sábado, 28 de dezembro de 2013

Mises e a defesa da família

Minha tradução do texto de Llewellyn H. Rockwell, Jr., Mises on the Family, que muito fica a dever àquela outra levada a cabo por Leandro Roque
G. K. Chesterton dizia que a família era uma instituição anarquista. Queria ele dizer que a sua formação não depende de nenhuma acção do estado. A sua existência flui das realidades fixadas na natureza do homem, com a forma aperfeiçoada pelo desenvolvimento de normas sexuais e pelo avanço da civilização.

Esta observação é consistente com a brilhante discussão sobre a família que Ludwig von Mises levou a cabo na sua obra-prima Socialism [link], publicada pela primeira vez em 1922. Por que razão Mises abordou a família e o casamento num livro de economia que refutava o socialismo? Ele compreendeu - ao contrário do que sucede com muitos economistas de hoje - que os opositores da sociedade livre têm uma ampla agenda que normalmente começa com um ataque a esta absolutamente crucial instituição burguesa.

Imagem retirada daqui
"De há muito que propostas para transformar a relação entre os sexos andam de mãos dadas com planos para a socialização dos meios de produção", observa Mises. "O casamento é para desaparecer juntamente com a propriedade privada... O socialismo promete não apenas o bem-estar - riqueza para todos - mas também a felicidade universal no amor."

Mises observou que Woman and Socialism [link], de August Bebel [um dos fundadores do SPD alemão], um hino ao amor livre publicado em 1892, foi o panfleto esquerdista mais lido do seu tempo. Este elo de ligação do socialismo à promiscuidade tinha um propósito táctico. Acaso não se acreditasse na fantasia da prosperidade surgida de um passe de mágica, pelo menos poderia haver a esperança numa libertação da responsabilidade sexual e da maturidade.

Os socialistas propunham um mundo no qual não haveria impedimentos sociais ao prazer pessoal ilimitado, em que a família e a monogamia seriam os primeiros obstáculos a derrubar. Poderia este plano funcionar? Sem hipótese, sustentou Mises: o programa socialista para o amor livre é tão impossível quanto o seu programa económico. Ambos contrariam as restrições inerentes ao mundo real.



A família, como a estrutura da economia de mercado, é um produto não de um objectivo político mas de uma associação voluntária, tornada necessária pelas realidades biológicas e sociais. O capitalismo reforçou o casamento e a família pois ele insistia no consentimento em todas as relações sociais.

A família e o capitalismo partilham assim um fundamento ético e institucional comum. Ao tentar aboli-los, os socialistas substituiriam uma sociedade baseada em contratos por uma outra baseada na violência. O resultado seria o colapso social total.

Quando os socialistas democráticos Sidney e Beatrice Webb [link] viajaram à União Soviética, uma década após o lançamento do livro de Mises, relataram uma realidade diferente. Eles encontraram mulheres, libertas do jugo da família e do casamento, a viver vidas felizes e realizadas. Tratava-se de uma fantasia - na verdade uma mentira obscena - tal como a alegação de que a sociedade soviética se estava a tornar na mais próspera da história.

Hoje, nenhum intelectual mentalmente são defende o socialismo económico total. Porém, uma versão atenuada da agenda socialista relativa à família constitui a força motriz de boa parte da política social nos EUA. Esta é uma agenda que anda de mãos dadas com as restrições ao funcionamento da economia de mercado noutras áreas.

Não foi por acaso que a ascensão do amor livre nos EUA acompanhou a ascensão e o completo desenvolvimento do estado assistencialista. Os objectivos da emancipação do trabalho (e da poupança e do investimento) e da emancipação da nossa natureza sexual resultam de um impulso ideológico semelhante: superar as realidades fixadas pela natureza. O resultado foi que a família sofreu, tal como Mises previra que iria suceder.

Embora os defensores da família e os defensores do capitalismo devessem estar unidos numa única agenda política para esmagar o estado intervencionista, tipicamente não é isso que sucede. Os defensores da família, até mesmo os conservadores, frequentemente condenam o capitalismo como uma força alienante e advogam políticas mal avisadas como tarifas aduaneiras, monopólios sindicais e rendimentos mínimos para pessoas casadas.

Em simultâneo, os defensores da livre iniciativa mostram pouco interesse nas genuínas preocupações dos defensores da família. E nenhum dos campos parece interessado no ataque radical à liberdade e à vida familiar que políticas governamentais como a legislação sobre o trabalho infantil, a escola pública, a segurança social, impostos elevados e a medicina socializada representam. Na visão de Mises, esta é uma fractura desnecessária.

"Não foi por acaso que a proposta de tratar os homens e mulheres como radicalmente iguais, de pôr o estado a regular as relações sexuais, de pôr os bebés em infantários públicos à nascença e de assegurar que as crianças e os pais permanecessem praticamente desconhecidos uns dos outros se tenha originado com Platão", que em nada se preocupava com a liberdade.

Também não constitui um acidente que essas mesmas propostas nos dias de hoje sejam defendidas por pessoas que têm pouco ou nenhum respeito pela família ou pelas leis económicas.

4 comentários:

Lura do Grilo disse...

Excelente .. nestes tempos de mistificação de tudo e em que o progressismo significa desmantelar tudo o que funcionava. Coloquei uma referência no meu blogue

BC disse...

Reduzir a família à unidade monogâmica clássica pai-mãe-filhos é castrador de liberdade e ultrapassado. Assim como não faz sentido associar essa visão ao capitalismo.

Existem pessoas que se identificam com o socialismo e são profundamente conservadoras no que diz respeito à família (a esmagadora maioria dos portugueses) assim como existem pessoas que defendem o capitalismo e recusam a fórmula clássica da família como única e até a ideal.

Pessoalmente defendo liberdade total quer na economia quer nas relações familiares. Por isso acho que cabe a cada indivíduo ter a vida familiar em que se sinta mais feliz sem ter que seguir padrões impostos por uma sociedade toldada por imposições religiosas tiranas.

Eduardo Freitas disse...

Caro BC,

É naturalmente livre de defender o que bem entende pelo que lhe ficaria bem reconhecer esse mesmo direito - natural, de resto - naqueles que não pensam da mesma forma. Nomeadamente em questões de moral.

Quanto ao paralelo que se se estabelece no texto entre família e capitalismo, ele é tributário da frase inicial: "G. K. Chesterton dizia que a família era uma instituição anarquista". (Não sei se sabe que Lew Rockwell se define a si próprio como anarcocapitalista.)

Onde vê contradição desta perspectiva com a defesa da liberdade individual, eu não vejo contradição alguma. (Remeto, a propósito, para a citação do dia de hoje.)

BC disse...

Cada um pode defender o modelo de família que quiser, aí concordamos totalmente.

O texto só está completamente enviesado quando se deixa implícito que os socialistas do final do séc XIX defenderam a liberdade sexual como um plano para tornar o socialismo mais apelativo. Ora, isso é completamente contraditório.

Defender liberdade sexual e de relacionamentos é próprio de quem está do lado do libertarismo, não a construir um plano socialista dissimulado.

Ludwig von Mises foi brilhante e fundamental para a defesa da liberdade mas neste aspecto enganou-se. Prefiro pensar que está desactualizado. Como Malthus que até fazia sentido no seu tempo mas agora não.

Querer estabelecer um paralelismo entre família e capitalismo ou inversamente, entre liberdade sexual e comunismo é uma fantasia sem nexo. A realidade mostra precisamente o contrário.

Os países mais capitalistas são aqueles onde existe mais liberdade sexual (ou mais promiscuidade como está na tradução do texto do Rockwell), mais divórcios, mais famílias monoparentais, menos filhos mas também mais felicidade.