sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Obama ou Romney? (2)

A cinco dias das eleições presidenciais americanas, escolhi hoje divulgar um texto de Anthony Gregory , Research Fellow do Independent Institute - Obama and Civil Liberties: The Prospect of Four More Years)  - que, centrado no tema das liberdades civis, constrói um poderosíssimo libelo contra a manutenção de Obama na Casa Branca. Trata-se de matéria que, dado o enviesamento supostamente "progressista", mas na realidade obscurantista e sonegador da generalidade dos media portugueses e europeus para com Obama, é muito pouco conhecida entre nós. Peço aos leitores alguma indulgência quanto à tradução, da minha responsabilidade, deste demolidor texto para com alguém que - é sempre de pasmar! - foi professor de direito constitucional!:
A maioria dos eleitores dá prioridade à economia deixando bem para trás a política externa, onde os dois principais candidatos presidenciais oferecem mais do mesmo.

É possível construir argumentários segundo os quais, quanto a estas importantes questões, um dos lados é pior que o outro. Mas há um outro importante conjunto de temas, o das liberdades civis, que tem recebido muito menos atenção que o emprego, os cuidados de saúde ou a guerra. Isto é lamentável porque os precedentes hoje estabelecidos sobre as questões da aplicação das leis, dos poderes presidenciais, da política de detenção [de suspeitos], da vigilância e da relação entre as abordagens à segurança nacional e o direito processual, afectarão para sempre o carácter da cultura política americana e do governo das suas instituições. A muito longo prazo, as questões das liberdades civis são tão importantes quanto quaisquer outras e, no muito curto prazo, frequentemente significam a vida ou a morte, a tortura ou o tratamento humano, o encarceramento ou a liberdade, para os indivíduos de carne e osso.

Na prática, Obama consolidou em grande medida as políticas extremistas de Bush quanto à detenção tendo, em alguns aspectos, ido ainda mais longe. Oficialmente repudiou a tortura mas fê-lo com lacunas suficientes para que os abusos continuassem - os espancamentos e a alimentação forçada em Guantánamo, o uso limitado da extradição de suspeitos e sua entrega às autoridades de outros países, e recorrendo ao uso de bases secretas [black sites]. A política ad hoc de Bush da detenção por tempo indeterminado foi formalizada por Obama, em Maio de 2009, quando revelou a sua nova doutrina da "detenção prolongada", e que foi codificada, com aplicação aos próprios cidadãos americanos, na NDAA [link] que ele assinou na véspera do último Ano Novo.

Obama, claro, nunca fechou Guantánamo, e está a mentir quando diz que tentou o seu melhor para o conseguir, sendo os seus seguidores uns tolos ou hipócritas em repetir esta propaganda da Casa Branca. Obama poderia tê-la fechado por ordem executiva, assim como Bush a criou por ordem executiva. E ninguém obrigou Obama a bloquear a libertação de prisioneiros que a sua administração e os tribunais já tinham dado como pessoas que não constituíam uma ameaça. O plano original do presidente, aliás, de mover os prisioneiros para o centro-Oeste, não era na realidade uma melhoria, pois teria apenas implantado as normas da Alice no País das Maravilhas da justiça de Gitmo [abreviatura de Guantánamo] aqui nos Estados Unidos. Além do mais, Obama "arrebanhou" milhares - até mesmo mais do que Bush alguma vez colocou em Guantánamo -, e colocou-os no estabelecimento prisional em Bagram, onde os [devidos] processos legais foram ainda piores que em Guantánamo sob Bush, e onde a tentativa de um juiz federal para estender o direitos ao habeas corpus foi contestada pela Administração. Na primeira comissão militar [nomeada para presidir aos julgamentos em Guantánamo], Obama submeteu uma criança soldado a julgamento pelo "crime de guerra" de ter lutado contra um exército invasor - uma desgraça internacional.

Escutas sem mandado? Expandiram-se amplamente. A tirânica doutrina dos segredos de estado? Obama deu um "baile" a Bush. A guerra contra os denunciadores? Foi intensificada.

Depois, claro, há a "lista da morte" [kill list] de Obama - uma teoria jurídica de Bush que a Administração Obama assustadora e explicitamente articulou: a presunção de que o presidente, de sua única e exclusiva discrição, pode ordenar a morte de qualquer pessoa, até mesmo de um cidadão americano, e que esta sua deliberação constitui por si só o "devido processo legal" ["due process"].


Outras detestáveis e absurdas invasões de pessoas e bens tomadas por parte de Bush, feitas em nome de “parar o terror”, como A TSA [Transportation Security Administration], só pioraram, como sucedeu com a repressão do FBI sobre pacíficos dissidentes políticos. Sobre o Patriot Act [link] e a autoridade reivindicada pelo presidente para iniciar guerras de modo completamente unilateral, a Administração Obama provou ser pelo menos tão má quanto os republicanos.

Podemos depois considerar as questões mais mundanas das liberdades civis que não estão tão directamente ligados à guerra contra o terrorismo. A militarização da polícia e o utilização de drones no plano doméstico aceleraram. No que diz respeito à imigração, Obama deportou trabalhadores indocumentados a um ritmo muito mais rápido do que Bush - mais de mil por dia - e a percentagem dos que não têm antecedentes criminais na realidade aumentou durante o seu mandato. Quanto à guerra às drogas, Obama violou uma fácil promessa eleitoral, uma que mesmo a maioria dos republicanos poderia apoiar - acabar com os ataques federais aos dispensários de marijuana medicinal nos estados que permitem a sua operação legal. Sob Obama, os ataques intensificaram-se de um factor de oito.

Ao mesmo tempo, os defensores de Obama afirmam que estas injustiças ocorrem apesar das melhores intenções de Obama, não por causa de sua acção directa. Ele é apenas o presidente, ele não pode legislar por conta própria, dizem-nos.

Tal não passa de um monte de tretas. O presidente está supostamente limitado pela Constituição, mas esta nunca parou Obama ou outros presidentes anteriores de agir unilateralmente num amplo conjunto de questões. Se Obama pode reformar ligeiramente as leis da imigração por ordem executiva, como fez há alguns meses, poderia facilmente ter ido mais longe. Poderia ordenar que cessassem os raides contra a marijuana. Poderia perdoar os pacientes que tomaram marijuana medicinal que foram condenados por crimes federais. Poderia fechar Guantánamo mas, ao invés, emite ordens que tornam piores as condições para os que lá estão detidos. No mínimo, Obama poderia abster-se de bloquear a libertação de pessoas inocentes.

A apologia cobarde que recebemos dos partidários de Obama expressa o segundo motivo pelo qual o Democrata pode ser pior que o Republicano nestas questões - Obama tem marginalizado os defensores das liberdades civis no país e fez com que o mainstream a de esquerda desvalorizasse estas questões. Vimos isso com os bloggers progressivos que deixaram de dar importância à guerra contra o terrorismo e passaram a concentrar-se nos cuidados de saúde em 2009. Vimos isso com a Convenção Nacional Democrata, que abandonou os temas das liberdades civis da sua plataforma este ano.

O clima global sobre estas questões piorou muito. Quando o actual presidente assumiu o cargo, o povo americano estava cansado da difusão do medo. Os apelos para fechar Guantánamo soaram em ambos os lados do espectro do mainstream. Em 2009, as sondagens indicavam que 68% dos americanos se opunham à detenção por tempo indeterminado. Sondagens similares revelaram uma oposição generalizada à tortura.

Sob Obama, que afinal subscreveu tantas violações das liberdades civis da era Bush, a opinião pública mudou para pior. Os americanos são favoráveis à tortura por margens muito superiores às que ocorreram ao longo dos anos Bush. Entretanto, foi divulgada a sondagem do Washington Post no início deste ano:
A sondagem mostra que 70 por cento dos inquiridos aprovam a decisão de Obama de manter aberta a prisão na Baía de Guantánamo. . . . A sondagem mostra que 53 por cento se auto-identificam com os democratas liberais [no sentido norte-americano do termo] - e 67 por cento dos democratas moderados ou conservadores - apoiam a manutenção da prisão de Guantánamo, ainda que ela tenha emergido como um símbolo das políticas nacionais de segurança de George W. Bush no pós 11 de Setembro, a que muitos liberais amargamente se opuseram.
Os liberais de esquerda que decidiram que as pessoas inocentes presas nas masmorras de Obama não são tão importantes quanto ganharem as eleições aos republicanos merecem parte da culpa, mas também os conservadores que dissimuladamente, ou talvez apenas por ignorância, atacam Obama por fazer o oposto do que ele na verdade tem feito. Dizem que ele está protegendo os terroristas com o due process e a ser fraco para com os imigrantes ilegais. Nada disso é de todo verdade e o apoio ideológico dos conservadores ao estado policial será um problema independentemente de quem vier a ser o presidente.

Mas os liberais de esquerda deixaram cair a guarda totalmente e muitos vieram a tornar-se apologistas dos piores excessos da era Bush. Quando a raiva populista sobre a TSA emergiu, demasiados progressivos tomaram-na como um oportunismo do Tea Party e assim puseram-se ao lado da Administração. Quando Obama sugeriu um julgamento de fachada para Khalid Sheikh Muhammed, em Nova York, demasiados progressistas manifestaram o seu apoio como se tal coisa fosse substancialmente mais justa do que os julgamentos em Guantánamo. Quando Obama responsabilizou a direita fora do poder ou os seus companheiros no Congresso da sua decisão de manter Guantánamo aberta, demasiados esquerdistas alinharam nesta desculpa obviamente desonesta.

Todos os presidentes modernos têm sido terríveis em matéria de liberdades civis. Mas Obama fez tanto para prosseguir no registo terrível de seu antecessor como Bush relativamente ao de Clinton. Enquanto isso, essas questões de direitos humanos tornaram-se não-questões, porque os liberais de esquerda preferem defender presumivelmente as fantásticas políticas económicas domésticas de Obama do que criticá-lo pela sua "lista da morte", pelos seus arremedos de tribunais e pelas suas masmorras.

Mitt "Guantánamo dúplice" Romney não tem qualquer aparente objecção filosófica ao estado policial Bush-Obama, para com a militarização na aplicação da lei, para com um presidente com uma autoridade verdadeiramente despótica. O mesmo se diga de Obama. Romney poderia muito bem vir a ser pior na prática, mas pelo menos correria o risco de que as pessoas percebessem. Pelo menos o debate sobre as liberdades civis iria estar de volta. Pelo menos metade do país já não viria a prisão de pacientes doentes que tomam marijuana medicinal, a deportação em massa dos imigrantes pobres, a execução sumária de cidadãos americanos feitos alvos e a tortura dos denunciadores como males lamentáveis mas necessários relativamente aos quais o presidente só merece alguma culpa. Em vez disso, a culpa cairia directamente onde ela pertence: no homem sentado na Sala Oval.

Eu nunca poderia recomendar o apoio a Romney, que acho que levaria o país ainda mais longe no caminho do défice, do corporatismo, da insanidade fiscal, do militarismo e do Big Brotherism. Mas eu penso que quem se preocupa com as liberdades civis em particular deveria recusar-se a apoiar a continuação do actual regime. Os progressivos preocupados com o futuro do seu partido devem ser especialmente cautelosos. Os democratas serão permanentemente o partido da “lista da morte” e da detenção por tempo indeterminado se Obama ganhar este referendo.

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