sexta-feira, 7 de março de 2014

Juiz Napolitano: O monstro Putin

De há muito que o Andrew Napolitano é uma presença assídua neste blogue quer através de clips do saudoso programa televisivo da Fox, Freedom Watch, quer pelos seus artigos e livros que publica regularmente. Antigo juiz do equivalente a um tribunal da Relação, fervoroso defensor do espírito e letra da Constituição americana e dos Pais Fundadores, Napolitano faz valer as suas qualidades de jurisconsulto na veemente defesa da Liberdade. Rigoroso e eloquente, mas sempre didáctico, Napolitano explica no artigo que se segue (minha tradução) porque não devem os EUA imiscuir-se num conflito onde nada têm a defender que lhes seja, sequer remotamente, vital ainda que o comportamento imperial do governo do ex-KGB seja, como é, abjecto. Para o efeito, irá também convocar o 6º presidente dos EUA, John Quincy Adams. Tomara que Woodrow Wilson tivesse seguido os conselhos que aquele proferiu ao invés de ter adoptado a "progressiva" e catastrófica doutrina segundo a qual os EUA têm a missão (divina?) de "tornar o mundo seguro para a democracia". As centenas de milhões de mortos que ocorreram no século XX têm aí a sua raiz. Por essa razão, importa retomar em breve a série de posts relativos à mãe de todas as catástrofes a que o século passado assistiu. O que faremos nos próximos dias.
6 de Março de 2014
Por Andrew P. Napolitano

O monstro Putin (Monster Putin)

O que sucede quando o governo dos Estados Unidos participa, de modo significativo, no derrube de governos estrangeiros em nome da difusão da democracia? Esse comportamento resulta geralmente em consequências não-intencionais e, com frequência, resulta em desastres.

Andrew P. Napolitano
Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003, inicialmente para procurar armas de destruição maciça que, sabemo-lo agora, o governo Bush sabia não existirem, e promover a mudança de regime, os EUA conseguiram mudar profundamente a governação iraquiana. Mas, nesse processo, perdemos a vida de 4,500 soldados norte-americanos, sofremos 45 mil feridos, pedimos emprestados e gastámos - e não pagámos - mais de 2 milhões de milhões de dólares, causando a morte a 650 mil iraquianos e o desalojamento a 2,5 milhões, e abrimos o caminho no Iraque ao nosso inimigo público - a Al-Qaeda. A Al-Qaeda não estava no Iraque antes da nossa invasão. Hoje, ela controla um terço do país tornado instável.

Em 2010, o presidente Barack Obama decidiu que já não gostava do ditador favorito da América no Médio Oriente, o presidente Hosni Mubarak do Egipto, muito embora ele e os seus quatro antecessores imediatos tenha dado ao governo Mubarak, anualmente, cerca de 4 mil milhões de dólares. Foi assim que os nossos agentes fomentaram a revolução nas ruas, enquanto Obama sugeria abertamente que chegara a hora de Mubarak deixar o poder. Em seguida, as ansiadas e prometidas eleições livres tiveram lugar, e o inimigo declarado do Ocidente e um islâmico fanático, Mohammed Morsi, tornou-se no primeiro presidente eleito pelo povo na história do Egipto. Depois, os EUA decidiram que não o queriam na cadeira do poder independentemente da legalidade e da legitimidade moral da sua eleição, levando assim a administração Obama a incentivar um golpe militar.

E na Ucrânia, em 2004, a administração Bush fomentou a que ficou conhecida como a Revolução Laranja. Também isto foi um produto da acção dos nossos diplomatas e serviços de informações cujos agentes promoveram a agitação de manifestantes nas ruas enquanto lhes distribuíam, com liberalidade, dólares americanos. Isto resultou num processo eleitoral livre, e em subsequentes eleições livres, até que, nas mais recentes, foi eleito um presidente que - como ex-comunista - estava mais próximo da Rússia do que dos EUA ou da Europa.

Quando o governo da Ucrânia precisou de liquidez e a Rússia lhe proporcionou um acordo melhor do que a União Europeia, os nossos diplomatas imperiais e os gurus dos serviços de informações, que operam sem obediência à lei, ficaram envergonhados. E foi assim que os EUA fomentaram uma outra revolução nas ruas de Kiev. Um dos nossos diplomatas, Victoria Nuland, reconheceu isso mesmo numa conversa ao telemóvel, escutada e gravada (com um conteúdo enfaticamente colorido), que se tornou entretanto viral. Em seguida, Viktor Yanukovich, o popular e legitimamente eleito presidente da Ucrânia, foi derrubado do cargo e fugiu para Moscovo. O novo - e não eleito - presidente da Ucrânia obteve ajuda e o reconhecimento americano. No início desta semana, os EUA ofereceram-lhe mil milhões de dólares em dinheiro imediatamente mobilizável.

E eis que entra em cena Vladimir Putin. Ele é o presidente eleito pelo povo da Rússia, que tem projectos para reconstituir a antiga União Soviética. Putin é também um ex-agente do KGB; ele é um torturador, um assassino, um tirano e um monstro. Ele sempre lamentou o desaparecimento da ex-União Soviética. A Ucrânia fazia parte dessa união até à dissolução do império do mal, em 1991. Era a zona economicamente mais produtiva dessa união. Hoje, desfruta de um mercado que é, em boa medida, livre e muito empreendedor, embora seja, em parte, um estado social. Aproximadamente dois terços da da Ucrânia identifica-se com a Europa e um terço com a Rússia.

Depois de Yanukovich ter batido à porta de Putin em Moscovo, Putin flectiu os músculos e enviou 16 mil militares russos, com uniformes sem insígnias que usavam máscaras pretas (não é possível inventar-se isto), através da fronteira para ocupar a Crimeia, uma província da Ucrânia, que tinha sido parte da Rússia e da União Soviética até 1954.

A invasão de Putin é profundamente ilegal uma vez que envolve a introdução de tropas militares num território soberano sem que tenha havido consentimento ou convite do governo, e a ausência de insígnias de identificação coloca esta invasão fora das protecções das Convenções de Genebra e das leis da guerra. Daí que as tropas russas sejam, em termos legais, "inimigos legítimos" para as tropas ucranianas e milícias civis. Mas não se espere que isso venha a acontecer. A Rússia tem duas vezes o número de tanques da Ucrânia, 10 vezes o número de tropas e um poder aéreo 12 vezes superior.

Também não se espere que os russos venham a sair. A maioria dos moradores da Crimeia são falantes da língua russa e, na realidade, dão as boas-vindas aos seus invasores (e, novamente, não é possível inventar-se isto). E o historial de Putin em incursões no estrangeiro mostra um padrão de conservação dos territórios conquistados. Quando ele invadiu a Geórgia, em 2008, manteve duas províncias, que ainda permanecem ocupadas com mais de 40 mil inactivos e dispendiosos militares russos.

Os EUA e a Europa não estão em posição de resistir à invasão russa, nem o deveriam fazer [mesmo que pudessem - NT]. A Europa recebe cerca de 30% do seu petróleo, gás natural e carvão da Rússia. Se os EUA recorrerem à aplicação de sanções económicas à Rússia, os bancos norte-americanos irão sofrer, bem como os oligarcas russos e o povo russo, mas nenhum grupo irá sofrer tanto quanto os europeus que se tornaram dependentes dos combustíveis russos. E Putin é indiferente a constrangimentos pessoais ou ao sofrimento humano.

O objectivo declarado da invasão russa é o de proteger a etnia russa, a predominante na Crimeia, do destino de Yanukovich a que a turba o votou. À primeira vista, isto parece um absurdo. Mas considere o leitor o ponto de vista de Moscovo quanto à expulsão, induzida pelos americanos, do presidente eleito pelo povo da Ucrânia e próximo da Rússia. E, em seguida, considere o leitor o seguinte: que fariam os EUA caso os chineses tivessem fomentado uma revolução no México e lá tivessem instalado um governo amigo da China que solicitasse empréstimos à China e convidasse os chineses para ajudar na governação? Iriam os EUA proteger as gentes amigas dos americanos e falantes de Inglês ao longo da fronteira do Texas com o México?

E de que forma é que alguém nos EUA está prejudicado pela ilegalidade de Putin? Deve o governo dos Estados Unidos percorrer o mundo à procura de monstros para matar, ou deverá antes aprender com os seus recentes e graves erros? Há aproximadamente dois séculos atrás, o presidente John Quincy Adams advertiu os seus sucessores contra políticas externas que caracterizariam os anos de Bush e Obama. "Os americanos não devem ir ao estrangeiro à procura de monstros para destruir, que não compreendem, em nome da difusão da democracia".

Mas o governo é um cão velho que não consegue aprender truques novos.

2 comentários:

floribundus disse...

o verdadeiro sucesso 48de Putin

'Russos de todo o mundo, uni-vos!'

Eduardo Freitas disse...

Caro floribundus,

Confesso que me escapa o sentido da 1ª frase. Pode elucidar-me?

Saudações

Eduardo Freitas