sábado, 30 de junho de 2012

Concorrência, interesse geral e mitologia

Há bem mais de um século que se instalou uma mitologia segundo a qual, seja por "excesso" de concorrência, seja por tecnologias específicas a certas indústrias que tenderiam à concentração, quando não à transformação em "monopólios naturais", era necessária a intervenção do Estado para proceder à "necessária" regulação dos mercados que um invocado "interesse geral" imporia, na suposição - melhor dizendo, na fé - de que assim resultariam soluções de melhores níveis de bem-estar. A legislação antitrust e a nacionalização dos "monopólios naturais" foram respostas típicas por parte dos estados.

Para um defensor do funcionamento livre dos mercados, caso do autor destas linhas, tudo isto nunca passou de uma cortina de fumo lançada por interesses privados bem delimitados que, por captura do poder estatal, tentaram - e, geralmente, acabaram por conseguir - preservar as suas posições de dominância e respectivos benefícios - à custa dos consumidores ainda que utilizando uma retórica sonante de defesa do "interesse geral". As doutrinas económicas ditas neoclássicas viriam, après la lettre, a conferir uma suposta justificação académica às políticas de "defesa da concorrência" ou da reserva para os Estados de sectores inteiros de actividade (produção e distribuição de electricidade, correios, telecomunicações, etc.)1. O erro principal dos intervencionistas decorre de tomarem cada mercado, cada economia, como uma realidade estática e não dinâmica e, portanto, em mudança permanente.

Vem este longo prólogo a propósito da entrevista que Rui Moreira deu hoje ao Expresso onde aborda a intenção anunciada do Governo em privatizar a ANA em bloco a que se junta o anúncio da gestão centralizada do conjunto dos portos do país com isso prejudicando a competitividade futura da região nortenha. Rui Moreira tem razão, embora por razões algo diferentes daquelas que expõe. Isto é: o Governo pretende transformar o monopólio público da gestão aeroportuária num monopólio privado, com isso afastando a possibilidade - real - de uma gestão autónoma do aeroporto Sá Carneiro e também em concorrência à Portela; o Governo, em vez de estimular a concorrência entre os portos procura uma solução burocrática (centralizadora) para o seu conjunto estribada na populista orientação de redução das administrações dos portos. Aliás, mesmo admitindo que seja verdade que haja a vontade real de privatizar a gestão das transportadoras públicas (rodoviárias e ferroviárias), a solução de fundir o metropolitano com a Carris em Lisboa e com os STCP no Porto é, ela própria, cerceadora de uma concorrência que, em mãos privadas, poderia funcionar em benefício dos consumidores e contribuintes. O discurso da "racionalização" (extensível também à RTP) e da propaganda barata da redução de administradores é algo muito de pobre face ao desmantelamento, esse sim necessário, dos entraves à concorrência nos diferentes sectores. A este propósito, suspeito mesmo que a fobia pela manutenção do tal hub em Lisboa, no quadro da privatização da TAP, acabe por dar asneira e crie situações de favor desvirtuadoras de uma saudável concorrência, única forma de promover mercados dinâmicos e sustentáveis. Quero lá saber do hub de Lisboa! O que eu quero, o que querem todos os utilizadores do aeroporto de Lisboa, é simples: ligações directas aos destinos (muitas) e preços adequados (baixos). Tem sido a TAP quem os tem vindo a conseguir? Não me parece.
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1Gabriel Kolko, historiador de indisputável pendor à esquerda, é um autor que muito tem contribuído para desmistificar toda estas hipócritas defesas do "interesse geral".  Railroads and Regulation: 1877-1916 e The Triumph of Conservatism: A RE-Interpretation of American History, 1900-1916 são duas obras de referência da sua autoria. Para um rápido overview destas matérias desde os tempos da era progressiva nos EUA, até ao final dos anos 80 do século passado, Antitrust and Monopoly: Anatomy of a Policy Failure, de Dominick T. Armentano é uma obra de referência, também para não economistas.

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