quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Em defesa do euro (na ausência do padrão-ouro)

No artigo que hoje proponho aos leitores, Gary North expõe o seu ponto de vista sobre a zona euro num mundo dominado pela moeda fiat. Num raciocínio próximo do de Jesús Huerta de Soto, na ausência do padrão-ouro internacional integral (isto é, o padrão moeda-ouro), é o euro, ou seja, o BCE, que constitui a única barreira, ainda que débil, ao desregramento orçamental dos estados membros. Nessa medida - e só nessa medida - o arranjo monetário da zona euro (um proxy do padrão-ouro como também lhe chamou JHS) é algo de bom e correcto, diz-nos North. Os que há 15 anos assinalam a "inconsistência" entre um planeamento central monetário supra-nacional e a diversidade fiscal dos diferentes estados da zona euro, e continuam clamando pela necessidade de aliar à união monetária (o euro) uma união fiscal (um orçamento supra-nacional), são os estrénuos defensores do centralismo e, por conseguinte, ferozes opositores à ideia da descentralização. Quem são estas pessoas? Os keynesianos, claro está. A doença é essa. Não há nenhuma inconsistência entre haver num dado espaço político-geográfico uma moeda única e diferentes políticas fiscais como frequentemente por aí se ouve (olhe-se para os Estados Unidos por exemplo). A tradução, como habitualmente, é da minha responsabilidade.
Gary North
11 de Outubro de 2014

O que está CORRECTO no Euro
(What's RIGHT With the Euro)

Eu penso como um economista. O economista pensa sempre em termos de alternativas. A mentalidade do economista foi expressa com clareza pelo falecido comediante, Henny Youngman. "Como está a sua mulher?" "Comparada com o quê?"

Gary North
Uma das acusações mais comuns contra o euro é a seguinte: "A zona euro é composta por uma moeda centralizada, mas por políticas fiscais nacionais descentralizadas." Eu nunca vi nenhum dos críticos que invocam este argumento propor a abolição do euro e do Banco Central Europeu. Este argumento é sempre invocado para defender a ideia de união fiscal. Por outras palavras, não há nenhum esforço para descentralizar as moedas na zona euro. Mas há uma forte pressão, ainda que até agora ineficaz, para unificar as políticas fiscais da eurozona.

Pense o leitor nas implicações disto. Consegue ver o que há de errado neste argumento?



UM ARGUMENTO KEYNESIANO

Este argumento é inerentemente keynesiano. Baseia-se na ideia falaciosa de que os défices públicos nacionais vencem as recessões. Uma ideia conexa é a de que os défices públicos promovem o crescimento económico. Mas todos os bons keynesianos sabem que os défices públicos exigem inflação monetária para os sustentar, porque sem inflação monetária as taxas de juros subirão em resposta ao aumento dos défices. Assim, argumenta o keynesiano, porque é necessário que os diferentes países tenham diferentes graus de défice, dependendo do ciclo económico em cada um deles, a imposição de uma moeda única sobre os múltiplos ciclos económicos nacionais não pode ser sustentada.

Tudo isto faz parte da visão de mundo que começou por alturas da conferência de Versalhes após a Primeira Guerra Mundial, em 1919. Assistimos a uma tentativa sustentada para criar um único estado europeu. Este estado único europeu é suposto ter uma moeda única, um banco central único e uma política fiscal única.

Regressemos a 1914. Desde o fim das guerras napoleónicas em 1815 até à eclosão da I Guerra Mundial em meados de 1914, o mundo ocidental gozou dos benefícios de um padrão moeda-ouro internacional. Não havia nenhuma política monetária centralizada. Havia uma moeda única que era usada no comércio internacional, e, na maioria dos países envolvidos, havia um padrão moeda-ouro nacional. Os cidadãos podiam ir a um banco e exigir a entrega de moedas de ouro em troca de uma moeda nacional. Isso funcionou como um travão à expansão das moedas nacionais.

O que tivemos durante este período foi uma moeda unificada e múltiplas políticas fiscais. O facto político central desta moeda unificada foi este: as políticas governamentais, entre múltiplas fronteiras internacionais, não dirigiam a política monetária. Havia múltiplos bancos centrais, e, no caso dos Estados Unidos, não houve banco central até 1914. Havia múltiplos governos nacionais, e cada governo tinha a sua própria política fiscal. E todavia, este foi o período da história económica mundial que experimentou o maior crescimento económico per capita de sempre. Havia uma moeda única e múltiplas políticas fiscais.

Nos Estados Unidos de hoje, há uma moeda única. Há um único banco central. Existem múltiplas políticas fiscais. Há 50 políticas fiscais distintas no plano estadual, e há milhares de políticas fiscais ao nível dos condados, das grandes e das pequenas cidades. Nenhum economista clama pela existência de 50 bancos centrais para fornecer moedas distintas aos 50 estados. Na realidade, a Constituição dos Estados Unidos proíbe-o. Mas era o que existia antes de 1788.

Assim, a zona euro, com os seus múltiplos governos nacionais e múltiplas políticas fiscais, há 15 anos que funciona com uma moeda única e um banco central. Todos os clamores que ouvimos que dizem que a situação da Europa é complicada - porque há múltiplas políticas fiscais e um único banco central -, estão a exigir uma maior centralização da política na Europa. Isto é, muito simplesmente, a versão mais recente do programa de consolidação política europeia que Jean Monnet começou a pregar em 1919.

O problema da Europa Ocidental não está nas múltiplas políticas fiscais dos governos nacionais. O problema é o keynesianismo. O keynesianismo quer uma política fiscal única para uma única ordem política integrada. Quer que o governo central incorra em défices constantemente, e quer um único banco central para fornecer dinheiro fiat suficiente para comprar IOU [títulos de reconhecimento de dívida – N.T.] emitidos por uma única união política internacional. O keynesianismo quer a consolidação política. O keynesianismo tem sempre sido a teoria económica da centralização política.

O padrão-ouro internacional não estava amarrado ao nacionalismo ou à consolidação política. Era independente de ambos. Essa era a sua grande vantagem.

Em teoria, o Banco Central Europeu é autónomo. Tal como foi o padrão-ouro internacional, e não apenas em teoria; também o era na realidade. A autonomia perante os governos foi uma das maiores de todas as vantagens do padrão-ouro internacional. Essa é também uma vantagem do euro. É precisamente o facto de que os desequilíbrios fiscais da Europa estarem condicionados pelo Banco Central Europeu que constitui o maior benefício do euro. É isto que está correcto no euro.

O que está errado no euro é simples de enunciar: é controlado por burocratas que não têm nada a perder. No padrão-ouro internacional, a posse de ouro físico ou de títulos legais que permitiam o acesso ao mesmo (“certificados”) constituía o cerne do sistema. A posse era fundamental para o sistema. Os indivíduos detinham sempre ouro ou “certificados”. Em contraste, não há propriedade individual na banca central. Há apenas o controlo temporário por alianças de burocratas assalariados inamovíveis, a maioria dos quais keynesianos. Eles têm poder sobre o dinheiro, mas do qual não possuem muito.

Com a excepção dos políticos na Alemanha, os políticos europeus não se retraem em incorrer em défices maciços. A restrição que enfrentam é o Banco Central Europeu. Eles não podem exigir que o Banco Central Europeu crie dinheiro a partir do nada para comprar IOU emitidos pelos diferentes governos. É apenas isto  que os condiciona. O padrão-ouro internacional desempenhou muito melhor esta função, mas é melhor ter um banco central único do que ter um monopólio bancário estabelecido em cada jurisdição política.

O keynesiano argumentaria, e de facto assim faz, que o problema com o padrão-ouro internacional foi que ele impôs restrições aos desequilíbrios fiscais dos governos nacionais. Este é o mesmo argumento que usam contra o sistema existente na zona euro. Eles pretendem sempre centralizar o controlo político. Eles querem um banco central soberano, e querem um único governo central soberano. Desta forma, o governo central soberano único pode exercer pressão sobre um menos soberano banco central, para que possa vender os IOU do banco público a taxas de juro abaixo das do mercado. O keynesiano quer planeamento central tanto na banca central como na política. John Maynard Keynes odiava o padrão-ouro internacional precisamente porque este colocava limites à autonomia fiscal de qualquer governo central. Os keynesianos não querem autonomia monetária. Isso era o que o padrão-ouro internacional impunha. Os keynesianos querem ter keynesianos a gerir o banco central, e querem ter keynesianos como responsáveis pela política fiscal do governo centralizado.

CONCLUSÃO

O que está correcto no euro é algo de simples: ele proporciona uma certa contenção nos défices incorridos pelos governos nacionais europeus. Mas não oferece o grau de limitação que o padrão moeda-ouro internacional proporcionava.

Em vez de uma política fiscal consolidada imposta por um punhado de políticos na Europa, o que a Europa precisa é de descentralização política, mesmo de fragmentação, e a abolição de todos os bancos centrais. A Europa necessita do padrão moeda de ouro internacional para conter todos os governos, e precisa de múltiplos governos para manter o governo central condicionado. O que os europeus precisam é de descentralização, não de centralização.

Isto nunca é admitido pelos críticos do sistema vigente, porque o que eles querem é que a centralização política corresponda à centralização do Banco Central Europeu. Eles querem ainda mais de algo que é mau, e não menos.

1 comentário:

floribundus disse...

por mais de umas razão nunca serei keynesiano

a principal é a unificação política, ou seja instalação do totalitarismo

costa, o politiqeiro mais bem preparado de sempre, propõe hoje a reestruturação da dívida, mas não das cheias

querem fazer obras públicas e pagar subsídios aos artistas
fabricando papel na casa da Moerda, como dizia Millor