Ontem, em entrevista ao Público, antecipando o lançamento da longa conversa com Maria João Avillez sob a forma de livro, que hoje é "apresentado", Vítor Gaspar, um meu contemporâneo de faculdade, declarou (realces meus):
"A deflação é um risco que deve ser evitado porque é tendencialmente desestabilizador e há uma potencial relação entre deflação e espiral recessiva, na medida em que há a possibilidade de a deflação se transformar em deflação esperada, adiando as decisões de fazer despesa. E a deflação torna mais difícil a gestão de níveis de endividamento elevados.
Para Gaspar, um burocrata de elite da banca central, não há que correr riscos pelo que nada como provocar uma inflação esperada ("moderada", dirá, aí na ordem dos 2% anuais) para a combater. Uma forma de, em 4 anos, reduzir os salários da FP e as pensões, em termos reais, de mais de 10% (dado o seu congelamento em termos nominais).
No final de contas, quem pensa o leitor que será o agente económico com um nível de "endividamento elevado" a quem a inflaçãozinha, esperada que seja, dá um jeitaço para a resolução dos seus problemas?
3 comentários:
@Eduardo,
As palavras de Gaspar que seleccionou são um sinal inegável da maneira de gerir as contas e as políticas nacionais. Há toda uma sugestão, uma insinuação do mal que decorrerá se mais este truque (de evitar a deflação, fomentando a inflação) não for concretizado. A qualquer custo. Seja pelo empobrecimento, pela devastação do que ainda existe na economia.
Será possível não percebemos que, na substância, todo este truque, esta dissimulação para induzir um resultado (mais que conhecido do passado) beneficia apenas os devedores? Que esta disposição inflacionista acabará por traduzir-se numa efectiva captura (pelo estado, pelos devedores) da riqueza produzida pelas pessoas? Que tudo isto corresponde a uma nacionalização da riqueza?
Ou isso ou uma crise profunda.
Será possível não perceber isto?
LV
nasci em 31
até à queda do 'faxismo' dizia-se:
'se tenho 10 gasto 5,
se tenho 5 gasto 3'
Luís,
A barragem de propaganda é gigantesca, à escala da dimensão dos problemas que a generalidade dos estados enfrenta - crescimento económico irrelevante, desemprego elevadíssimo, dívida pública gigantesca, sistemas de segurança social a implodir, etc. Se olharmos para os jornais - que exigem incessantemente dos governos novas "estratégias", "planos", "programas" e "medidas" que, evidentemente, teimam em não funcionar -, vemos que se limitam a amplificar a mistificação. O incansável apelo aos novos oráculos activistas – os planeadores centrais monetários - tidos e vendidos como salvadores de pátrias e até mesmo do mundo. Na academia, à parte umas tão honrosas como pequeníssimas excepções, houve um take-over hostil à história de que resultou, no estreito ensinamento orwelliano, a formulação de supostas "interpretações autênticas" que conferem autoridade científica (?!) a experiências que nem Fausto ousaria.
Que fazer, então? Como não sou de desistir, não vejo que possa fazer outra coisa que não seja continuar a insistir.
Um abraço
Caro Floribundus,
O meu filho mais velho começou a trabalhar o ano passado (também ele fora do país). Para além de lhe ter recomendado que lesse mais um par de livros na linha dos que fui propondo neste último ano para melhor compreender o mundo e procurar ver por entre a névoa, disse-lhe, e fui muito veemente, que deveria começar desde já a amealhar o suficiente para acautelar a sua própria velhice.
Foi o “estado social” e os seus promotores quem destruiu as virtudes da prudência e da poupança enquanto vieram propagar a bondade do endividamento, da despesa e do consumo (para o efeito, deixaram de criticar o “consumismo” e de denunciar os horrores da “Sociedade da Opulência” que Galbraith abominava há mais de meio século atrás).
Ouvi entretanto dizer que um sujeito, de quem não me ocorre o nome, que tem um slot televisivo ao domingo na televisão de “todos nós”, terá afirmado que o estado social “libertou” o indivíduo. Uma mentira monstruosa. Enclausurou-o, isso sim, numa rede de sinistras dependências.
Saudações
Eduardo Freitas
Enviar um comentário