sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Prémio Nobel da Paz, o Executor-em-chefe, o complexo militar-industrial e a destruição do estado de direito

John Whitehead, presidente do Instituto Rutherford, instituição americana de defesa dos direitos civis a quem já me referi no post A polícia do Pré-crime e do Pensamento na América de Obama, assina mais uma importantíssima mensagem de alerta para com as consequências letais de uma política externa de imperialismo policial que tem o seu zénite no recurso cada vez mais generalizado aos drones para assassinar opositores (reais ou imaginários) dos EUA.

Este é um tema a que regresso frequentemente pois, ao contrário de muitos, subscrevo a tese de Whitehead, que já Ron Paul defende de há muito, que a ilegalidade constitucional, o apagamento do Congresso e o descartar do Judicial vêm conferindo ao Executivo um poder irrestrito que, fatalmente, se repercutirá no próprio território americano. É de uma seriíssima gravidade o que se vem passando. É esta a razão que me levou a tentar proporcionar um acesso mais amplo ao artigo de Whitehead, através de tradução da minha responsabilidade.
Quando Barack Obama ascendeu à presidência em 2008, havia um sentimento, pelo menos entre aqueles que nele votaram, de que o país poderia mudar para melhor. Aqueles que assistiram, chocados, com o modo como o presidente Bush ia erodindo as nossas liberdades civis ao longo dos seus dois mandatos pensaram que talvez este jovem e carismático senador do Illinois viesse mudar o rumo e pôr fim a algumas das piores transgressões da administração Bush - a detenção por tempo indefinido de suspeitos de terrorismo, a tortura, as prisões secretas [black site prisons] e as guerras intermináveis ​​que drenavam os nossos recursos, apenas para citar algumas.

Poucos anos mais tarde, aquela fantasia provou ser apenas isso: uma fantasia. Na verdade, Barack Obama não só continuou o legado de Bush, mas levou-o à sua conclusão lógica. Como presidente, Obama foi para além da Baía de Guantánamo, para além do espiar dos e-mails e telefonemas dos americanos, e para além foi quanto ao bombardeio de países sem autorização do Congresso. Ele agora reivindica, como foi revelado num memorando do Departamento de Justiça, graças a uma fuga de informação, o direito a assassinar qualquer cidadão americano, em qualquer lugar no mundo, desde que tenha a sensação de que eles possam, em algum momento no futuro, representar uma ameaça para os Estados Unidos.

Digiramos o que precede: o Presidente dos Estados Unidos da América acredita que tem o direito absoluto de o matar a si com base em "provas" secretas segundo as quais você pode ser um terrorista. Não apenas ele acha que o pode matar, como acredita que tem o direito de o fazer em segredo, sem o acusar formalmente de qualquer crime e sem lhe proporcionar a oportunidade de se defender perante um tribunal. A culminar tudo isso, o memorando afirma que essas decisões quanto a quem matar não estão sujeitas a qualquer reexame judicial.


Isto é o que se poderia chamar de justiça ao estilo da máfia, quando um poderoso soberano - neste caso, o presidente - decide se você irá viver ou morrer baseando-se unicamente no seu próprio peculiar entendimento do que está certo ou errado. Isto dá bem a medida do quanto caímos nos 12 anos desde o 11 de Setembro, pela nossa negligência e incapacidade em manter os nossos dirigentes de ambos os partidos políticos a prestar contas segundo os princípios consagrados na Constituição.

Segundo o memorando confidencial do  Departamento de Justiça, existem certas "condições" em que é aceitável para o presidente para matar um cidadão dos EUA, sem respeitar os princípios básicos da justiça americana, ou seja, o direito a um advogado e a uma audiência perante um juiz neutro.

Em primeiro lugar, você tem de ser suspeito de ser um "líder operacional sénior" da Al-Qaeda ou de uma "força associada". Como é evidente, nenhum desses termos está definido. Para piorar as coisas, o governo não tem sequer que provar que você é um "líder operacional". Basta que, muito simplesmente, exista uma tal suspeita sobre a sua pessoa. (Como é evidente, se tudo o que é necessário ao governo para puxar o gatilho e matar um cidadão dos EUA é um palpite, então o resto das condições estabelecidas no memorando é [no mínimo] matéria controversa.)

Em segundo lugar, a sua captura tem que ser "inviável", o que é muito fácil uma vez que a "inviabilidade da captura" inclui a incapacidade de capturar alguém sem colocar tropas americanas em perigo.

Em terceiro lugar, você deve constituir "uma ameaça iminente de atentado violento contra os Estados Unidos", mesmo que não possa na realidade executar um ataque no nosso solo. Antes que dê um suspiro de alívio por, talvez, o seu pescoço estar por ora a salvo, tenha em mente que o requisito iminente "não exige que os Estados Unidos tenham provas claras de que um ataque específico sobre pessoas e interesses americanos terá lugar no futuro imediato". A administração Bush deve receber aqui algum crédito, uma vez que foi a sua criativa análise da ameaça "iminente" representada por Saddam Hussein e as suas designadas armas de destruição maciça que inspiraram os advogados de Obama a jogar sem restrições com a legislação para matar cidadãos americanos.

Em suma, através da simples afirmação de que um cidadão americano é um inimigo dos Estados Unidos, a administração Obama conferiu a si própria a autoridade para matar essa pessoa. Isto faz empalidecer qualquer comparação com a asserção de George W. Bush de que poderia deter um cidadão americano indefinidamente bastando para tal rotulá-lo de combatente inimigo.

Agravando esta farsa, a administração Obama também insiste em que o poder de assinalar como alvo um cidadão dos EUA, tendo em vista o seu assassinato, aplica-se a qualquer "alto funcionário, informado, do governo dos EUA", e não apenas ao presidente. Portanto, qualquer burocrata ou político, se nomeado para um cargo suficientemente importante, pode assinalar um americano para ser executado por meio de ataques aéreos com drones.

Isto já aconteceu antes. Sem que se tenha provado que eram "altos dirigentes operacionais séniores" de uma qualquer organização terrorista, a administração Obama utilizou ataques com drones para assassinar Anwar al-Awlaki e o seu filho de 16 anos de idade, Abdulrahman, ambos cidadãos americanos.

Deste modo encontramo-nos neste momento nesta estranha e surreal situação onde as definições claras do que está certo e errado e do Estado de direito foram derrubadas pela "criativa" análise jurídica, pela corrupção do governo, pela ganância das corporações, pelos jogos partidários e pelos políticos de moral duvidosa e pouca, se alguma, lealdade ao povo americano.

É um salto curto a passagem para um cenário em que o presidente autoriza ataques com drones dirigidos a cidadãos americanos no exterior para um em que um burocrata de alto nível autoriza um ataque com drones a cidadãos americanos em solo dos Estados Unidos [terá já acontecido?]. É só uma questão de tempo. Obama abriu já a porta ao emprego de drones voando em céus americanos - uma estimativa de 30 mil em 2015 e uma indústria de 30 mil milhões de dólares a arrancar.

E não importa quanta legislação façamos passar para nos proteger dessas ameaças aéreas a serem usadas ​​contra nós no nosso território, seja para monitorizar as nossas actividades ou forçar-nos à conformidade [com o entendimento da legislação], enquanto o presidente for autorizado a determinar unilateralmente quem é uma ameaça e quem merece morrer sob um ataque de drones, estaremos todos em perigo.

Este é certamente o princípio do fim da república. Não estamos apenas a destruir o Estado de direito mas, ao matarmos pessoas em todo o mundo sem que prestemos contas por isso, estamos a comprometer seriamente as relações de longo prazo com outras nações. O uso de drones para matar cidadãos americanos demonstra o quão fora de controle se tornou a chamada "guerra ao terror". Uma guerra que por definição não pode ser ganha expandiu-se para abranger todo o globo. Isto confirma os temores daqueles que foram assistindo a como o programa americano de drones lentamente se expandiu do direccionamento para membros da Al-Qaeda e dos Talibãs, no Afeganistão e no Paquistão, para incluir agora qualquer pessoa que o presidente entende ver eliminada, para não mencionar os inúmeros civis mortos ao longo do caminho [os "danos colaterais"].

O general aposentado Stanley McChrystal afirmou que os ataques com drones são "odiados a um nível visceral" e alimentam uma "percepção da arrogância norte-americana". Ao atacar jihadistas "peixe miúdo", assim como civis inocentes, o governo americano mais inflama as populações onde os grupos terroristas estão embebidos, estimulando o sentimento anti-americano entre aqueles que podem ter sido no passado um activo na relação da América com os países muçulmanos. Na verdade, McChrystal e o ex-director da CIA, Michael Hayden, têm ambos expressado preocupação pelo facto de que os ataques de drones estarem a ser "direccionados para militantes de baixa hierarquia que não representam uma ameaça directa aos Estados Unidos".

Por exemplo, Salem Ahmed bin Ali Jaber, um clérigo muçulmano no Iémen proferiu um longo sermão, em Agosto de 2012, denunciando a Al-Qaeda. Alguns dias depois, três membros da Al-Qaeda surgiram no seu bairro, dizendo que queriam falar com Jaber. Jaber concordou, levando consigo o seu primo Waleed Abdullah, um oficial da polícia, para protecção. No meio da conversa, uma saraivada de mísseis americanos caiu sobre os homens, matando-os a todos.

Incidentes como estes são a exacta  razão pela qual a América não consegue pôr fim à sua miríade de compromissos militares no exterior. Ao comprometer os nossos aliados potenciais, nós simplesmente agravamos o perigo sobre as vidas americanas. De acordo com Naji al Zaydi, um adversário da Al-Qaeda e ex-governador de província de Marib, no Iémen, "alguns dos jovens que estão a ser mortos tinham acabado de ser recrutados e mal sabiam o que significa o terrorismo". Em oposição directa ao objectivo declarado da "guerra ao terror", estamos a criar inimigos no exterior que antecipam, ansiosos, o dia em que os Estados Unidos caiam sobre si mesmos, como sucedeu antes com o Império Romano .

Infelizmente, não parece haver saída para esta situação. Demasiados funcionários de alto nível, democratas e republicanos, ou não se importam, ou activamente defendem , com indiferença, o assassinato de cidadãos americanos e de civis inocentes levado a cabo pelo presidente. Como a jornalista Amy Goodman esceveu, "os recentes excessos do poder presidencial dos EUA não são aberrações transitórias, mas a criação de uma assustadora nova normalidade, onde os ataques com drones, a vigilância sem mandado, o assassinato e a detenção por tempo indeterminado são levados a cabo com arrogância e impunidade, escudados no segredo e fora do alcance da lei".

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