sábado, 3 de maio de 2014

A grande ficção

Os portugueses, por larga democrática maioria, preferem a subida de impostos à alternativa da redução da despesa pública. À semelhança das crianças de Inês Teotónio Pereira, a esmagadora maioria dos portugueses é socialista (como aliás a interpretação autêntica da Constituição estipula). Em consequência, a probabilidade de que algum dia possamos vir a ter um governo com um programa ambicioso de redução dos impostos, viabilizado por uma equivalente redução da despesa do estado, é, sejamos claros, rigorosamente igual a zero.

Deste modo, o anúncio do mais recente aumento de impostos que desta vez e segundo o governo, “não se destina ao estado” mas a “proteger as pensões de amanhã” (!?) é apenas mais um episódio nos sucessivos incumprimentos da grande ficção que é o “estado social” e, em particular, do sistema de pensões que temos (apesar dos avisos insuspeitos e de existirem alternativas bem sucedidas).

6 comentários:

floribundus disse...

nunca fui fascista ou social-fascista.
sou obrigado desde 25.iv a viver na
república soviética do rectângulo

'mudam-se os tempos'
mudam-se os impostos e os credores.

a esquerda é constituída por 'esqueletos do armário'

enfim
'juramento de hipócritas'

LV disse...

Eduardo,

A ficção - tenho-lhe chamado narrativa, para o propósito de compreender a estrutura do guião que se vai levando a cabo - é grande. E convive com sinais dos seus episódios mais "avançados", digamos assim.
Pode a mudança ter começado a revelar-se? Desde a entrevista que aqui se publicou de WMidelkoop, ou a de JRickards que a hipótese de um recomeço do sistema financeiro estar eminente.
Será que já começou?
Vejam-se as seguintes ligações:

- A Alemanha emite a sua primeira bond em moeda chinesa - http://www.dw.de/frankfurt-issues-first-bond-backed-by-chinese-currency/a-17605819

- O FMI procede a um empréstimo à Ucrânia em SDR´s - http://www.imf.org/external/np/sec/pr/2014/pr14189.htm

Alguém pôde ver estes temas mencionados, analisados ou discutidos nos meios de comunicação convencionais?
Estejamos atentos.
Saudações,
LV

LV disse...

Escapou-me mais uma ligação útil para compor o cenário da nossa peça colectiva.
- BRICS desiludidos com FMI e Banco Mundial equacionam estrutura financeira mundial paralela - http://voiceofrussia.com/news/2014_05_01/BRICS-creating-parallel-Monetary-Fund-disillusioned-with-IMF-and-World-Bank-expert-0502/

LV

Pi-Erre disse...

Na minha opinião, quando se aborda o tema da Segurança Social, nomeadamente a questão das pensões, deveria começar-se pelo princípio e tentar obter resposta para algumas perguntas que me parecem pertinentes. Assim:
- Como, quem e porquê se institucionalizou a S. Social?
- Como foram criadas e como funcionavam as Caixas de Previdência privadas?
- Os primeiros contribuintes para essas Caixas de Previdência faziam descontos em favor de quem?
- Por que é que o Estado se intrometeu nesta área e, mais tarde, confiscou as Caixas de Previdência e os respectivos bens capitalizados?
- O que é que o Estado fez a esses bens? Como e por quem os distribuiu?
- Se o Estado não tem capacidade, nem competência para administrar a S. Social, por que é que não restaura as Caixas de Previdência e devolve os bens que confiscou?
.
Não tendo eu elementos suficientes para responder a estas questões, faço um apelo a quem seja capaz de o fazer. Muito obrigado.

LV disse...

Pi-Erre,

As perguntas que elencou são muito relevantes e, mais do que um artigo que lhes dê resposta (que não me atrevo a iniciar), elas abrem espaço importante de discussão acerca dos pressupostos que sustentam o actual estado da coisa política.
E sem decretar já o nado-morto (a possibilidade de discussão dos pressupostos políticos, bem entendido), receio que o medo de colocar certas hipóteses e soluções no declive da discussão crítica é tal que estas questões ficarão por responder.
Interessante seria, por exemplo, endereçar estas questões a alguns (ir)responsáveis políticos. E aguardar pela chuva de lugares-comuns e contradições.
E por aqui, algum leitor desejará guiar-nos nestas problemáticas?
LV

Eduardo Freitas disse...

Caro Pi-Erre,

Tenho abordado com insistência a temática das pensões no Espectador Interessado ("etiqueta" Segurança Social).

Recentemente fiz até eco dos resultados da experiência chilena que, como sabemos, se estriba numa filosofia de "capitalização" e não, como no nosso caso, de “repartição” ou, mais rigorosamente de pay-as-you-go). Na citação de Bismarck destacada está contida, assim o creio, e ainda que com cambiantes, a resposta à sua primeira pergunta no que respeita à intervenção estatal: “Como, quem e porquê se institucionalizou a S. Social?”

Agora, naturalmente, que os temas da protecção na doença, da invalidez precoce e da velhice precedem a iniciativa do príncipe prussiano. Em Portugal, por exemplo, remontam essencialmente à segunda metade do século XIX os primeiros passos significativos de mutualização em torno dos ofícios (predominantemente operários). Mas enquanto sistema patrocinado directa ou indirectamente pelo Estado, o marco é 1935. (Este breve documento permite historiar os passos fundamentais do sistema em Portugal e a sua cronologia).

Sabemos o que sucedeu: as pequenas e médias “caixas de previdência” de perímetro associado à profissão (v.g. “caixa dos jornalistas”) ou à actividade empresarial (v.g. "caixas dos ferroviários") foram na sua quase totalidade englobadas no sistema “único” estatal (a “caixa” dos advogados e solicitadores sobreviveu, até ver, à última grande “deglutinação” de 2011).

Que razões levaram a esta aglutinação? Creio que, no essencial, se destinaram a evitar a evidência insolvabilidade das mesmas na tesouraria. Isto é, trataram-se (salvo uma ou outra excepção) de bailouts. Afinal de contas, os esquemas de Ponzi independem da dimensão da pirâmide…

Coisa diferente sucedeu com a incorporação dos fundos de pensões de várias empresas (os reformados da banca foram os mais recente). Aqui o interesse do Estado foi o de acorrer às dificuldades de tesouraria correntes à altura ou outra cobertura de um problema de curto prazo, como seja o de evitar um “défice excessivo”, através do acesso às verbas anteriormente provisionadas (mesmo que de forma [largamente?] insuficiente). Ou seja, trocou-se a solução (?) de um problema de curto prazo agravando ainda mais o já existente.

O caminho percorrido até aqui não torna crível que, tão cedo, se verifique uma inversão. Temo que continuemos no caminho da "morte por mil cortes". O contínuo e progressivo incumprimento parcial dissimulado em embalagem de “reforma” ou “salvação” das reformas de amanhã.