Tenho, com frequência e não menos veemência, procurado fazer eco da atenção que se exige a todo o amante da liberdade para o progressivo caminhar em direcção a Estados de Vigilância cuja sofisticação e, sobretudo, abrangência indiscriminada fariam uma qualquer STASI ficar roxa de inveja. Tal como já tinha sucedido com o caso Manning, também Edward Snowden mereceu entre nós muito mais acinte que aplauso e, lamento dizê-lo, não apenas nos media do mainstream, o que já se esperaria, mas também na generalidade da blogosfera e, claro está, da esmagadora maioria da intelligentsia doméstica. Parece-me evidente existir uma relação entre a extrema leniência com que a cobertura destes casos foi tratada e tem sido tratada com o facto de o actual ocupante da Casa Branca ser quem é.
Ao nível dos estados europeus a hipocrisia com que têm tratado as revelações de Snowden é imensurável. Depois dos "arroubos" iniciais quanto ao carácter "intolerável" da espionagem levada a cabo pela NSA a residentes - e politicos! - desses países, eis que rapidamente se percebeu que realmente de meros arrufos se tratavam passadas umas semanas. Pois se até se ficou a saber que a NSA espiava por conta de serviços secretos europeus! Como de costume em matérias de "indignação", a França, pela voz do locatário do Eliseu, foi das primeiras e mais contundentes na retórica. Viu-se, agora mesmo, o que ela valia. Uma vergonha. (Ver, a propósito, o contundente e certeiro post de Gabriel Silva).
Perceba-se, de uma vez, que este não é um assunto próprio dos que se interessam pelo exotismo americano. Diz-nos respeito a todos, ou pelo menos àqueles que se opõem à servidão. Que este texto do juiz Andrew Napolitano possa contribuir para melhor esclarecer o que está em causa. Foi com esse intuito que o procurei traduzir.
«Os leitores desta página estão bem cientes das revelações que se foram sucedendo nos últimos seis meses sobre a espionagem levada a cabo pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Edward Snowden, um ex-empregado de um fornecedor da NSA, arriscou a vida e a liberdade para nos informar da existência de uma conspiração governamental para violar o nosso direito à privacidade, um direito garantido pela Quarta Emenda.
A conspiração que ele revelou é vasta. Envolve o antigo presidente George W. Bush, o presidente Obama, membros dos seus gabinetes, cerca de uma dúzia de membros do Congresso, juízes federais, gestores e técnicos de empresas americanas de computadores servidores e de telecomunicações, e milhares de empregados da NSA e dos seus fornecedores que manipularam os seus companheiros de conspiração. Todos os conspiradores concordaram entre si que qualquer deles cometeria um crime caso revelasse a conspiração. O sr. Snowden violou esse acordo de modo a respeitar o seu juramento de ordem superior de defender a Constituição.
Andrew P. Napolitano
O objectivo da conspiração é o de emascular todos os americanos e muitos estrangeiros quanto ao seu direito à privacidade a fim de prever o nosso comportamento e tornar mais fácil encontrar aqueles que entre nós estão a planear provocar o mal.
Uma conspiração é um acordo entre duas ou mais pessoas para cometer um crime. Os crimes consistem na captura de mensagens de correio electrónico, SMS e telefonemas de todos os americanos, no seguimento dos movimentos de milhões de americanos e de muitos estrangeiros através do sistema GPS nos seus telemóveis, na apreensão dos registos bancários e das facturas dos serviços das utilities [electricidade, gás, água, etc.] da maioria dos americanos em violação directa da Constituição, e em pretender estar a agir no quadro da lei. O pretexto é que o Congresso de algum modo terá reduzido o padrão para definir espionagem que está estabelecido na Constituição. É, obviamente, inconcebível que o Congresso possa mudar a Constituição (só os estados o podem fazer), mas os conspiradores queriam fazer-nos acreditar que isso tivesse sucedido.
A Constituição, que foi redigida no rescaldo da infeliz experiência colonial com soldados britânicos a executar mandados genéricos sobre os colonos, proíbe essa prática hoje. Prática que consiste na autorização conferida por juízes, para que agentes governamentais procurem o que quer que quiserem, onde quer que quiserem. Todavia, ao exigir-se de um juiz que um mandado seja emitido na base na existência de uma causa provável de comportamento criminoso por parte da própria pessoa que o governo está a investigar, e ao exigir-se aos juízes que descrevam em particular nos mandados que emitem os locais a serem alvo de busca ou as pessoas ou coisas a ser apreendidas, a Constituição proíbe especificamente os mandados genéricos.
Isso é mais do que uma violação constitucional - é uma violação do direito natural de se ser deixado em paz. Quando esse direito é violado, quando todos os nossos movimentos privados são monitorizados pelo governo, o menu das nossas livres escolhas é reduzido, pois certamente que iremos alterar o nosso comportamento privado para [tentar] compensar o facto de estarmos a ser vigiados. Tal como, com igual certeza, o governo expandirá a sua vigilância se souber que não está a ser vigiado.
Em consequência destas revelações, ninguém foi despedido, à excepção do sr. Snowden, e a conspiração cresceu. No início desta semana, o The Washington Post noticiou que o FBI está agora a espiar-nos. Ao que parece, o FBI, certamente invejando a impune ilegalidade com que vem operando a NSA, adquiriu software que lhe permite utilizar as pequenas câmaras de muitos computadores domésticos para observar quem, ou o quê, possa estar defronte do écrã do computador. O FBI não olha apenas para quem estiver a utilizar o computador; também capta as palavras e as imagens que estiverem no écrã. Parece existir uma afinidade com a monitorização de jogos online, mesmo daqueles da variedade legal.
Em 1949, quando George Orwell previu, no seu aterrador romance "1984", a futura utilização de aparelhos de televisão para nos vigiar nas nossas próprias casas, muitos pensaram que ele era um paranóico delirante. Acontece que ele apenas estava adiantado uma geração. As suas previsões têm vindo a materializar-se.
Como sucedeu a muitas conspirações em crescimento, esta deu origem a outras. O Washington Post noticiou esta semana que as polícias locais, também elas, estão com ciúmes da NSA e da sua capacidade para violar a lei impunemente. Na tentativa de capturar os "maus", a polícia local de meia dúzia de cidades americanas começou a solicitar às empresas de telecomunicações locais utilizar o "descarregar de antena" [tower dump]. O "descarregar" consiste do conjunto das gravações digitais das comunicações de telemóveis que se verificaram na vizinhança de uma dada antena.
Quando algumas empresas de telecomunicações se recusaram a satisfazer estes pedidos, os polícias foram bater à porta de juízes, alguns dos quais ilegalmente autorizaram estas "descargas" enquanto outros as recusaram. Frustrados com o facto de a NSA parecer conseguir tudo o que pretende, algumas polícias locais utilizaram a sua própria tecnologia para espiar. Elas compraram um dispositivo, no valor de 400 mil dólares, que mimetiza as antenas de rede de telemóveis com isso "sugando" os sinais do telemóvel e permitindo assim aos polícias captar telefonemas sem a cooperação das empresas de telecomunicações ou a permissão de juízes federais. A isto se designa por hacking [pirataria informática]. Trata-se de um crime federal e, na maioria das zonas, também de um crime ao nível do estado federado.
Os ataques à liberdade pessoal parecem nunca mais acabar. O próprio conceito de violação dos direitos de muitos de modo a capturar alguns - uma prática aperfeiçoada por regimes tirânicos - foi proibida há 222 anos pela mesma Constituição que os autores de tais práticas e os conspiradores envolvidos nestes esquemas juraram defender.
Por vezes, os dissidentes nas decisões do Supremo Tribunal articulam melhor os valores americanos que a opinião maioritária. Eis um caso com o juiz Louis Brandeis onde isso sucedeu: "Os que fizeram a nossa Constituição comprometeram-se a assegurar condições favoráveis à busca da felicidade. Eles reconheceram o significado da natureza espiritual do homem, dos seus sentimentos, e do seu intelecto. Eles sabiam que só uma parte da dor, do prazer e da satisfação de vida podem ser encontrados nas coisas materiais. Eles procuraram proteger os americanos nas suas crenças, nos seus pensamentos, nas suas emoções e sensações. Eles conferiram, contra o governo, o direito de se ser deixado em paz - o mais abrangentes dos direitos e o direito mais valorizado pelos homens civilizados."
Se permitirmos ao governo que destrua esse direito, iremos viver sob tiranias semelhantes às que pensávamos ter derrotado.»
1 comentário:
As noticias sobre a espionagem inglesa/americana merece alguma repulsa(pelo menos pelos conhecidos)o que noto e tambem aqui no post é pouco foco. Oprograma Tempora do GCHQ´s ingles -membros da UE e do parlamento europeu vigiam tanto emLondres como Bruxelas e na central do golfo tudo o que mexe a nivel europeu e só vejo focar a NSA/Prism por se estar a repetir as preocupações escandlasos de andarema espiar "americanos" , já que espiaa as colonias não é motivo de referencia. E aqui a pobreza de se ignorar as medidas de Merkl e Dilma que estão em curso entrosa com a pratica de papagaio que repete só o que a imprensa angosaxonica diz. Quem gosta come do que quer mas acreditem há muito mais informação do que dizem os "amigos" anglosaxonicos para quem se interessar em estar informado.
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