Encaro a secessão como um direito conexo ao direito natural (*) quer no plano das nações quer no plano individual que se poderá traduzir no direito a ser deixado em paz. Tenho assim por essencialmente benévola a leitura dos acontecimentos na Crimeia como de resto sucede quanto a outros processos secessionistas hoje em curso, até agora conduzidos por meios essencialmente pacíficos, como é o caso da Escócia, da Catalunha, de Veneza ou mesmo... de Vigo.
Se por momentos nos lembrarmos que: a própria América nasceu de um processo secessionista a cuja justeza se alude veementemente na Declaração de Independência; que Woodrow Wilson, nomeadamente no seu famoso discurso dos "quatorze pontos", impôs promoveu o estilhaçar dos impérios dos Hohenzollern e Habsburgos e redesenhou fronteiras e criou países em nome da "libertação dos povos" da Europa (pulverizando extensas populações germânicas pelo caminho...) e que o que aconteceu no Kosovo, em 1999, não caiu totalmente no esquecimento, parece-me difícil sustentar um outro ponto de vista. Tanto mais que a única alternativa enunciada, de forma ínvia ou desabrida, é o acentuar do cerco geopolítico (via NATO) à Rússia. E bem sabemos a que conduziu a política do cerco às potências centrais na Europa nos anos que antecederam a I Guerra Mundial.
Pat Buchanan, com a sua habitual frieza analítica e excelente memória histórica, é uma leitura particularmente aconselhável nos domínios da política externa quando as emoções (e a propaganda) se pretendem sobrepôr à razão. Daí o convite ao leitor que adiante se segue, resultado da tradução, da minha responsabilidade, deste texto de Buchanan.
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(*) Para uma incursão de índole filosófica neste tema, atente-se neste artigo de David Gordon ou nesta entrada da Wikipedia.
Pat Buchanan, com a sua habitual frieza analítica e excelente memória histórica, é uma leitura particularmente aconselhável nos domínios da política externa quando as emoções (e a propaganda) se pretendem sobrepôr à razão. Daí o convite ao leitor que adiante se segue, resultado da tradução, da minha responsabilidade, deste texto de Buchanan.
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(*) Para uma incursão de índole filosófica neste tema, atente-se neste artigo de David Gordon ou nesta entrada da Wikipedia.
17 de Março de 2014
Por Patrick J. Buchanan
Quem é e o que é Vladimir Putin? (Who and What is Vladimir Putin?)
Vladimir Putin parece ter perdido o sentido da realidade, terá dito Angela Merkel a Barack Obama após ter falado com o presidente russo. Ele está "num outro mundo". "Concordo com o que Angela Merkel disse... que ele vive num outro mundo", declarou Madeleine Albright, "Isso não faz nenhum sentido". John Kerry deu o seu contributo para esta tonta teoria insinuando que Putin estava a seguir os passos de Napoleão: "Muito simplesmente, não é possível, no século XXI, comportar-se à moda do século XIX ao invadir um outro país sob um pretexto completamente forjado."
Agora que Putin assumiu o controlo da Crimeia sem disparar um tiro, e que 95% do eleitorado da Crimeia votou no Domingo pela reintegração na Rússia, será que as suas decisões continuam a parecer irracionais? Não seria previsível que a Rússia, uma grande potência que tinha acabado de ver o seu vizinho ser puxado para fora da órbita da Rússia por um golpe apoiado pelos EUA em Kiev, iria reagir para proteger uma posição estratégica no Mar Negro que mantém há dois séculos? Zbigniew Brzezinski sugere que Putin tem por objectivo recriar o império czarista. Outros dizem que Putin pretende recriar a União Soviética e o Império Soviético.
Patrick J. Buchanan
Mas por que razão a Rússia, hoje envolvida em sangrentas guerras secessionistas com terroristas muçulmanos nas províncias do norte do Cáucaso da Chechénia, do Daguestão e da Ingúchia, quereria invadir e reanexar o gigante Cazaquistão, ou qualquer outra república muçulmana da antiga URSS, o que garantiria a intervenção jihadista e uma guerra interminável? Se nós, americanos, queremos sair do Afeganistão, por que quereria Putin voltar ao Uzbequistão? Por que quereria ele anexar a Ucrânia Ocidental onde o ódio à Rússia remonta à fome organizada da era stalinista? A invasão e ocupação de toda a Ucrânia implicaria para Moscovo incorrer em custos infindáveis em sangue e dinheiro, a inimizade da Europa, e a hostilidade dos Estados Unidos. Qual seria o objectivo da Rússia, cuja população está a diminuir à razão de meio milhão por ano, de pretender voltar a ter soldados russos em Varsóvia?
Mas se Putin não é um imperialista russo que visa restabelecer o domínio russo sobre os povos não-russos, quem é e o que é ele?
No entender do autor destas linhas, Vladimir Putin é um etno-nacionalista da "terra e do sangue" e do "altar e trono" que se vê a si próprio como Protector da Rússia e olha para os russos no estrangeiro da forma que os israelitas olham para os judeus no estrangeiro, como pessoas cuja segurança é da sua legítima preocupação. Considere-se o mundo que Putin viu, sob o seu ponto de vista, quando assumiu o poder após a década de Boris Ieltsin. Viu uma Mãe Rússia que havia sido saqueada pelos oligarcas instigados pelos capitalistas de compadrio ocidentais, neles se incluindo os americanos. Viu milhões de russos étnicos serem deixados para trás, "encalhados", dos estados bálticos ao Cazaquistão. Viu os Estados Unidos que haviam enganado a Rússia com o seu compromisso de não fazer avançar a NATO para a Europa Oriental se o Exército Vermelho saísse, e que em seguida explorou a retirada da Rússia para levar a NATO até à sua varanda da frente.
Tivessem os neocons conseguido o que pretendiam, não apenas os países do Pacto de Varsóvia da Europa Central e Oriental, mas também cinco das quinze repúblicas da URSS, incluindo a Ucrânia e a Geórgia, teriam sido levadas para a aliança da NATO criada para conter e, em caso de necessidade, lutar contra a Rússia. Quais os benefícios que obtivemos de termos a Estónia e a Letónia como aliados da NATO que justificam a perda da Rússia como a amiga e parceira que Ronald Reagan tinha conseguido com o fim da Guerra Fria? Perdemos a Rússia, mas ficámos com a Roménia como aliada? Quem é que está a ser irracional aqui?
Não poderemos nós, americanos, que, com a nossa Doutrina Monroe, declarámos todo o hemisfério ocidental fora da esfera de influência dos impérios europeus - "Fiquem do vosso lado do Atlântico!" - compreender como um nacionalista russo como Putin poderia reagir à presença de aviões F-16 e mísseis anti-balísticos americanos no mar Báltico oriental? Em 1999, bombardeámos a Sérvia durante 78 dias, ignorando os protestos de uma Rússia que tinha entrado em guerra em defesa da Sérvia em 1914. Nós explorámos uma resolução do Conselho de Segurança autorizando-nos a ir em ajuda de líbios ameaçados em Benghazi para lançar uma guerra e derrubar o regime líbio. Ajudámos militarmente os rebeldes sírios e apelámos ao derrube de um regime sírio que há décadas que é aliado da Rússia.
No final da Guerra Fria, escreve o ex-embaixador em Moscovo Jack Matlock, 80% dos russos tinham uma opinião favorável dos EUA. Uma década depois, 80% dos russos eram anti-americanos. Isso foi antes de Putin, cuja apreciação positiva da opinião pública está agora em 72% porque ele é visto como tendo enfrentado os americanos e respondido ao nosso golpe em Kiev com o seu contragolpe na Crimeia. A América e a Rússia estão hoje em rota de colisão devido a uma questão - qual a bandeira que será desfraldada em que partes da Ucrânia - que nenhum presidente da Guerra Fria, de Truman a Reagan, teria considerado ser da nossa conta.
Se o povo da Ucrânia Oriental deseja formalizar os seus laços históricos, culturais e étnicos com a Rússia, e o povo da Ucrânia Ocidental deseja cortar todos os laços com Moscovo e aderir à União Europeia, por que não resolver isto politicamente, diplomaticamente e democraticamente, através do recurso às urnas?
7 comentários:
Putin comprou dívida dos falidos eua de hussein
tem ouro, petróleo e apoio das forças armadas
precisa da Crimeia para atacar o sul muçulmano da Federação
a europa está de cócoras
limita-se conjuntamente às fanfarronadas para contribuinte ouvir
'-segurem-me ou faço uma desgraça'
Os americanos tem memória curta.
Veja-se o exemplo do Texas e Califórnia.
" ... por que não resolver isto politicamente, diplomaticamente e democraticamente, através do recurso às urnas?".
Sim, mas ter conseguido a independência(?), ou re-anexação(?), da Crimeia, atravéz de um sufrágio musculadamente imposto dá muito mais pontos a um "líder".
Um genuíno líder, assumido, forte, teria sim, calmamente deslocado forças policias, claramente identificadas, de cara destapada, negociando o gesto localmente e com a comunidade internacional.
Uma operação "ordenada".
Um (ex)KGB teve que fazer à sua maneira, uma pseudo "couvert operation", com sucesso garantido á partida. Ridículo. E arrastou para este ímbróglio a tropega diplomacia dos EUA e uma pouco convicta "Europa".
Que este incidente -como bem se assinala no "post"- fruto de disparidades étnicas, fronteiras regionais artificias, (moedas comuns impropriamente organizadas?), tudo politicamente imposto, seja exemplarmente aproveitado.
" ... por que não resolver isto politicamente, diplomaticamente e democraticamente, através do recurso às urnas?".
Independências, anexações, saídas ordenadas.
Bom post, boa tradução.
ainda bem que há quem mostre alguma racionalidade e se afaste da propaganda hipocrita dos amercianos/ongleses e estranhamente secundados pelo coro dos dirigenets da UE.
O que será que as pessoas não percebem na frase : muitos povos da Ucrania falam russo, sao russos e querem juntar-se a Federação russa.
teorias fantasiosas com propaganda estilo voz da america é fazer das pessoas tolas; hoje há muita informação, basta comparar argumentos e pensar pela propria cabeça.
Caro Floribundus,
Que Vladimir Putin não é flor que se cheire, só aos distraídos poderá provocar surpresa. Mas para dizer a verdade, em matéria de hipocrisia, tem muito quem o bata a larguíssima distância.
Caro Vivendi,
A memória histórica da clique de Washington é de facto, de há muito, extremamente selectiva.
Caro JS,
Putin "arrastou" ou terá antes tirado partido do "arrastamento" de outros fazendo render as suas reconhecidas capacidades de judoca?
Caro Larry Mars,
Obrigado pela gentileza.
Caro António Cristóvão,
Partilho das observações que faz embora não ache nada de "estranho" no comportamento da clique que governa a "Europa".
Saudações a todos e obrigado pela vossa participação.
Eduardo Freitas
Putin não é um (redundância) etno-nacionalista.pelo contrario,ele alem de não ser, persegue,proibi e prende quem o é.desde que chegou ao poder, leis que que punem o "discurso de de ódio" foram estabelecidas para punir os críticos da imigração em massa (a Russia ´´e o pais do mundo que mais recebe imigrantes),partidos políticos nacionalistas foram extinguidos e seus lideres e varios seguidores presos .
putin ate mesmo criou um movimento "anti racista" vulgo nach que visa promover o multirracialismo e assimilação na Russia europeia .
Putin disse certa vez que quem acredita em uma Russia russa é um idiota.
hoje,graças a putin, moscou é uma cidade onde os russos/eslavos são apenas 30% da população.putin transformou moscou em uma cidade não europeia em apenas 15 anos .
os russos/eslavos são apenas 40% da Russia e a natalidade dos mesmos esta abaixo da linha de reposição.
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