Um belíssimo texto do Prof. José Manuel Moreira cuja relevância surgirá a muitos, hoje, 2ª feira, de modo ainda mais vincado do que quando foi publicada na semana passada no Diário Económico. (Para alguns, todavia, a cegueira é de tal ordem que conseguem escrever um artigo de página inteira sobre as eleições de ontem na "Europa" sem "pronunciar", por uma vez que seja, a sigla UKIP.)
22 de Maio de 2014
José Manuel Moreira
As 120 medidas do Governo para inglês ver e os 80 compromissos do PS para o eleitor não ver, revelam o peso que os europeístas atribuem às eleições do dia 25.
Uma desvalorização bem acompanhada pela descrença do cidadão comum numa UE em crise económica, demográfica, social e política, que, no fundo, é reflexo da desorientação dos europeus: mergulhados numa gravíssima crise moral que vem de longe, e a que não é alheia o descrédito num Estado, que, não estando morto, está em processo de desmistificação.
José Manuel Moreira
Com uma abstenção a chegar aos 70%, o resultado ficará deslegitimado e a razão de quem acusa a nomenklatura, que controla o monstro, de detestar a democracia, perderá sentido. Basta dizer que um partido com 30% de votos, nem sequer representará 10% dos eleitores. Não será a indiferença do cidadão comum sinal de que o problema está mesmo no monstro e não na forma mais ou menos democrática do seu controle?
Desmistificação que cresceu com a descoberta de que, afinal, a redistribuição de rendimentos dos mais ricos para os mais pobres, é uma redistribuição de poder do indivíduo para o Estado. Beneficiando a burocracia, a classe política e todos os grupos de interesse instalados.
E que recrudesceu quando o povo sentiu que a redistribuição não tem valor normativo, apenas uma finalidade prática: a compra do consentimento das maiorias que, ingenuamente, pensam ser beneficiadas. Entretanto, o ataque fiscal à propriedade, à família e à poupança, em nome da realização de um ideal de bem-estar que requer abundantes recursos, foi destruindo a vida, a liberdade e a civilização.
Razão tinha Schumpeter: o orçamento, que cresce à custa da sociedade, é o esqueleto despojado de todas as ideologias enganadoras. É que, ao contrário do orçamento de uma família ou empresa, o orçamento do Estado calcula-se a partir dos gastos de que necessita para atender à suas necessidades. Contando-se logo que a imprudência e a demagogia façam o resto: dificultar e impedir, com as suas regulamentações, a iniciativa, a empresa e o futuro.
Descaminhos que, contudo, estão a permitir a cada vez mais pessoas descobrir a diferença entre duas tradições europeias: a genuína, ou romana: antiestatista e republicana, em que o público ou comum - o Governo, a Pátria, ou seja, a terra dos antepassados - pertence aos cidadãos. E a inovadora tradição hobbesiana, grega e estatista, e ainda republicana: no sentido em que os cidadãos pertencem à Cidade, ao Estado.
Uma inovação que do Estado totalitário, que era um tirânico Estado paternal, nos levou ao Estado de bem-estar, que é um tirânico Estado maternal. E agora ao Estado Minotauro, a última figura do Estado: um tirano andrógino. Será que no pós-noite de 25, recuperados do susto do eurofestival, vamos estar em melhores condições de saber se este será o Estado do futuro, o fim do Estado ou só um interregnum?
5 comentários:
Eduardo,
A julgar pelo pouco que ouvi na rádio a intenção não é verdadeiramente a de questionar o que quer que seja. Para isso não iam buscar as vozes de continuidade ideológica (todas elas com total conivência e responsabilidade no estado actual da coisa política).
A conversa é a mesma.
Seja Barroso a sombrear a recepção dos burocratas do BCE, abrindo assim a porta para o que o BCE tem de fazer. Ou seja, de que o fantasma do extremismo tem origem na "malvada crise que o capital" impõe aos directórios políticos por esse Europa fora e que, por isso, esta crise (a mesma que já se deu como morta dezenas de vezes) tem de ser combatida. Ora, isto é o que Draghi estava à espera de ouvir (lembram-se?: http://espectadorinteressado.blogspot.pt/2014/05/narrativa-omnipotente.html).
Ou então, a voz de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros a sublinhar que, e cito de memória, "é alarmante que a nação que deu à Europa os ideais da Liberdade, da Fraternidade e da Igualdade tenha uma ascensão a 25% de um partido racista…" e por aí fora.
Por isso, analisar a estrutura mais do que a conjuntura é algo que a esta gente "não assiste". Assim como assim, aplica-se a mesma receita de sempre (impressão de moeda, expansão de crédito e um estado cada vez maior a redistribuir recursos na senda da falaciosa igualdade) e adia-se por mais um pouco a constatação do problema.
E os ciclos partidários/políticos acertam o passo com esta dinâmica, num ciclo de legitimação absurda de uma mesma receita com caras diferentes. Arrisco que não são apenas os políticos, mas os empresários (banca, seguros, infra-estruturas entre outros de encosto à máquina do estado), comentadores oficiais e jornalistas a darem como boa esta táctica.
E assim se vão convencendo - todos - de que a vitória está já aí.
Posto isto, julgo que o dilema que José MMoreira assinala no fim do artigo é inexistente. O estado é andrógino e não pode deixar de o ser. A narrativa que o legitima tem também essa assassina ambiguidade. Não é de género, essa ambiguidade, ela resulta da evolução da natureza do projecto ideológico. Do esgotamento da justificação e responsabilidade moral dos seus agentes que, por isso, têm de parecer uma coisa e fazer outra.
E as distracções (eurofestivais barbados ou outra qualquer) que nos proporcionam vão atenuando essa constatação. Ganham tempo. Mas até quando?
Saudações críticas,
LV
A grande conquista da "europa": a realidade existe porque existe europa.
'mim com muito esperto nos cabeça'
gostar muito da Europa que foi raptada por Zeus disfarçado de touro
os que 'têm um partido, têm o outro inteiro'
quando tomava notas sobre o séc xix
tinha com os nomes dos politicos por ordem 'cornológica'
o editor assustou-se quando viu o título
'manetas , pernetas e outros tretas'
o MONSTRO arrasta-se penosa e alegremente
até ver o lema é o da cidade de Paris que traduzo do latim
'baloiça, mas não se afunda'
"...Para alguns, todavia, a cegueira é de tal ordem..."
Afinal ele-ou-ela-os-as-los-las-lhes também estão formatados e de que maneira.
Eu-me-mim-migo pensava que só a esquerda era simplória.
Erro meu.
Vós-vos-vosco provavelmente também sorriram com o Ipiranga que os chauvinistas berraram aos Hunos -via Madame Le Pen-, sem falar UKIPiphurra para lá da mancha.
"The plot thickens".
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