sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O reverso da ficção

Vai-se instalando a ideia de que a crise de 2008 modificou a paisagem financeira e económica internacional. É um facto que, nessa data, o sistema financeiro foi impedido de cair no abismo. Também é indisputável que, desde então, se criaram condições para a implementação de políticas monetárias radicais. Mas tudo isto teve origem em 2008? Não marcará – 2008 – apenas o acentuar da dimensão dos problemas? A situação actual - difícil e complexa - tem a sua causa em 2008? Ou nas medidas para a sua correcção?
Afinal as políticas monetárias só se tornaram mais intensas e o sistema financeiro (e bancário) só agravou os seus desequilíbrios. A situação na qual nos encontramos em 2014 não deve a sua origem ao que ocorreu em 2008, ainda que a situação seja mais difícil pelo que se procurou fazer desde 2008. Mas o que pode ser, então? – perguntarão. Considere-se um exemplo.

O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se relativamente à conduta do Banco Central Europeu (BCE) face ao definido nos seus estatutos. O Tribunal considera que o BCE pode ultrapassar o seu mandato (desrespeitando também a lei alemã) quando se mostra disponível para comprar dívida de estados da zona euro (operação conhecida por OMT). Ou seja, a acção do BCE pode estar fora da legalidade. Consequências? Aparentemente, nenhumas, pois o caso foi remetido (pelo referido Tribunal Constitucional) para o Tribunal de Justiça Europeu (TJE). E pronto, já está.

Importa ter presente que a razão pela qual o ECB é criticado pelo Tribunal alemão, permitiu aliviar, substancialmente, os juros da dívida de alguns países da zona euro (Itália, Espanha, Portugal et al), assim salvando o euro. Tenhamos presentes as palavras de Mario Draghi de que “o BCE faria tudo o que fosse preciso” para conter os problemas na zona euro. Podemos esperar que uma instituição europeia (o TJE) se pronuncie, agora, com objectividade e justiça sobre a intervenção de um agente tão relevante, no contexto das instituições europeias, como é o BCE? Sabendo que isso terá reflexos directos – e não serão positivos – para o euro e para o projecto europeu, pode esperar-se justiça?

Este exemplo ilustra bem que as raízes dos problemas que mostraram as suas cores em 2008 (e depois) são muito anteriores. Falar de retoma num cenário distorcido como este, aliviando reacções aos factores de conjuntura, é um erro e apenas atrasa a consideração das verdadeiras causas dos problemas. O grau de mentira, de dissimulação das instituições políticas europeias e nacionais é elevadíssimo e o preço dessa dissimulação, desse adiamento tem sido pago pela destruição de projectos de milhões de cidadãos europeus.

O que fica dos valores expressos no reverso? O que está para cá desta grande ficção? Certamente que os valores vão estando cada vez mais longe da liberdade e responsabilidade individuais (assumo o risco da redundância), aprofundando a dependência pessoal ou institucional e a insensibilidade moral.

3 comentários:

Unknown disse...

e se ao contrario do que os dirigentes do sul costumam fazer (querer isto-independencia e o seu contrario-ajuda e solidariedade)tambem adoptassem o habito de ser eficientes e tomassem uma posição clara do que se vai fazer aos tratados e a seguir asumissem a responsabildade e as consequencias?
enfim ser consequente, e eficiente. podemos querer independencia e devemos governar-nos sozinhos ou podemos gostar de união e aí respeitamos as regras do bem comum; sem andar a culpar osoutros da nossa miseravel perfomance.

LV disse...

@António Cristóvão
O seu comentário tem de ser considerado em diferentes dimensões.
1 - A colocação do problema entre norte/sul não ajuda a esclarecer o problema e as suas eventuais soluções; podemos considerar que a Islândia, a Holanda e até a Alemanha possuem problemas nas suas economias , cuja origem também reside nos seus sistemas bancário e financeiro e no modo como, do ponto de vista institucional, se foi almofadando os desvios destes; por aqui não respeitando também os tratados;
2 - O projecto europeu sofreu sempre de falta de legitimidade democrática; ele só se respaldou numa participação alargada quando o que estava em jogo não era substancial;
3 - Os desejos de independência que assinala só podem ser entendidos como nocivos quando vistos através da artificialidade do próprio projecto europeu, inspirado numa ideologia que força a concepção do bem comum num mosaico cultural, social e económico bem distinto;

Não esqueçamos as palavras de Jean Claude Junker de que, quando as coisas ficam difíceis, "é preciso mentir". Porque será?
Saudações,
LV

Floribundus disse...

o famoso Doctor Goebels dizia:
'mentir! mentir sempre! mentir com convicção!'

nunca sabemos os jogos, mas sofremos as consequências

as crises financeiras também têm muito a ver com a desmedida ganância dos investidores

a próxima chega antes desta terminar