sexta-feira, 20 de março de 2015

A realidade da desdolarização da economia mundial

Mais tarde ou mais cedo, as consequências das acções tomadas tornam-se visíveis mesmo para os mais cépticos. O exorbitante privilégio de que falava De Gaulle está a ceder de forma provavelmente irreversível. Apesar das pressões dos EUA, cresce o número de países europeus que querem ser ser membros fundadores do novel Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas, um concorrente directo de instituições controladas pelos norte-americanos como é o caso do Banco Mundial. Não é coisa de somenos como o artigo que hoje proponho aos leitores sublinha.
18 de Março de 2015
Por Simon Black

O governo dos Estados Unidos acaba de passar da fase "por favor amorzinho, não me deixes" para a das ameaças frustradas e choramingas.

Depois do Reino Unido ter anunciado na semana passada que irá participar na criação, liderada pela China, do novo Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (AIIB), enquanto membro fundador, Alemanha, França e Itália decidiram ontem [dia 17] seguir-lhe o exemplo.

Bem-vindos ao começo do fim do domínio do dólar norte-americano pois é isso que está a acontecer.

Nas últimas décadas, a América foi a incontestável superpotência global e económica.

Imagem daqui
O mundo inteiro utilizou alegremente o dólar norte-americano, e, consequentemente, o sistema bancário dos Estados Unidos. E, mais importante, o mundo depositou alegremente a sua confiança no governo dos EUA.

Mas há um limite para o grau de irresponsabilidade, imprudência e ameaça que alguém pode representar. Chegará um dia em que um comportamento desses terá consequências para quem o prosseguiu.

Esse tempo chegou agora.
O governo dos EUA está afogado em dívida que nunca poderá ser reembolsada. Usando os números do próprio governo, a estimativa é de que o nível de insolvência atinja, grosso modo, os 60 milhões de milhões de dólares.

Isto significa que quando se somam todos os activos dos Estados Unidos -  cada hectare de terra, cada tanque, cada drone, cada gota de petróleo da reserva estratégica... e se subtraem todas as dívidas e passivos, o resultado é: MENOS 60 milhões de milhões de dólares.

Este é o património líquido do governo dos Estados Unidos.

A cumular tudo isto, o governo dos EUA optou pela utilização da sua moeda e sistema bancário, como armas de chantagem sobre o resto do mundo.

O FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act) é, provavelmente, o melhor exemplo recente.

As disposições do FATCA exigem a todo e qualquer banco do mundo que partilhe a cama com o Internal Revenue Service e concorde com todos os tipos de acordos, dispendiosos e debilitantes, de partilha de informações.

E um qualquer banco que ouse desafiar o governo dos EUA fica em termos práticos excluído do sistema bancário dos Estados Unidos e sujeito a uma taxa de retenção de 30%.

A isto acresce que o governo americano tem fustigado violentamente bancos estrangeiros com as mais espantosas multas - nove mil milhões de dólares, por exemplo, no caso do banco francês BNP Paribas.

O delito do BNP foi o de fazer negócios com países, como Cuba e o Irão, de que o governo americano não gosta.

Tenha-se em atenção que o BNP é um banco francês que não infringiu nenhuma lei francesa.

Mais, o negócio foi concretizado através da sua subsidiária suíça, que também não cometeu qualquer infracção à lei suíça.

Mas isso não teve importância para o Tio Sam, que multou o banco em 9.000 milhões de dólares sob a ameaça de ser expulso do sistema bancário dos Estados Unidos.

Chantagem. Extorsão. Intimidação. Isto não é o comportamento de um amigo de confiança mas de um sociopata arrogante.

E o resto do mundo está farto de tudo isto.

Outros países - nações aliadas, inclusive - percebem que os tempos estão a mudar. Há novos intervenientes em ascensão e os EUA já não constituem a única opção.

De uma forma crescente, estão a virar-se para a China que, segundo algumas métricas, já é a maior economia do mundo.

E o governo dos EUA nada pode fazer.

Isto está agora a acontecer com uma velocidade crescente. Está nas notícias dos media convencionais por toda a parte: os EUA estão a ser intencionalmente ignorados pelos seus aliados em favor do novo jogador em campo.

Esta é uma situação que tem as maiores implicações para os Estados Unidos. A história mostra que, quando mudam as moedas de reserva, o país que perde esse estatuto passa, quase invariavelmente, por turbulências significativas.

Mas não haja dúvidas - o mundo está a mudar. Mas não está a chegar ao fim.

Sim, as coisas irão mudar drasticamente no Ocidente nos próximos anos.

O nível de vida que era alcançável nos EUA devido à sua dominância económica irá diminuir.

Para se ficar com umas pistas, olhe-se para a Europa para ver como se revelam os efeitos de políticas insustentáveis na ausência do respaldo da moeda de reserva do mundo.

Mas as pessoas que reconhecerem e abraçarem essas mudanças cedo irão prosperar, pois haverá grandes oportunidades ao longo deste processo.

A tecnologia moderna significa que as nossas vidas não têm que estar encurraladas adentro das fronteiras de um país falido.

É possível mover as suas poupanças para o exterior e para a segurança.

É possível estruturar o seu negócio e activos de modo a conseguir ficar com uma maior fatia do seu rendimento para si e para a sua família.

É possível procurar oportunidades de investimento lá por fora que não dependam da perseguição das bolhas induzidas pelos bancos centrais do mundo.

É possível planear com antecedência e estabelecer uma residência alternativa num lugar seguro e próspero, e, talvez, apresentar uma candidatura visando a obtenção de um segundo passaporte.

Em resumo: o mundo está a mudar. Não podemos parar o fim da supremacia do dólar. Tudo o que podemos controlar é a forma como reagimos a isso... e quando.

Esta é uma oportunidade real. Uma oportunidade para ganhar ou uma oportunidade para perder. Cabe-nos escolher.

5 comentários:

JS disse...

Mais uma vez, excelente ... serviço público.

Aceitariam como membro fundador um país pelintra histórico?.

Afinal Portugal sempre teve, e tem, "previlegiadas" (tosse, tosse) relações com o Brazil, India, China e Africa do Sul.
Quanto à Russia ... sem falar no médico Ribeiro Sanches e o prestigiante cargo de médico da corte ... até houve um português, há pouco tempo, condecorado com a Ordem da Revolução de Outubro....
Cordialmente.

Eduardo Freitas disse...

Caro JS,

Creia-me recompensado pela utilidade que encontrou no artigo.

Apesar de hoje mesmo haver notícias que até mesmo o Japão - pasme-se! - parece querer embarcar na coisa, não me parece que se vá dar o caso com Portugal quando o governo, este como os anteriores, literalmente pedincha por uma presença americana nas Lajes que vá um pouco além de uma bomba de abastecimento de combustível e por um "comando" de qualquer espécie em Oeiras.

De qualquer modo, olhando para o nosso país em concreto, a falta de infra-estruturas de que padecemos, em particular a da irresponsabilidade financeira crónica associada a um estado opado e opressivo, não me parece resolúvel por uma qualquer actividade bancária. Em rigor, talvez mesmo viesse a contribuir para a agravar (vide a novel dispendiosa inutilidade que dá pelo nome de banco de Fomento)...

Saudações,

Eduardo Freitas

Lura do Grilo disse...

Só a Dilma e o presidente sul-africano causam calafrios: corruptos até à medula.

LV disse...

Caro Eduardo,

No seguimento de mais uma excelente proposta, gostava de juntar mais umas linhas para que se compreenda o alcance das mudanças que estão a operar por detrás das cortinas.
Sigo de perto um artigo de Alasdair Macleod (aqui), cuja leitura recomendo vivamente.

Já em 2002 a China e a Rússia tinham adoptado a carta e as regras da Organização da Cooperação de Xangai (ver aqui). Este bloco representava, na altura, 35% da população mundial. Isto sem falar das restantes adesões a este tratado, especialmente da Índia e do Paquistão.
Pode facilmente compreender-se a natureza e a força de um bloco económico que tenha os recursos da Rússia e a capacidade industrial da China. E os recursos humanos de uma Índia. E por aí fora.

Muitos críticos desta hipótese de um mercado alternativo ao Ocidente, referem a ausência de sofisticação financeira nestes países para poderem constituir real alternativa ao Ocidente. Mas pergunto-me quem parece ignorar que a (tão adorada) sofisticação financeira tem feito o Ocidente pagar um elevado preço. Ou seja, ao aumento no tamanho do sector financeiro, não tem correspondido um aumento da riqueza produzida pelo Ocidente. Para não falar na condição de reclusos financeiros a que o cidadão comum tem sido votado graças, justamente, àquela sofisticação e à política de repressão financeira por aqui aplicada.

Mantenho, todavia, uma dúvida importante. Não estou certo de que a China queira uma transição fracturante com o Ocidente (em particular os EUA).
Alguma ideia?

Saudações a todos,
LV

JS disse...

EF. Wise words. Saudações.