quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Regra de Ouro

Alan Greenspan, "A Regra de Ouro - a razão pela qual a China está a comprar" - Foreign Affairs - 29 de Setembro de 2014

"A questão de fundo - o regresso a um qualquer padrão-ouro - não está no horizonte de ninguém. Essa ideia tem poucos apoiantes num mundo em que, virtualmente, todos aceitam papel-moeda e taxas de câmbio livres. No entanto, o ouro tem propriedades especiais que nenhuma moeda, com a excepção da prata, pode reivindicar. Durante mais de dois mil anos, o ouro gozava do estatuto de meio de pagamento inquestionável e não exigia garantias de crédito a terceiros. Não se levantavam questões quando, o ouro ou títulos directos sobre ouro, eram oferecidos em pagamento de uma obrigação.

Nos dias de hoje a aceitação de papel-moeda - moeda sem ligação a qualquer activo com valor intrínseco -, fundamenta-se na garantia de crédito das nações soberanas com poder efectivo de taxar. Mas essa garantia não consegue igualar o estatuto, que o ouro possui, de ter aceitação universal."
Surpreendente este artigo. Seja pelo momento em que é publicado, mas também por ser escrito por Alan Greenspan. Assistimos, neste momento, a uma correcção mais acentuada do que muitos previam nos metais preciosos, em especial depois de ocorrerem mudanças relevantes na estrutura e organização do próprio mercado.

Desde as reformulações operadas nos modos de descoberta (diria combinação) de preços durante este Verão aqui pelo Ocidente, as descidas são acentuadas (-15% no caso da prata e quase -2% no ouro). Isto apesar do registo das insofismáveis subidas na procura de ambos os metais no mercado a Oriente - China, Índia e Dubai em termos de procura privada; Tailândia, Vietname, Rússia e Azerbeijão em termos de procura soberana. Em quantidades que, seguramente, esgotarão a produção anual mundial.

Igualmente surpreendente é ser um ex-governador da Reserva Federal americana a assumir esta dicotomia entre as garantias dadas pelo ouro face às aparentes garantias associadas ao sistema de moeda e crédito isentos de fundamentação em activos de valor intrínseco e estatuto inquestionável. Esta oposição sendo formulada de modo tão directo neste momento não pode deixar de ter relevância. Será esta a palavra do Missionário?

O artigo, cuja leitura integral vivamente se recomenda, teve em mim impacto peculiar. Também porque há pouco pude ver as respostas de responsáveis europeus (Almunia, Wolfgang Schäuble e Asmussen, entre outros) a perguntas (vagamente) incómodas de um jornalista alemão (programa - Observatório do Mundo).
É impossível não sentir profundo desconforto em detectar nos silêncios, hesitações e sorrisos forçados destes (ir)responsáveis o medo de dizer a verdade. As declarações de Schäuble são, na substância, aterradoras. As consequências que não podem deixar de decorrer das suas palavras (mas que ninguém assume e enfrenta) mostram o quanto estamos reféns de um Mal. Crescente e medonho.

A dicotomia, efectivamente, não podia ser mais clara.

5 comentários:

Unknown disse...

Se os BRICS agora com a Russia motivada e a China e Brasil a "sentir" as mordidelas dos anglosaxoes se empenharem no banco de investimento proprio as coisas podem começar mesmo a mudar desta vez.

SAC disse...

Caro LV,
Este é sem sombra de dúvida um artigo, que vindo de quem vem, nos pode, para não dizer deve, por em profunda e séria reflexão. Todavia, esbarro sempre na mesma indefinição, ou seja, permitirão algum dia os diversos reguladores monetários que os metais se assumam como uma referência? É inegável que os países que menciona estão numa procura desenfreada sobretudo do ouro, mas conseguirão atingir os seus propósitos? Por vezes, sou tentado a investir no metal as pouquíssimas poupanças que o "monstro" - atualmente laranja e pasme-se LIBERAL!!! - faz o favor de me conceder, ao não mas retirar, mas também aqui não sei se estarei a salvo da mão, cada vez menos invisível, de um Estado cada vez mais paternalista.
Um dia destes decido-me, assim chinese e indianos o permitam...
Saudações

LV disse...

Caro António Cristóvão,

Tem vindo a ganhar peso em mim uma dúvida acerca dos BRICS: haverá a possibilidade de, também eles, quererem manter o jogo por mais tempo?
Ou seja, será que estão apenas a "forçar a mão" aos americanos, apenas para terem um lugar melhor à mesa da "divisão das fichas"?
Será que estes ímpetos (comerciais, financeiros) poderão reforçar, por exemplo, entendimentos com vista à criação de um governo mundial? Ou uma unificação maior de inúmeras dimensões sociais e políticas?
Por muito que quisesse, não posso afastar facilmente essa dúvida. Que vou testando como posso face ao que me dou conta que vai acontecendo.
Para isso, também conto com o contributo dos leitores.

Caro SAC,

O artigo de AGreenspan é muito, muito intrigante. E os caminhos de interpretação possível são múltiplos e complexos. A forma como, num artigo com este título - "Golden Rule" -, ele aborda a luta pela hegemonia monetária e estratégica é surpreendente. Ocorre-me que possa ser um aviso aos chineses, justamente. Não para os ameaçar, mas para estabelecer as novas configurações desta luta entre poderes.
Não estou seguro, no entanto, que os chineses avancem sozinhos para a adopção de dinheiro sério e sólido (apoiado no ouro). Isso teria impactos relevantes nas paridades monetárias mundialmente e afectaria a economia chinesa num momento muito particular e sensível.
Podem estar a preparar-se para uma substituição "ordeira" (como diria Bernanke) do dólar como moeda de referência - hipótese a que me refiro acima, nas palavras que enderecei a António Cristóvão.
Todavia, a corrida para o abismo continua aqui pelo Ocidente. As experiências monetárias e políticas, julgo, estão a intensificar-se. E até para esse cenário, a conduta dos chineses (ou restantes países referidos no artigo) parece denotar preocupação de que o pior pode mesmo acontecer.
Atendendo aos riscos que todas as possibilidades comportam, à dissonância cognitiva que revelam os (ir)responsáveis, estou muito mais descansado tendo um seguro que "não depende de terceiros e tem aceitação universal". Mas é um seguro, não é necessariamente um investimento.
A decisão ficará mais fácil de tomar quanto maior for a janela de tempo que considerar.

Saudações a ambos,
LV

Anónimo disse...

Comprem ouro e prata se puderem, não se preocupem com as variações de valor, nem com os ladrões caseiros, o risco é menor do que ter dinheiro em bancos e papelada...escondam-no e não o vendam a não se que seja mesmo preciso. Esse será o vosso fundo de segurança ou pensões. Outra vantagem, é que ao comprarem-no é menos ouro que vai parar ás mãos dos inimigos :)

Mas despachem-se pois podem puxar o tapete brevemente.

Anónimo disse...

Leiam ou consultem Zero Hedge ou Armstrong economics...