Num discurso proferido na Conferência do ELDD - Grupo Europa da Liberdade e da Democracia Directa do Parlamento Europeu (cuja principal formação é o UKIP) -, em 12 de Novembro último, para assinalar o 25º aniversário do fim da Cortina de Ferro, Philipp Bagus - o autor de A Tragédia do Euro - produziu um breve discurso que reputo de simultaneamente didáctico, incisivo e desassombrado perante a realidade que defrontamos. Didáctico, pela forma como esquissa a prova da impossibilidade de cálculo económico que Ludwig von Mises elaborou em 1920, antecipando em 70 anos o colapso do sistema comunista. Incisivo e desassombrado, porque não receia apontar os males profundos e estruturais que nos assolam: por um lado, a cada vez mais sufocante teia regulatória (a nacional e a de Bruxelas); por outro, pela espiral intervencionista do "socialismo monetário" constituído pela moeda fiat e pelo banco central. Alerta por fim para as tentativas que vêm ocorrendo com o intuito de suprimir a utilização de numerário (cash) que, a terem sucesso, nos colocariam em pleno totalitarismo monetário (já pouco falta, aliás). Por este motivo, entendi que poderia ser útil traduzir a sua intervenção, o que se faz abaixo. Para quem preferir ver e ouvir a intervenção de Bagus ao vivo, pode fazê-lo aqui.
Muito obrigado pela simpática introdução.
Gostaria de agradecer ao grupo ELDD o amável convite. É uma grande honra e um prazer estar aqui no 25º aniversário da queda do Muro.
Quando o Muro foi derrubado em 1989, a maioria das pessoas foi apanhada de surpresa, incluindo os economistas da Escola de Chicago. Sherwin Rosen afirmou em 1997 que "o colapso do planeamento central na última década foi uma surpresa para a maior parte de nós". E Ronald Coase observou igualmente: "Nada do que tinha lido ou conhecido sugeria que o colapso iria ocorrer."
Philipp Bagus
Bem, mas houve um grupo de economistas que não ficou nada surpreendido: os da Escola Austríaca de economia. Isto porque o grande economista austríaco Ludwig von Mises havia anunciado, logo em 1920, a impossibilidade do planeamento económico racional sob o socialismo num ensaio intitulado "Die Wirtschaftsrechnung im zocialistischen Gemeinwesen" [Cálculo Económico Sob o Socialismo - NT]. É assim que Murray Rothbard, já em 1971, se referia a Mises como sendo "o profeta do colapso do planeamento central".
No seu ensaio de 1920, Mises desafia a ideia de que o socialismo levaria à abundância; mostra que o socialismo não conduz a uma sociedade mais rica, mas antes ao caos planeado e à pobreza; e sublinha que o socialismo simplesmente não pode funcionar, porque torna o cálculo económico impossível. Mesmo que fosse possível criar um novo tipo de homem - um ser abnegado e totalmente altruísta a trabalhar incessantemente para o colectivo - o socialismo iria necessariamente acabar num fracasso: "A inviabilidade do socialismo é o resultado da incapacidade intelectual, não da incapacidade moral... Até mesmo os anjos, fossem eles apenas dotados da razão humana, não conseguiriam formar uma comunidade socialista".
Mises define socialismo como sendo a propriedade pública dos meios de produção. Todas as matérias-primas, produtos intermédios, meios de transporte, máquinas, infra-estruturas e fábricas são propriedade do estado. Por conseguinte, não há empresários que comprem e vendam produtos intermédios, comerciem mercadorias, empreguem trabalhadores, adquiram máquinas ou fábricas inteiras, na expectativa de vir a obter lucro. Como todos os meios de produção são de propriedade pública, eles não são transaccionados. Em consequência, não se dispõe de preços de mercado para eles. Obviamente, sem preços de mercado, não se pode calcular. Não é possível comparar receitas com despesas. Daqui resulta que os planificadores socialistas não podem escolher o método mais eficiente de produção. Como Mises escreveu, "Na comunidade socialista cada alteração económica representa um empreendimento cujo sucesso não pode ser nem avaliado com antecedência nem determinado retrospectivamente. Há apenas um tactear na escuridão. O socialismo é a abolição da economia racional.
Deixem-me ilustrar com um exemplo simples. Imaginemos que há planificadores socialistas bem intencionados que querem ter a certeza de que os seus súbditos não sofram de frio no Inverno. Eles têm à sua disposição todos os trabalhadores e recursos, e estão a avaliar três opções para alcançar o seu objectivo. Em primeiro lugar, poderiam equipar cada habitação com um fogão a lenha e ordenar que, durante o Inverno, 25% de todos os trabalhadores fossem extrair madeira nas florestas. Em segundo lugar, ordenar a 75% de todos os trabalhadores que pedalassem em bicicletas para assim produzir a electricidade necessária ao aquecimento das habitações. E em terceiro lugar, os planificadores poderiam mandar instalar painéis solares no telhado de cada casa. Qual será a melhor opção?
Bem, cada uma das opções acarreta custos. Uma utiliza mais trabalho, outra mais madeira, e outra mais silício e tempo. Tome-se a opção das bicicletas: ela implica que 75% da força de trabalho esteja ocupada a pedalar e não possa produzir outros bens e serviços. A opção dos fogões emprega apenas 25% da força de trabalho no corte da madeira mas a madeira queimada não poderá ser utilizada ao mesmo tempo para produzir móveis, para além de que o recuo das florestas proporcionará uma área de lazer menos agradável no Verão. Outros custos advêm naturalmente com os painéis solares.
Assim, os planificadores socialistas têm a liberdade para escolher as opções pois eles controlam todos os recursos. Mas, por esta mesma razão, não há preços para o trabalho, madeiras, silício, etc. Por isso, é impossível aos planificadores socialistas comparar os custos das opções em termos monetários. A decisão final é totalmente arbitrária. Se os planificadores escolherem, por exemplo, a opção dos fogões, os planificadores não sabem se o calor produzido é de maior valia para as pessoas do que os produtos e serviços que, em alternativa, poderiam ter sido produzidos com os recursos utilizados. Será o calor no Inverno mais importante para as pessoas do que os bens e serviços que virão a existir porque muitos trabalhadores são mandatoriamente afectos ao corte de madeira? Será que as pessoas não preferem desfrutar de florestas intactas no Verão? Ou de mobiliário confortável em madeira?
Por outras palavras, sem preços de mercado não há lucros ou perdas monetárias. Não há nenhuma evidência de os factores de produção terem sido combinados de modo a criar riqueza ou de a terem delapidado. Numa economia de mercado, o empresário sofreria perdas se os custos do corte de árvores excedessem as receitas provenientes da venda de lenha. Mas os planificadores socialistas são necessariamente cegos. O socialismo é o "caos planeado", como assinala Mises. Escusado será dizer que não há apenas caos planeado. Os planificadores centrais também têm que passar por cima das preferências e objectivos dos indivíduos de modo a imporem o seu plano. Portanto, Mises está totalmente correcto quando afirma: "Todo o socialista é um ditador disfarçado." E aqui em Bruxelas, acrescentaria, há um monte deles.
Portanto, Mises já em 1920 mostrara que o socialismo conduz ao caos porque o planeamento económico racional é impossível. Durante mais de 70 anos, os comunistas agarraram-se ao poder, aceitando um imenso consumo de capital e empobrecimento dos seus povos até que finalmente tiveram que desistir. Para a eterna fama de Mises fica o facto de ter sido o primeiro a mostrar que o projecto do socialismo no seu todo - que a ideia do planeamento central pudesse melhorar a coordenação na sociedade - se baseia numa falácia. Nas palavras do professor Jesús Huerta de Soto: "O socialismo é um erro intelectual, porque é teoricamente impossível à agência encarregue da aplicação da agressão institucional ter acesso à informação suficiente que lhe permitisse emitir ordens capazes de coordenar a sociedade."
Hoje o cálculo económico em termos monetários não é impossível. No entanto, ele é dificultado pelas intervenções governamentais que distorcem os preços, conduzindo igualmente ao caos dos dias de hoje. Os regulamentos e os subsídios não tornam o cálculo económico impossível mas distorcem-no severamente, empobrecendo a sociedade.
Recorde-se o nosso exemplo de há pouco de fornecimento de calor no Inverno. Imagine-se que o governo introduz subsídios para a produção de energia por via das bicicletas ou regula a produção de painéis solares aumentando os seus custos. Nessas circunstâncias, o cálculo económico ficará distorcido. E mais uma vez, com esses subsídios e regulamentação, subitamente uma opção pode tornar-se óptima a qual não teria sido escolhida num mercado livre, porque é simplesmente um desperdício de recursos.
Hoje, a ameaça já não é o comunismo. Hoje, a ameaça é a intervenção ou estatismo, uma nova forma suave de socialismo. Este socialismo suave do estado paternalista não se limita a ameaçar às liberdades individuais. Ao distorcer o cálculo económico, leva a um novo caos mais subtil. Hoje, são cada vez mais os preços em que os governos interferem: salários mínimos, rendas máximas, deduções fiscais distorcedoras, despesa pública (subsídios, etc.) e, sobretudo, uma teia cada vez mais apertada de regulamentos.
O estado paternalista, de rosto sempre benigno, proíbe-nos por exemplo que usemos certos tipos de aspiradores, ou de lâmpadas eléctricas; diz-nos o que não podemos comer, o que não podemos beber, o que não podemos fumar, que medicamento não podemos comprar livremente, que métodos de produção não podemos utilizar, que tipos de investimentos estamos autorizados a fazer, e que tipos de contratos de trabalho ou contratos de aluguer não estamos autorizados a voluntariamente celebrar. E como se os regulamentos cada vez mais restritivos a nível nacional não fossem suficientes, foi acrescentada uma outra camada de regulação a nível europeu que provém directamente daqui, de todos os políticos que desesperadamente tentam impor um super-Estado centralizado - um novo Império - aos povos da Europa. Uma União Soviética 2.0.
Para além dessa ameaça, existe uma outra área de onde o socialismo nunca desapareceu e está tão forte como nunca. Aí, sofremos de enormes distorções de preços, da gestão pública das expectativas, do planeamento central da taxa de juro e da oferta monetária combinados com uma moeda nacionalizada. A moeda fiat e o banco central constituem a expressão do socialismo na moeda. Este sistema monetário não apenas leva à redistribuição injusta, às espirais intervencionistas, à degeneração cultural e às crises económicas, como também financia a despesa pública, directa ou indirectamente. O banco central e a moeda fiat permitiram uma enorme expansão do estado. O estado paternalista é patrocinado pela moeda fiat.
Agora, ficámos presos numa espiral intervencionista de política monetária. O BCE prometeu comprar tantos títulos de dívida pública quantos os necessários para salvar o euro e as taxas de juro estão próximas de zero. Discutem-se inclusivamente taxas de juro negativa, mas a utilização de numerário ainda frustra estas experiências mentais dos banqueiros centrais. Consequentemente, já estamos a assistir a tentativas para o eliminar. Logo que o numerário seja abolido, todas as transacções poderão ser supervisionados pelo estado. Haverá um controlo total, simplesmente para satisfazer as necessidades dos planificadores monetários que sentem que as suas capacidades de planeamento estão limitadas pelo limite inferior de zero das taxas de juro. O controlo total das transacções seria uma nova forma de totalitarismo. O totalitarismo monetário.
Em suma, o Muro de Berlim e o comunismo caíram há 25 anos, mas [o problema do socialismo] ainda não acabou. Temos, mais do que nunca, que estar alerta. Vivemos num mundo de caos, com perdas imensas de bem-estar. Para que a civilização possa prosperar, temos de derrubar o novo tipo de socialismo suave, que prospera dentro destas paredes. Aqui mesmo. E temos também de derrubar o principal patrocinador do socialismo, ele próprio um centro de planeamento central e da gestão do caos: a banca central e a moeda fiat.
Esperemos que em breve possamos comemorar a queda completa do socialismo.
Muito obrigado.
2 comentários:
Muito obrigado pela tradução e disponibilização deste escelente artigo - como disse no texto, muito didáctico!
Caro majoMo,
Grato fico eu por ter encontrado utilidade no conteúdo do post, afinal uma tradução interessada. :)
Saudações,
Eduardo Freitas
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