O que realmente aconteceu ao Bear Stearns?
O artigo cuja tradução a seguir se apresenta foi escrito por Ted Butler. Butler é um analista e comentador largamente reconhecido no mercado dos metais preciosos. É autor de uma reputada subscrição, participa em vários fóruns, conferências e estudos acerca do ouro e da prata desde 1996.
Neste artigo, Butler expõe alguns aspectos da sua investigação relativamente à falência do banco Bear Stearns, colocando-a no epicentro da crise financeira mundial de 2008/09. A sua investigação expõe igualmente a natureza promíscua e, não raras vezes, ilegal das relações entre banqueiros, políticos e entidades reguladoras. Não tenhamos dúvidas de que o mesmo ocorre por esse mundo fora. Nós, europeus, estaremos atentos?
A tradução, da minha responsabilidade, possui pequenas alterações para permitir uma compreensão mais fácil dos meandros do mercado internacional dos metais preciosos. As passagens destacadas são igualmente da minha responsabilidade.
Por Ted Butler
Há seis anos atrás, o conhecido banco de investimento Bear Stearns implodiu. Em Fevereiro de 2008, as acções do Bear Stearns eram negociadas a 93 dólares; em meados de Março o banco, agora insolvente, concordou em ser absorvido pelo JP Morgan pelo preço de 2 dólares por acção (depois elevadas para 10 dólares aquando da resolução de acções judiciais). Nos anais de Wall Street dificilmente haverá uma falência tão fulminante como a que aconteceu ao Bear Stearns. A causa apresentada (para consumo das massas) é que tudo esteve relacionado com uma corrida intensa ao banco por parte de investidores nervosos que queriam reaver os activos investidos na empresa. O banco estava alavancado 35 vezes, significando que estava avaliado em 11 mil milhões de dólares, mas possuía activos e responsabilidades no valor de 395 mil milhões de dólares. Esta é uma almofada muito pequena caso alguma coisa negativa aconteça subitamente.
Algo de negativo terá acontecido ao Bear Stearns no primeiro trimestre de 2008. Apesar de haver, surpreendentemente, muito poucos detalhes esclarecidos publicamente quanto ao que verdadeiramente aconteceu. Como o banco tinha uma posição destacada no mercado do crédito de má qualidade (sub-prime) e como esse mercado estava em apuros, assume-se publicamente que a queda do banco está apenas relacionada com a má qualidade dessas hipotecas. Isso pode conter alguma verdade, mas não houve uma situação de stress generalizado no mercado até meados de Março de 2008 que pudesse indicar uma crise de crédito. Será que houve outro rastilho a causar o súbito colapso do banco?
Eu acredito que o que desencadeou todo o processo de queda, e consequentemente, a morte do banco, foram as rápidas e importantes perdas e acertos nas margens que o banco possuía em contratos curtos nos futuros de ouro e prata no COMEX, num valor superior a 2,5 mil milhões de dólares. Consideremos o seguinte: o Bear Stearns estava tão alavancado que o súbito pedido de liquidação de 2,5 mil milhões de dólares podia tê-los afundado. A posição do banco era excessivamente desequilibrada no mercado de futuros do ouro e da prata no COMEX e isso é uma razão bem plausível para a falência do Bear Stearns. O banco faliu e dado o súbito défice de liquidez foi comprado pelo JPMorgan por uma fracção do que valia apenas dois meses antes. E, na altura, o Bear Stearns era o maior agente a posicionar-se curto no COMEX. O dia da falência do banco coincide, precisamente, com o dia em que os preços do ouro e da prata atingiram máximos históricos. É também nesse dia que o COMEX regista a maior operação de liquidação de contratos de futuros no valor de 2,5 mil milhões de dólares. Não é, seguramente, coincidência que a música tenha parado para o Bear Stearns nesse dia.
Os preços do ouro subiram de 800 para 1000 dólares/onça entre meados de Dezembro de 2007 e meados de Março de 2008. Os preços da prata subiram, no mesmo período, de aproximadamente 14 para 21 dólares/onça. E isso coincide com o dia da queda do Bear Stearns a 17 de Março de 2008. Estes preços foram, historicamente, os mais elevados de sempre para a prata e próximos do preço mais elevado para o ouro desde 1980. Obviamente que um aumento de 200 dólares/onça no ouro e de 7 dólares/onça na prata não é um bom resultado se formos o maior investidor a apostar curto.
Graças ao histórico de operações registado nos relatórios (COT) da Commodity Futures Trading Commission (CFTC - entidade reguladora para o mercado das matérias-primas e recursos naturais nos EUA), durante o período crítico de 31 de Dezembro de 2007 a 17 de Março de 2008, a posição líquida dos quatro maiores investidores (que tomam a posição curta no ouro e na prata) no COMEX rondou os 165 mil contratos (ouro) e 60 mil (prata). A minha investigação indica que o Bear Stearns possuía 75 mil contratos para o ouro e 35 mil para a prata. Isto são números conservadores, pois julgo que a posição do banco poderia ser muito maior.
Ora um movimento adverso de 200 dólares no preço de 75 mil contratos de ouro no COMEX resultaria num prejuízo e respectiva margem de 1,5 mil milhões de dólares. Um movimento adverso de 7 dólares no preço de 35 mil contratos de prata no COMEX resultaria num prejuízo e respectiva margem de 1,2 mil milhões de dólares. O Bear Stearns teve de angariar 2,7 mil milhões de dólares por causa da subida rápida dos preços do ouro e da prata durante o primeiro trimestre de 2008, sendo que o banco tinha apostado em sentido contrário. Como não conseguiu encontrar o dinheiro para fazer face a essas responsabilidades teve de cair. Esse incumprimento contratual foi, julgo, a maior razão para a sua queda.
O que aconteceu ao Bear Stearns foi, exactamente, o que avisei a CFTC que haveria de acontecer. E avisei continuamente durante vinte anos. Para lá do impacto manipulador que um mercado concentrado (e controlado) pode ter no preço, o maior risco era o que podia acontecer caso o maior investidor a tomar o lado curto enfrentasse problemas. Os factos, no caso do Bear Stearns, indiciam que o pior aconteceu mesmo. O maior investidor afundou-se. Durante o período relevante, estive em contacto, através de correio electrónico, com o comissário Bart Chilton (CFTC) que me indicou que a Comissão estava a acompanhar de perto os assuntos relativos à prata e que chegariam a conclusões em breve. O relatório seguinte da CFTC (13 de Maio de 2008) negou que houvesse problemas entre os maiores investidores curtos do COMEX.
O problema está aqui: o relatório mentiu. Convenientemente ignorou a falência do maior investidor no COMEX (no lado curto), pois analisou apenas os eventos anteriores a 31 de Dezembro de 2007 e não tomou em consideração o período subsequente até 17 de Março de 2008, data em que o Bear Stearns faliu. O que parece uma mentira por omissão. Como é que a CFTC podia emitir um relatório sobre grandes investidores na prata e ignorar que o maior desses investidores se afundou por causa da sua posição desequilibrada no mercado?
Demorei algum tempo a chegar a estas conclusões e a colocando-as na sua perspectiva adequada. O que vejo agora é muito perturbador e responde a muitas dúvidas que tinha. Mesmo quando enviei petições à comissão (CFTC) acerca da ilegalidade das posições concentradas no COMEX (prata), a Comissão ignorou essas petições. Depois o Bear Stearns caiu pelas razões que apresentei inúmeras vezes, mas a CFTC remeteu-se ao silêncio e negou todas as alegações.
Qualquer regulador merecedor desse nome deveria ter antecipado que uma posição tão desequilibrada por parte do maior agente no mercado seria perigosa. Tendo falhado na avaliação da gravidade da situação, a CFTC colocou em marcha um esquema para ajudar os especuladores, que acaba por prejudicar os restantes investidores no mercado do ouro e da prata. Ao concertar-se com o governador da Reserva Federal (FED) e com o Secretário do Tesouro, permitindo que o J.P.Morgan assumisse o controlo do Bear Stearns, a administração americana escolheu o caminho (que ainda trilha hoje) que permite a manipulação de preços, em clara violação da lei.
Como o Bear Stearns foi uma falência que ameaçou o sistema financeiro, convidou ao envolvimento dos maiores reguladores da nação, o Secretário do Tesouro e o Governador da FED. Todos tinham de saber dos problemas que o Bear Stearns enfrentava nos contratos de futuros do ouro e da prata. Por outro lado, como o banco era o agente que liderava o mercado, as autoridades tinham de estar ao corrente. É igualmente impossível que a JPMorgan não estivesse ao corrente do dilema que o Bear Stearns enfrentava, no entanto, nenhuma destas dificuldades se tornou pública.
Estes factos indicam que todas as pessoas no topo e com responsabilidades tinham de ter conhecimento do excessivo desequilíbrio do Bear Stearns no mercado de futuros, aquando da sua queda. Como as autoridades federais acolheram a intervenção da JPMorgan, tudo indica que a JPMorgan terá pedido (e recebido) imunidade permanente face a quaisquer alegações futuras relativas ao mercado do ouro e da prata. Isso explica muito claramente como, presentemente, a JPMorgan foi capaz de desenvolver posições dominantes que controlam o mercado de ouro e da prata, em contradição flagrante com a lei. Em conclusão, se o Tesouro dos EUA, a FED e a CFTC não tivessem acordado a compra do Bear Stearns pela JPMorgan, em particular as suas posições no ouro e na prata, a excessiva concentração de mercado e a consequente manipulação desses mercados não seria possível.
A interferência do Governo americano no caso Bear Stearns explica o que antes não tinha explicação: por que razão a CFTC não conseguia encontrar nenhum problema depois de investigar a manipulação da prata durante cinco anos. E porque a CFTC nada fez em reacção às violentas quebras nos preços do ouro e da prata, especialmente as duas quebras de 30% no preço da prata no espaço de dias entre em Maio e Setembro de 2011.
O que ainda me deixa perplexo é que nenhum jornalista de renome (exterior ao mundo do ouro e da prata) tenha investigado este caso que pode assumir proporções históricas e que está tão bem documentado. É a história da justificação da queda do Bear Stearns e de como a manipulação do preço do ouro e da prata continua, em particular depois de que a JPMorgam assumiu o controlo do banco. A investigação deste caso, julgo, estaria condenada a ganhar o prémio Pulitzer.
2 comentários:
foram eles que nos deixaram no 'estado a que isto chegou'
e do qual não sairemos esta século
Faz sentido, ao fechar as posições curtas, a pressão compradora faz disparar os precos.
Enviar um comentário