sábado, 16 de junho de 2012

A rima da História

Patrick J. Buchanan assina, na American Conservative, mais um excelente artigo a propósito do conflito na Síria: Bashar al-Assad: A Mideast Franco? A tradução, algo livre, é minha.
"A História não se repete, mas frequentemente rima", disse Mark Twain.

Observando-se a revolta na Síria, as atrocidades, a intervenção de potências rivais, tudo chama a atenção para o grande ensaio para a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola.

A guerra começou em 1936 com uma revolta em Marrocos de nacionalistas espanhóis contra um regime de Madrid visto como anti-católico, marxista e  trotskista. Vladimir Lenine havia previsto que a Espanha seria a segunda república soviética na Europa.

A guerra duraria três anos, com Estaline fornecendo auxílio ao regime, Benito Mussolini enviando tropas para lutar ao lado do general Francisco Franco e Adolf Hitler a sua Legião Condor. O bombardeamento de Guernica pela Legião, evocado no famoso quadro de Picasso com esse nome, seria considerado como o grande crime de guerra do conflito.

No entanto, Guernica foi uma brincadeira de crianças comparado com o que estava para vir como o Blitz, Berlim, Dresden, Tóquio, Nagasaki, Hiroshima. O Tribunal de Nuremberga sabiamente [sarcasmo] excluiria o terror dos bombardeamento das cidades como um crime de guerra pelo qual os nazis poderiam ser julgados e enforcados. Assim como a América se recusou a intervir na Síria, FDR [Franklin Delano Roosevelt] declarou neutralidade no início da Guerra Civil Espanhola, proibindo toda a venda de armas a qualquer dos lados.

Em 1936, quando a guerra de Espanha eclodiu, FDR falou pelo seu país: "Nós rejeitamos compromissos que nos poderiam envolver em guerras estrangeiras; evitamos ligações às actividades políticas da Liga das Nações. (...) Nós não somos isolacionistas excepto na medida em que procuramos isolarmo-nos completamente da guerra. "

A América, enfaticamente, concordou.


Hoje, é o fruto amargo do Iraque e do Afeganistão que explica a nossa relutância. Na altura, foram 116 mil americanos mortos em lugares como a floresta de Argonne e o bosque de Belleau - que produziram uma paz cartaginesa em Versalhes e "puseram a mesa" para Hitler -, que nos tinham deixado com cinzas nas nossas bocas.

Dois batalhões de voluntários norte-americanos foram de facto para Espanha para lutar ao lado do regime. Em 1947, os veteranos da "Brigada Abraham Lincoln" seriam colocados na lista de organizações subversivas da Procuradoria-Geral.

Em Espanha, a luta era ideológica e religiosa - nacionalistas e católicos contra socialistas, comunistas e anarquistas.

Na Síria, também é religiosa - o regime xiita alauíta de Bashar Assad lutando contra uma revolta centrada na Irmandade Muçulmana sunita.

Tal como a Europa em 1936 continha democracias, ditaduras fascistas e autoritárias de direita e uma esquerda estalinista, hoje o Médio Oriente contém democracias, monarquias e ditaduras.

Tal como havia catalães e bascos que lutam pelas suas próprias causas em Espanha, hoje na Síria são curdos, drusos e a Al-Qaeda com as suas próprias agendas rivais.

Assim como a América e a Grã-Bretanha ficaram de fora da Guerra Civil Espanhola, também hoje a América e a Grã-Bretanha têm permanecido distantes do conflito da Síria.

Tal como a Guerra Civil Espanhola expôs a incapacidade da Liga das Nações, o conflito da Síria está expondo a paralisia das Nações Unidas, quando os membros permanentes do Conselho de Segurança como a Rússia se recusam a autorizar o tipo de intervenção que permitiram na Líbia. Tal como a República espanhola recebeu o apoio moral e material a partir de Moscovo, hoje Moscovo envia helicópteros de assalto a Damasco, enquanto a Turquia proporciona santuário à resistência e a Arábia Saudita e o Qatar lhe fornece armas.

A Rússia e o Irão vêem a Síria de Assad como o seu último aliado forte e confiável na região. Os portos sírios no Mediterrâneo estão abertos à marinha de Vladimir Putin. E o complexo militar-industrial de Putin há muito tempo que vende à família Assad as armas para travar as suas guerras e esmagar as rebeliões.

Na eventualidade de o regime de Assad entrar em colapso e a Irmandade Muçulmana chegar ao poder, a Rússia estaria praticamente fora do Médio Oriente. O Irão ficaria praticamente isolado. Se não tivéssemos derrubado o regime sunita de Saddam e trazido a maioria xiita ao poder em Bagdade, um Irão sem a Síria seria um Irão sem um grande aliado em toda a região.

O primeiro perigo no conflito sírio é o de se transformar numa guerra civil na qual não apenas 10 mil morram, mas muitas dezenas de milhares venham a perecer.

Um segundo perigo é que, como na Síria vivem sunitas, xiitas, drusos, curdos, árabes, cristãos - na verdade, espelha o Médio Oriente - uma guerra civil na Síria se possa tornar numa guerra por procuração para todos na região, começando com o Líbano.

Em terceiro lugar, como a Síria está alinhada com o Irão no conflito com Israel e com a Rússia no palco mundial, as grandes potências podem vir a atribuir-se a si próprias um interesse vital na forma como a guerra terminar, e intervir, cada uma à sua maneira, para assegurar um resultado que lhes seja favorável.

A Guerra Civil Espanhola terminou com a vitória de Franco, em 1939, e terminou bem para as democracias ocidentais que nela não intervieram.

Quando Hitler, após ocupar a França em 1940, se reuniu com Franco para pedir permissão para que a Wehrmacht atravessasse Espanha para atacar Gibraltar, Franco disse que não e dispôs tropas nos Pirinéus para fazer cumprir a sua decisão.

Ao contrário de Mussolini, Franco continuou a ser um não beligerante na guerra mundial, repatriou pilotos norte-americanos que tinham sido abatidos em Espanha e concordou com uma aliança pós-guerra com os Estados Unidos.

A não intervenção na Guerra Civil Espanhola funcionou muito bem.

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