi Beta Kappa [uma famosa fraternidade com "capitulos" espalhados pelos EUA – N.T.]. Ele sabia que tanto os Yalies [alumni de Yale – N.T.] como o resto da plateia estavam cheios de orgulho patriótico. Com uma ironia estudada, Sumner chamou à sua palestra "A Conquista dos Estados Unidos pela Espanha".
Sumner lançou o desafio:
Vencemos a Espanha num conflito militar, mas sujeitamo-nos a ser conquistados por ela no plano das ideias e das políticas. O expansionismo e o imperialismo não são mais que as velhas filosofias da prosperidade nacional que trouxeram a Espanha à situação em que se encontra agora.Sumner prosseguiu, esboçando a visão original da América acarinhada pelos Pais Fundadores, radicalmente diferente da realidade prevalecente entre as nações da Europa:
Não teriam nem corte nem pompa; nem ordens, faixas, condecorações ou títulos. Não teriam dívida pública. Não haveria grande diplomacia, pois tencionavam preocupar-se apenas com o que lhes dizia respeito, e não se envolveriam em nenhuma das intrigas a que os estadistas europeus estavam acostumados. Não haveria nenhum equilíbrio de poder nem "razão de Estado" que viesse a custar a vida e a felicidade aos cidadãos.Esta tinha sido a ideia americana, a nossa marca distintiva enquanto nação: "É em virtude desta concepção de comunidade que os Estados Unidos têm representado algo de único e de grandioso na história da humanidade, e que o seu povo tem sido feliz".
O sistema que os Fundadores nos legaram, mantinha Sumner, era bem delicado, ao prever a divisão e equilíbrio de poderes e a manutenção de um governo pequeno e local. Não foi por acaso que Washington, Jefferson e os demais que criaram a república, emitiram advertências claras contra os "envolvimentos em conflitos externos". Uma política de aventureirismo externo implicaria, pela própria natureza das coisas, dobrar e torcer e acabar por destruir o nosso sistema original.
À medida que os assuntos externos ganhassem maior importância, o poder deslocar-se-ia das comunidades e dos estados para o governo federal, e, no processo, do Congresso para o presidente. Uma política externa cada vez mais agitada só poderia ser conduzida pelo presidente, muitas vezes sem o conhecimento do povo. Assim, o sistema americano, baseado na governação local, nos direitos dos estados, e no Congresso como a voz do povo ao nível nacional, iria cada vez mais dar lugar a uma burocracia gigantesca encabeçada por uma presidência imperial.
Mas agora, com a guerra contra a Espanha e a filosofia que lhe subjazia, estávamos a enredar-nos na velha abordagem europeia, declarou Sumner - "guerra, dívida, impostos, diplomacia, um grandioso sistema governamental, pompa, glória, um grande exército e marinha, despesas extravagantes, intriga política - em suma, no imperialismo".
Já então, ao que parece, os promotores do intrometimento global tinham surgido com o que viria a ser a sua palavra de arremesso favorita: "isolacionismo". E Sumner já detinha a réplica adequada. Os imperialistas "advertem-nos contra os terrores do “isolamento”", disse ele, mas "todos os nossos antepassados vieram para aqui para se isolarem" das cangas do Velho Mundo. "Enquanto todos os outros se debatem sob dívidas e impostos, quem não se isolaria para desfrutar dos seus próprios rendimentos, em benefício da sua própria família?"
Ao abandonar o nosso próprio sistema, haveria, Sumner admitiu-o livremente, compensações. A glória imortal não é nada, como os espanhóis bem sabiam. Ser uma parte, mesmo que um peão, de uma poderosa empresa de exércitos e marinhas, para se identificar com um grande poder imperial projectado pelo mundo fora, para ver a bandeira içada sobre campos de batalha vitoriosos - muitos povos ao longo da história pensaram ser um jogo que valia a pena jogar.
Só que... só que essa não era a maneira americana. Aquela tinha sido uma via mais modesta, prosaica, paroquial, e, sim, própria de classe média. Baseava-se na ideia de que estávamos aqui para viver as nossas vidas, para não nos metermos na vida dos outros, para desfrutar da nossa liberdade, e perseguir a felicidade pela via do nosso trabalho, famílias, igrejas e comunidades. Esta tinha sido a "pequena política".
Há uma lógica nas questões humanas, advertiu Sumner, o cientista social - uma vez tomada uma determinada decisão, alguns caminhos que anteriormente estavam abertos fecham-se, e é-se levado, passo-a-passo, numa determinada direcção. A América estava a escolher o caminho do poder mundial, e Sumner tinha poucas esperanças de que as suas palavras o pudessem alterar. Por que razão falava, então? Simplesmente porque "esta república arquitectada pelos nossos pais foi um sonho glorioso que exige mais do que uma palavra de respeito e carinho antes que desapareça".
1 comentário:
os PRs gringos têm sido um desastre.
a Europa teria sido bem melhor sem a sua interferência
iniciada em 1898
em Cuba ficaram com Guantanamo
nas Filipinas mudaram a língua
na Europa fizeram burricadas
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