Como tinha anunciado, depois de ter apresentado uma visão pessimista de Pat Buchanan relativamente ao futuro da Velha Europa, de que a emergência dos movimentos secessionistas e potencial fragmentação do status quo dos estados correspondentes seria um evidente sinal, eis um artigo que, a propósito do referendo de Domingo passado em Veneza, olha para o conceito de secessão como algo para além do benévolo - para o desejável. Para o efeito, Ryan McMaken socorre-se de Hans-Hermann Hoppe.
Actualização ex ante: especialmente para os cépticos do significado jurídico do referendo, ler aqui.
24 de Março de 2014
Por Ryan McMaken
A secessão de Veneza da Itália, Hans-Hermann Hoppe e os estados-naçãoCom uma expressão maioritária de 89%, os eleitores de Veneza optaram pela secessão da Itália. Na prática, o que isso significa é que os venezianos pretendem deixar de remeter a receita fiscal para Roma. Aparentemente, os venezianos, que habitam a capital histórica de uma das repúblicas mais ricas e florescentes da humanidade, não pretendem continuar a subsidiar os burocratas de Roma, famosos pela corrupção. Há muito que a Itália do Sul é considerada pela mais rica, mais limpa e mais eficiente Itália do Norte como um sorvedouro dos seus recursos. Pelo menos de acordo com o Daily Mail, já se fala também em alargar o movimento de secessão a outras áreas do Norte.
Um dos pró-secessionistas parece-se mesmo com um Hoppeano:
Um dos activistas do movimento pela secessão, Paolo Bernardini, professor de História Europeia na Universidade de Insubria, na região do Como, no norte da Itália, disse que chegara "a altura" de Veneza se tornar novamente num estado autónomo.
"Embora a história nunca se repita, estamos agora a assistir a um forte regresso das pequenas nações, dos pequenos e prósperos países, capazes de interagir entre si no mundo global."Naturalmente, os grandes estados-nação da Europa odeiam e temem desenvolvimentos como este. Mas para quem consiga lembrar-se da História, há nela pouca "tradição" que os estados-nação possam reivindicar. A Itália é um país inventado, tal como a Alemanha, amalgamados à força no século XIX por poderosos políticos autoritários como Otto von Bismarck, que, evidentemente, odiava o liberalismo clássico e o capitalismo com toda a força do seu ser.
“O povo de Veneza percebeu que somos uma nação (digna de) se auto-governar e que está a ser publicamente oprimida, e o mundo inteiro está a caminhar em direcção à fragmentação - uma fragmentação positiva - onde as tradições locais se misturam com os mercados globais.”
Vai ser interessante assistir ao que Roma irá fazer. Irá enviar um exército para levar o dinheiro dos impostos? Talvez se limite a entrar num dado tipo de campanha de ódio contra os venezianos, apelando ao patriotismo italiano. Uma vez que Obama, recentemente, declarou ilegítimos todos os movimentos de secessão (excepto os apoiados pelo governo dos EUA, claro) desconhece-se o apoio que Veneza possa vir a esperar da comunidade internacional.
Numa entrevista dada em 2004, Hans-Hermann Hoppe falou sobre as vantagens dos pequenos (e prósperos) países independentes:
Pelo contrário, a maior esperança para a liberdade vem dos pequenos países: como o Mónaco, Andorra, Liechtenstein, mesmo a Suíça, Hong Kong, Singapura, Bermudas, etc.; e, enquanto liberais, devemos ter esperança num mundo composto de dezenas de milhar de tais pequenas entidades independentes. Por que não cidades livres independentes como Istambul e Esmirna, que mantêm relações amigáveis com o governo central turco, mas que já não pagam os impostos a este último nem recebem quaisquer pagamentos dele, e que já não reconhecem a lei do governo central mas que têm as suas próprias leis de Istambul ou de Esmirna?
Hans-Hermann Hoppe Os apologistas do estado central (e dos superestados como a UE) alegam que tal proliferação de unidades políticas independentes levaria à desintegração económica e ao empobrecimento. Todavia, não é apenas a evidência empírica que faz erguer a sua voz contra esta afirmação: os países pequenos atrás referidos são todos mais ricos do que aqueles que os circundam. Ademais, a reflexão teórica revela igualmente que esta afirmação não passa de mais um mito estatista.Os governos pequenos têm muitos competidores [geograficamente] próximos de si. Se tributarem e regularem os seus próprios cidadãos de uma forma mais visível que os seus competidores, ver-se-ão obrigados a sofrer da emigração de mão-de-obra e capital. Mais: quanto mais pequeno for o país, maior será a pressão para que opte pelo comércio livre e não pelo proteccionismo. Cada interferência governamental no comércio externo leva ao empobrecimento relativo, tanto no país como no estrangeiro. Mas quanto mais pequeno for o território e os seus mercados internos, mais dramático será este efeito. Se os EUA viessem a envolver-se num proteccionismo, os padrões médios de vida dos Estados Unidos cairiam, mas ninguém morreria de fome.Se uma única cidade, digamos o Mónaco, fizesse o mesmo, a fome seria quase imediata. Considere-se o lar como a mais pequena unidade secessionista concebível. Ao envolver-se de modo irrestrito no comércio livre, até mesmo o mais pequeno território pode ser plenamente integrado no mercado mundial e participar em todas as vantagens da divisão do trabalho. Com efeito, os seus proprietários poderão tornar-se nas pessoas mais ricas do planeta. Por outro lado, se esses mesmos proprietários decidirem abandonar todo o comércio interterritorial, o resultado seria a pobreza abjecta ou a morte. Por conseguinte, quanto mais pequeno for o território e o seu mercado interno, mais provável será que venha a optar pelo comércio livre.
4 comentários:
http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/03/28/fact-sheet-climate-action-plan-strategy-cut-methane-emissions
Não sei se uma Europa estilhaçada não se tornará presa fácil para outro qualquer maluquinho que a Europa tão bem tem criado.
Napoleão, Mussolini e Hitler são, pelo menos diacronicamente, resultado da prévia centralização e entronização do estado-nação.
A tese que consubstancia estas hipóteses de secessão é, precisamente, que uma Europa (ou o Mundo) mais fragmentado e livre será, por natureza, mais pacífico. É essa a tese de Hoppe, justamente. De um modo simplificado tenho para mim que, na hipótese de as consequências se fazerem sentir logo na pele (estando as unidades políticas mais fragmentadas), pelo menos o receio de perder o confronto travará ímpetos de conquista. Até porque a base de tributação (roubo) para financiar essa expansão é menor. E isto sem entrar nas considerações de ordem moral.
No entanto, a realidade de inspiração totalitária não deixará de se fazer sentir. Com tanques na rua, se necessário for. Ou com um assassinato travestido de acidente para disfarçar a força. De estado.
Saudações,
LV
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