sexta-feira, 24 de maio de 2013

Quem vai pagar as reformas de amanhã?

Nos últimos dias, dei conta de uma intervenção de Daniel Bessa, desassombrada para os nossos costumes,  onde o ex-ministro da Economia de Guterres enuncia a verdade dura e crua: a Segurança Social, tal como tem existido entre nós, é um esquema piramidal, em tudo semelhante ao que a "Dona Branca" manteve nos inícios dos anos oitenta do século passado (ou, mais recentemente, Bernie Madoff). Nas palavras de Bessa, citado pelo Económico, "A Segurança Social foi [é] uma coisa muito parecidaEncarregou-se de distribuir pelos que estão dentro o dinheiro dos que estão a chegar".

Imagem retirada daqui

Mas se a já então anciã, na altura também conhecida como a "banqueira do povo", foi parar à cadeia acusada de fraude, não creio que o mesmo vá suceder àqueles que, ao longo de décadas, vêm (e continuam) sustentando o insustentável, assim promovendo, por acção ou omissão, uma fraude legalizada - e compulsória -, só possível pelo facto de ser praticada pelo próprio estado.

Na mesma intervenção, Daniel Bessa classifica a questão da Segurança Social como "a mais difícil de todas" até porque o país estará "desgraçado" se "transportar para dentro do Orçamento de Estado este problema". Um bom conselho que todavia, creio, continuará a não ser ouvido no "arco do poder". O mais provável, por mera cobardia política, será prosseguir no percurso do incumprimento parcial sucessivo, de quando em vez anunciando mais uma qualquer "reforma" para "salvar" as pensões, eufemismo para designar a diminuição dos seus montantes.

Basta um simples olhar à tesouraria da Segurança Social para constatar que a totalidade das receitas provenientes das quotizações e contribuições já não chega para pagar sequer as pensões de velhice, invalidez e sobrevivência. Nos primeiros quatro meses do ano, conforme se pode ler aqui, aquelas representaram apenas 83% destas (97% no período homólogo de 2012). Na realidade, já há muito que se "transportou para o OE" o problema, pelo que o famigerado "excedente" da Segurança Social, tantas vezes propalado pelos que persistem em não querer ver, apenas é possível à custa das crescentes transferências do OE para o sistema da Segurança Social. E isto mesmo com sucessivo recurso a paliativos, como sejam as sucessivas transferências de fundos de pensões, prática que vem desde Sousa Franco! A trágica ironia reside no facto de o estado, ao recorrer a capital acumulado, cuja finalidade era a de responder a necessidades futuras, para suprir necessidades de curto prazo (por exemplo, para pagar dívidas em atraso), está literalmente a "torrá-lo" e, consequentemente, a acelerar a implosão do sistema.

5 comentários:

Unknown disse...

A questão da segurança social tem sido discutida com pouca seriedade e bastante desinformação. Constatei que o Daniel Bessa aderiu ao movimento dos que nos querem fazer crer que a Segurança Social é um esquema de Ponzi ou D. Branca à portuguesa.A afirmação do Daniel Bessa - "A Segurança Social foi [é] uma coisa muito parecida. Encarregou-se de distribuir pelos que estão dentro o dinheiro dos que estão a chegar" - não é correcta, pois, no esquema actual, é financiada não pelos que estão a chegar ao mercado de trabalho, mas por todos os que lá estão. E, se na situação actual, há um desequilíbrio entre os activos e os pensionistas que ameaçam a sua sustentabilidade, nem sempre tal aconteceu... Há que discutir, por isso, a questão de como resolver esta questão, mas discutir com seriedade e sem criar mais um tema em que se confronta os cidadãos com a inevitabilidade e ausência de alternativas, virando as gerações novas contra as mais velhas, os activos contra os inactivos. As ameaças ao sistema público de pensões são uma ameaça à liberdade.

Filipe Silva disse...

A Isabel Costa esta completamente equivocada o Eduardo no seu blog (que eu venho ver todos os dias), já explicou de forma cabal o que neste post afirma.

É um esquema insustentável, um sistema Ponzi (o primeiro burlão em grande).

O sistema não é capitalizado, as pessoas são coagidas (não é dado a liberdade a ninguém de escolha) a contribuir para o sistema, como temos assistido nos últimos anos, as pensões de hoje, são menores do que eram as pensões dos que se reformaram há 15anos em iguais circunstâncias.

O sistema é paternalista, os politicos dizem que sabem o que é melhor para as pessoas, que estas não sabem como precaver o futuro, o Pai Estado é que tem de gerir.

Para não falar no caso de que os politicos andaram a dar pensões e subsidios a quem nunca contribuiu para o sistema (os chamado não contributivos).

O Sistema é simples, na sua base, os que trabalham pagam as pensões dos aposentados.

Vejamos o caso dos fundos de pensões da banca, o Estado fica com os descontos e depois corta as pensões, efectuando um real roubo, mas é o Estado no problem.

Eduardo Freitas disse...

Cara Isabel Costa

Gostaria desde logo de lhe agradecer o seu comentário e de lhe dar as boas-vindas a este blogue.

Mas, cumprida a regra elementar de etiqueta, permita-me discordar frontalmente do seu comentário, a começar pela sua primeira afirmação. De todo posso concordar que o tema da Segurança Social tenha sido discutido (pelo menos publicamente). Pelo contrário: o que é notável é a ausência da discussão pública sobre este tema, a começar pelos políticos do "arco do poder".

Porque esta não é apenas uma questão ideológica. Tal como a dívida, é também uma questão de aritmética e por isso inapelável e inescapável. Num sistema de "pay as you go" como é o nosso, os governantes podem fazem hoje todas as promessas que entendam sobre o que acontecerá amanhã - quando já cá não estiverem. Por exemplo, Vieira da Silva fez duas "reformas" do sistema em 10 anos, uma como secretário de Estado de Guterres outra como ministro da Segurança Social com Sócrates. Cada uma delas foi apresentada como a "salvação" do regime de pensões com o "sucesso" a que assistimos – a contínua degradação financeira do sistema apesar das sucessivas reduções da taxa de substituição das pensões.

A caracterização de um sistema desta natureza como um esquema Ponzi não constitui uma ameaça à democracia nem pretende pôr novos contra velhos. É apenas falar verdade, constatar o óbvio e chamar o “boi pelo nome”. Todo o edifício assenta na expectativa que as gerações de amanhã possam e queiram pagar as pensões dos então futuros reformados. Se assim não fosse, o estado inscreveria na sua contabilidade, tal como obriga uma qualquer empresa afazê-lo, o montante das responsabilidades futuras em que já incorreu (como era o caso dos fundos de pensões). Por que não o faz?

Melhores cumprimentos

Unknown disse...

Quando afirmo (e mantenho) que esta questão tem sido discutida com pouca seriedade, estou-me a referir desde logo aos políticos e partidos do “arco do poder” e ao governo, em particular. A situação a que chegámos é da sua responsabilidade, tanto hoje como no passado. Não pode este governo comportar-se como “virgem pudica” que nada tem a ver com o assunto. Aliás, este governo continua a olhar para a Segurança Social como o fundo de maneio a que pode recorrer quando está financeiramente aflito (cfr. as notícias de aumentar para 90% a parte de dívida pública portuguesa no Fundo de Estabilização da Seg social ou as transferências de fundos de pensões dos bancários para realização de receitas extraordinárias) ao mesmo tempo que pretende desresponsabilizar-se das obrigações do Estado para com o sistema (SS e CGA): se os governos não inscreveram no passado o montante de responsabilidades futuras em que incorreram, não decorre daí que estas não existam, pois elas existem, mesmo que não tenham sido contabilizadas como dívida pública. Argumentar à partida que estamos no sistema insustentável do “pay as you go”, é branquear essa dívida, anulá-la, é branquear a existência de de políticas redistributivas financiadas por contribuições da segurança social, em vez de por impostos, é branquear a não contribuição da entidade patronal Estado para a CGA, é branquear que as pensões/subsídios pagas pela CGA aos políticos ou a pessoas com cargos de nomeação política (e ainda persistem os seus privilégios, não tendo ainda sido alterada por exemplo o privilégio de atribuição de pensão aos membros do Tribunal Constitucional ao fim do mandato de 10 anos) têm que ser financiadas também por impostos. Ou seja, há que desagregar os dados, distinguir os regimes contributivos dos não contributivos, estimar a dívida do Estado à SS e CGA, analisar qual é de facto a situação e estudar como a resolver, sem branquear a responsabilidade dos políticos e desresponsabilizar o Estado face ao regime contributivo da SS e CGA. Há que discutir, também, como queremos desenhar a SS no futuro e o modo de a financiar, mas fazê-lo de forma séria, com as opções colocadas à escolha dos cidadãos, em vez de nos fecharmos em determinismos (catastrofistas) como aqueles que hoje nos apresentam!

Eduardo Freitas disse...

Cara Isabel Costa,

"...[S]e os governos não inscreveram no passado o montante de responsabilidades futuras em que incorreram, não decorre daí que estas não existam..."

Nada contra esta asserção, muito pelo contrário. Aliás, a tese que sustento para explicar essa prática - a do não reconhecimento quantificado (contabilístico) do valor actual das suas responsabilidades futuras - é só uma: a de pretender ocultar a dimensão do desastre para que inexoravelmente caminhamos, numa atitude que só se pode caracterizar de procrastinação esquizofrénica, ao invés de encarar o problema de frente e encontrar verdadeiras soluções de longo prazo e não apenas meros remendos.

Quanto à "dívida" do estado para com a Segurança Social, observe-se o seguinte:

1) Há muito, como brevemente aludi no post, que o orçamento da Segurança Social vem sendo (crescentemente) financiado por transferências directas (de índole não-contributivas) inscritas nos sucessivos OE;
2) É certo que será sempre possível sustentar que essas transferências deveriam ser maiores do que têm sido mas isso só significaria que os impostos teriam que ser ainda maiores do que já são;
3) Admito que se possa argumentar que o descrito em 2) não terá necessariamente de ocorrer caso fosse possível acabar com fenómenos como a "evasão fiscal", o planeamento fiscal "agressivo" das empresas ou a existência das diabolizadas "offshores".

Relativamente a este último aspecto acrescentaria: a) não me custa admitir que a evasão fiscal diminua tanto mais significativamente (em valores absolutos) quanto menos empresas houver; b) e se existem avultadas verbas nas “offshores” / “paraísos fiscais”, elas serão muito provavelmente resultado de um (longo) processo de acumulação. Ora, tal como se ensina nas primeiras aulas de finanças, uma empresa deve financiar o investimento com capitais a longo prazo (alheios ou próprios) enquanto o financiamento da despesa corrente (pagar salários, por exemplo), deve ser efectuado através das receitas correntes (vendas). A analogia com os fundos de pensões transferidos para a Segurança Social – já completamente “torrados” (incluindo os mais recentes da banca) – parece-me evidente, bem como as respectivas consequências.

Cumprimentos