Com especial incidência desde o 11 de Setembro de 2001, que oficialmente iniciou uma aparentemente perpétua "guerra contra o terrorismo", que assistimos à eclosão de guerras sobre guerras marcadas pelo protagonismo da superpotência vencedora da Guerra Fria. De uma forma unilateral, de forma mais aberta ou velada, é como se os EUA se tivessem outorgado a si próprios o papel de um global Robocop (na expressão de Pepe Escobar) que, na esteira do messianismo wilsoniano, tem por missão "resolver" qualquer situação em qualquer parte do mundo que necessite ser "resolvida". Para o efeito, um dos instrumentos preferenciais tem sido o recurso aos bombardeamentos "humanitários" (que, se não estou em erro, foram inaugurados por Bill Clinton nos Balcãs) sendo notórios os "sucessos" que têm sido conseguidos: do Afeganistão ao Iraque, da Síria ao Sudão e à Somália, da Líbia ao Iémen, etc. E tudo parece conjugar-se para mais um envolvimento noutra aventura militar, agora na Ucrânia, muito embora isso não esconda a relutância da "Europa". Mas não foi Victoria Nuland quem, famosamente, exclamou "fuck the EU!" há um ano atrás nas vésperas de Maidan? Pat Buchanan, um paleoconservador antigo candidato à presidência dos EUA, tem sido uma das figuras da intelectualidade americana que tem ousado colocar perguntas pertinentes na tentativa de apelar à razão. Em mais um excelente artigo, apela ao bom senso. E à paz.
3 de Fevereiro de 2015
Por Patrick J. Buchanan
Entre os presidentes do período da Guerra Fria, de Truman a Bush I, havia uma regra não escrita: não desafiar Moscovo na sua esfera de influência na Europa Central e Oriental.
Nas crises de Berlim de 1948 e 1961, na Revolução Húngara de 1956 e na invasão do Pacto de Varsóvia de Praga em 1968, as forças americanas na Europa permaneceram nos seus quartéis. Víamos o Elba como a linha vermelha de Moscovo, e eles viam-no como a nossa. Apesar de Reagan ter enviado armas para os rebeldes anti-comunistas em Angola, Nicarágua e Afeganistão, para os heróicos polacos de Gdansk só enviou copiógrafos.
Patrick J. Buchanan
Essa cautela e prudência da Guerra Fria poderá ter terminado.
Isto porque o presidente Obama está a ser instigado pelo Congresso e pelos intervencionistas liberais [no contexto norte-americano, “progressistas”, de esquerda – NT] no seu partido para enviar armamento letal para Kiev, em guerra civil com rebeldes pró-russos em Donetsk e Luhansk. Esta guerra já custou 5000 vidas, entre soldados, rebeldes e civis. O cessar-fogo de Setembro em Minsk foi rasgado. Os rebeldes, recentemente, conquistaram cerca de mais 300 quilómetros quadrados, e dirigiram fogo de artilharia contra Mariupol, um porto do Mar Negro entre Donetsk e Luhansk e a Crimeia.
Nos finais do passado ano, o Congresso enviou um projecto de lei a Obama a autorizar ajuda letal a Kiev. Ele assinou-o. Agora, o New York Times informa que o comandante general da NATO, Philip Breedlove, é favorável à assistência militar à Ucrânia, como sucede com o secretário da Defesa, Chuck Hagel. Consta que John Kerry e o general do Estado-Maior Conjunto Martin Dempsey estão abertos a considerar a ideia.
Um painel de oito ex-funcionários de segurança nacional, presidido por Michele Flournoy, um potencial secretário de Defesa numa administração Hillary Clinton, apelou ao fornecimento pelos EUA de 3 mil milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia, incluindo mísseis anti-tanque, drones de reconhecimento, Humvees [jipes militares - NT], e radares para localizar as baterias de artilharia e de mísseis. Um ajuda militar desta envergadura iria garantir uma escalada da guerra, colocaria os Estados Unidos directamente no meio do conflito, e obrigaria Vladimir Putin a agir.
Até agora, apesar das provas da existência de conselheiros russos na Ucrânia e de alegações da presença de tanques russos, Putin nega que tenha intervindo. Mas se os aviões de carga dos EUA começarem a chegar a Kiev com mísseis anti-tanque Javelin, Putin teria de encarar várias opções.
Ele poderia recuar, abandonar os rebeldes, e ser visto como um rufia que, apesar da fanfarronice, não defende os russos onde quer que eles estejam. Mais de acordo com o seu carácter, poderia tomar a intervenção dos EUA como um desafio e enviar blindados e artilharia para permitir que os rebeldes consolidassem os seus avanços, avisando então Kiev que, em lugar de assistir ao esmagamento dos rebeldes, Moscovo irá intervir militarmente. Ou Putin poderia ordenar ao exército russo, antes de as armas americanas chegarem, a captura de Mariupol, o estabelecimento de uma ponte terrestre para a Crimeia, e depois dizer a Kiev que está pronto a negociar.
O que faríamos então? Enviar conselheiros norte-americanos para lutar ao lado dos ucranianos enquanto a guerra se agrava e as vítimas se acumulam? Enviar navios de guerra dos EUA para o Mar Negro? Teremos nós pensado nisto maduramente, como não o fizemos se tivéssemos pensado no que sucederia se derrubássemos Saddam, Kadhafi e Mubarak?
A América nunca teve um interesse vital na Crimeia ou na região do Donbass pelo qual valesse a pena correr o risco de um confronto militar com a Rússia. E nós não temos a capacidade militar para intervir e expulsar o exército russo, a menos que estejamos preparados para uma guerra alargada e para a potencial devastação da Ucrânia.
O que pensariam Eisenhower, Kennedy, Nixon ou Reagan de um presidente americano disposto a arriscar um conflito militar com uma Rússia com armas nucleares a propósito de duas províncias do sudeste da Ucrânia que Moscovo tinha governado desde os tempos de Catarina, a Grande?
O que está a acontecer na Ucrânia é uma tragédia e um desastre. E nós somos em parte responsáveis, depois de termos encorajado o golpe de Maidan que derrubou o governo eleito pró-russo.
Mas pairará um desastre ainda maior se nós mesmos nos envolvermos na guerra civil da Ucrânia. Enfrentaríamos, em primeiro lugar, a quase certeza da derrota dos nossos aliados, senão mesmo da nossa própria. Em segundo lugar, afastaríamos Moscovo ainda mais para fora da Europa e do Ocidente, deixando-a sem outra alternativa que não seja a de aprofundar os laços com a China em ascensão.
Perante a crise económica na Rússia e o caso bicudo a que já chegou a Ucrânia, de que forma achamos que uma guerra maior e mais ampla iria deixar ambas as nações?
Os alarmistas dizem que não podemos aceitar a anexação da Crimeia por Putin. Que não podemos deixar que Luhansk e Donetsk se tornem num enclave pró-russo na Ucrânia, como a Abkházia, a Ossétia do Sul ou a república da Transnístria. Mas nunca ninguém pensou que estes enclaves, que surgiram da decomposição étnica da União Soviética, valiam um conflito com a Rússia. Quando é que isso sucedeu com Luhansk e Donetsk?
Em vez de nos tornarmos num co-beligerante nesta guerra civil que não é uma guerra nossa, por que razão não têm os Estados Unidos assumido o papel de honesto mediador que consiga pôr-lhe termo? Não é assim que os verdadeiros prémios da paz são ganhos?
8 comentários:
Devem os EUA deixar de apoiar os países da europa e pró.NATO só pq isso irrita o sr Putin ? Devem os EUA deixar Putin invadir a Ucrânia sem nada fazer ? Pat B. é um homem inteligente mas neste caso não tem razão.
É assustador ver como a UE faz de caozinho de companhia nesta aterradora visão do EUA. Sobre o Iraque ver as interrogaçoes de que o estado actual é consequencia de terem "saído" de lá causa calafrios.
Caro Anónimo,
Quer partilhar as suas razões sobre a não razão de Buchanan no caso da Ucrânia?
Entretanto, por sinal, ontem e hoje foram dias ricos em notícias relevantes sobre esta matéria:
1) No NYT de ontem fez-se referência directa à que seria a jogada geoestratégica dos sauditas (e emiratos aliados) contra Putin para o forçar a abandonar o apoio à Síria. A referência é perfeitamente credível se recordarmos anteriores ameaças dos sauditas - de "lançar" terroristas contra Sochi - caso Putin não recuasse no apoio a Assad.
2) Hoje, via Reuters, foi noticiado que aquele que é tido como responsável operacional pelos ataques do 11 de Setembro, Zacarias Moussaoui, acusou directamente a família real saudita de apoiar a Al-Qaeda (o que é praticamente um segredo de Polichinelo).
3) Recorde-se, entretanto, que: a) 15 dos 19 piratas do 11 de Setembro eram sauditas; b) que permanecem por revelar ao público 28 páginas censuradas do relatório oficial dos acontecimentos.
Saudações,
Eduardo Freitas
Hoje foi noticiado que a sra Merkl e o Holland foram a Moscovo. Até que enfim a Alemanha faz o que eu espero dela; que mostre aos mini politicos que governam muitos dos países europeus que a Europa tem a sua própria agenda e muita estatura para decidir o que fazer e mais faze-lo.
Seguir gente que acha que tem o direito de eliminar pessoas por todo o mundo pode fazer as delicias dos estrategas iluminados, mas não deve ser o caminho para a UE
Partilho de boa vontade : "Putin could attack Baltic states, warns ex-Nato chief
Anders Fogh Rasmussen claims a hybrid attack on a Baltic state would test whether Nato would mobilise "http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/russia/11393707/Putin-could-attack-Baltic-states-warns-former-Nato-chief.html
Timothy Garton Ash no Guardian: «Este conflito armado [na Ucrânia] já provocou cerca de cinco mil mortos e mais de 500 mil desalojados. A Europa, preocupada com a Grécia e a zona euro, vai deixando outra Bósnia deflagrar à sua frente. Desperta, Europa. Se a História nos ensinou alguma coisa é que devemos travar Putin.»
Anónimo,
Eu podia colocar por aqui umas boas citações que suportam o ponto de vista contrário. Ou seja, poderíamos encontrar tantas quantas as que quiséssemos para fazer uma barragem de opinião. Olhe, por exemplo, do insuspeito aos olhos dos líderes europeus Gorbatchev. Que considera que os EUA estão a quebrar promessas feitas ao mais alto nível de não provocar a Rússia pela ocupação do seu "espaço vital".
Mas não o vou fazer.
Peço-lhe apenas que considere o seguinte:
- acha que os EUA ficariam serenamente parados caso o México permitisse a colocação de mísseis estratégicos russos? Ou que elegessem um governo abertamente pró-russo (ou que tivesse particulares laços com a China)?
- para lá de defender seja quem for e antes de colocar a Rússia no cepo, procure conhecer que, para além de forças russas a operar nos cenários do conflito, há também soldados a lutar junto com os ucranianos que falam inglês escorreito!
Em conclusão, neste como noutros assuntos, é bom ter uma visão mais alargada das coisas. E, para começar, é bom que procure compreender quem beneficia com o que se vai passando. E para que efeito se vão conduzindo estes conflitos, inegavelmente atrozes e condenáveis.
Que diz de sua lavra?
Aceite as minhas saudações,
LV
A Paz é simples. A Rússia deixa a Ucrânia assumir a soberania dos seus territórios e escolher o seu caminho: Hungria e Checoslováquia nunca mais.
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