segunda-feira, 26 de maio de 2014

Reflexão a-ante-após-até-com-contra-de-desde-em-entre-para-por-perante-sem-sob-sobre-trás

Um belíssimo texto do Prof. José Manuel Moreira cuja relevância surgirá a muitos, hoje, 2ª feira, de modo ainda mais vincado do que quando foi publicada na semana passada no Diário Económico. (Para alguns, todavia, a cegueira é de tal ordem que conseguem escrever um artigo de página inteira sobre as eleições de ontem na "Europa" sem "pronunciar", por uma vez que seja, a sigla UKIP.)
22 de Maio de 2014
José Manuel Moreira


As 120 medidas do Governo para inglês ver e os 80 compromissos do PS para o eleitor não ver, revelam o peso que os europeístas atribuem às eleições do dia 25.

José Manuel Moreira
Uma desvalorização bem acompanhada pela descrença do cidadão comum numa UE em crise económica, demográfica, social e política, que, no fundo, é reflexo da desorientação dos europeus: mergulhados numa gravíssima crise moral que vem de longe, e a que não é alheia o descrédito num Estado, que, não estando morto, está em processo de desmistificação.

Com uma abstenção a chegar aos 70%, o resultado ficará deslegitimado e a razão de quem acusa a nomenklatura, que controla o monstro, de detestar a democracia, perderá sentido. Basta dizer que um partido com 30% de votos, nem sequer representará 10% dos eleitores. Não será a indiferença do cidadão comum sinal de que o problema está mesmo no monstro e não na forma mais ou menos democrática do seu controle?


Desmistificação que cresceu com a descoberta de que, afinal, a redistribuição de rendimentos dos mais ricos para os mais pobres, é uma redistribuição de poder do indivíduo para o Estado. Beneficiando a burocracia, a classe política e todos os grupos de interesse instalados.

E que recrudesceu quando o povo sentiu que a redistribuição não tem valor normativo, apenas uma finalidade prática: a compra do consentimento das maiorias que, ingenuamente, pensam ser beneficiadas. Entretanto, o ataque fiscal à propriedade, à família e à poupança, em nome da realização de um ideal de bem-estar que requer abundantes recursos, foi destruindo a vida, a liberdade e a civilização.

Razão tinha Schumpeter: o orçamento, que cresce à custa da sociedade, é o esqueleto despojado de todas as ideologias enganadoras. É que, ao contrário do orçamento de uma família ou empresa, o orçamento do Estado calcula-se a partir dos gastos de que necessita para atender à suas necessidades. Contando-se logo que a imprudência e a demagogia façam o resto: dificultar e impedir, com as suas regulamentações, a iniciativa, a empresa e o futuro.

Descaminhos que, contudo, estão a permitir a cada vez mais pessoas descobrir a diferença entre duas tradições europeias: a genuína, ou romana: antiestatista e republicana, em que o público ou comum - o Governo, a Pátria, ou seja, a terra dos antepassados - pertence aos cidadãos. E a inovadora tradição hobbesiana, grega e estatista, e ainda republicana: no sentido em que os cidadãos pertencem à Cidade, ao Estado.

Uma inovação que do Estado totalitário, que era um tirânico Estado paternal, nos levou ao Estado de bem-estar, que é um tirânico Estado maternal. E agora ao Estado Minotauro, a última figura do Estado: um tirano andrógino. Será que no pós-noite de 25, recuperados do susto do eurofestival, vamos estar em melhores condições de saber se este será o Estado do futuro, o fim do Estado ou só um interregnum?

5 comentários:

LV disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LV disse...

Eduardo,

A julgar pelo pouco que ouvi na rádio a intenção não é verdadeiramente a de questionar o que quer que seja. Para isso não iam buscar as vozes de continuidade ideológica (todas elas com total conivência e responsabilidade no estado actual da coisa política).
A conversa é a mesma.
Seja Barroso a sombrear a recepção dos burocratas do BCE, abrindo assim a porta para o que o BCE tem de fazer. Ou seja, de que o fantasma do extremismo tem origem na "malvada crise que o capital" impõe aos directórios políticos por esse Europa fora e que, por isso, esta crise (a mesma que já se deu como morta dezenas de vezes) tem de ser combatida. Ora, isto é o que Draghi estava à espera de ouvir (lembram-se?: http://espectadorinteressado.blogspot.pt/2014/05/narrativa-omnipotente.html).
Ou então, a voz de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros a sublinhar que, e cito de memória, "é alarmante que a nação que deu à Europa os ideais da Liberdade, da Fraternidade e da Igualdade tenha uma ascensão a 25% de um partido racista…" e por aí fora.
Por isso, analisar a estrutura mais do que a conjuntura é algo que a esta gente "não assiste". Assim como assim, aplica-se a mesma receita de sempre (impressão de moeda, expansão de crédito e um estado cada vez maior a redistribuir recursos na senda da falaciosa igualdade) e adia-se por mais um pouco a constatação do problema.
E os ciclos partidários/políticos acertam o passo com esta dinâmica, num ciclo de legitimação absurda de uma mesma receita com caras diferentes. Arrisco que não são apenas os políticos, mas os empresários (banca, seguros, infra-estruturas entre outros de encosto à máquina do estado), comentadores oficiais e jornalistas a darem como boa esta táctica.
E assim se vão convencendo - todos - de que a vitória está já aí.

Posto isto, julgo que o dilema que José MMoreira assinala no fim do artigo é inexistente. O estado é andrógino e não pode deixar de o ser. A narrativa que o legitima tem também essa assassina ambiguidade. Não é de género, essa ambiguidade, ela resulta da evolução da natureza do projecto ideológico. Do esgotamento da justificação e responsabilidade moral dos seus agentes que, por isso, têm de parecer uma coisa e fazer outra.
E as distracções (eurofestivais barbados ou outra qualquer) que nos proporcionam vão atenuando essa constatação. Ganham tempo. Mas até quando?

Saudações críticas,
LV

RioD'oiro disse...

A grande conquista da "europa": a realidade existe porque existe europa.

floribundus disse...

'mim com muito esperto nos cabeça'
gostar muito da Europa que foi raptada por Zeus disfarçado de touro

os que 'têm um partido, têm o outro inteiro'

quando tomava notas sobre o séc xix
tinha com os nomes dos politicos por ordem 'cornológica'

o editor assustou-se quando viu o título
'manetas , pernetas e outros tretas'

o MONSTRO arrasta-se penosa e alegremente

até ver o lema é o da cidade de Paris que traduzo do latim
'baloiça, mas não se afunda'

JS disse...

"...Para alguns, todavia, a cegueira é de tal ordem..."

Afinal ele-ou-ela-os-as-los-las-lhes também estão formatados e de que maneira.

Eu-me-mim-migo pensava que só a esquerda era simplória.
Erro meu.

Vós-vos-vosco provavelmente também sorriram com o Ipiranga que os chauvinistas berraram aos Hunos -via Madame Le Pen-, sem falar UKIPiphurra para lá da mancha.

"The plot thickens".