quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A loucura monetária (1)

Por "dever de ofício" intelectual, tinha-me dado conta, há talvez um par de semanas atrás, da publicação deste ensaio por dois funcionários do FMI. Não que o tenha lido integralmente - coisa que não fiz - mas através da sua leitura crítica por parte de Gary North e, depois, também por Detlev Schlichter. Cheguei a considerar publicar um ou dois posts, não sobre o "Documento de Trabalho" do FMI, mas sobre o imenso tema da moeda e da sua centralidade ao longo da História e dos terríveis dias que correm. Depois desisti por pensar que a matéria é tão importante que não era susceptível de ser compactada no formato do blogue e que, por outro lado, também não pretendia entrar num domínio de interesse exclusivo para "iniciados", coisa a que nunca pretendi que este blogue se destinasse.

Entretanto, um habitual leitor (e normalmente meu opositor no plano das ideias), Miguel Loureiro, "desafiou-me" a dar a minha opinião sobre as "ondas de choque" que este artigo vem provocando por, entre outras coisas, falar em contrafacção organizada, e legal, de dinheiro e atribuir ao sector privado a culpa exclusiva pela crise financeira que atravessamos (e que, em minha opinião, continua a crescer a nível mundial) assim exonerando os governos/estados de responsabilidades. Mas, atenção: desta crise e de TODAS as crises passadas até aos confins do tempo (em que o Estado, supostamente, teria inventado a moeda). A dívida pública, afinal, não importa nada. A cura para o problema é simples: acabar com os bancos privados, colocar nos estados a exclusiva responsabilidade de criação monetária e eliminar a(s) dívida(s) através de uns meros movimentos contabilísticos.

Porque o que precede inclui uma gigantesca mistificação da História; porque em primeira e última instância o "amor" pelos sistemas de moeda fiduciários sempre surgiu associado à necessidade do Estado de financiar guerras e expansão de impérios (modernamente, também para arregimentar votos) creio agora, correndo o risco de "iniciação" atrás mencionado, de trazer para o blogue este tema. Escolhi fazê-lo proporcionando uma tradução do contra-artigo de Detlev Schlichter porque o creio capaz de fazer luz sobre este complexo mas absolutamente crucial tema: o da criação da moeda (e do crédito). O seu carácter estrutural para compreender o funcionamento da economia terá presidido à escolha deste tema por Ludwig von Mises, em 1912, para a edição do que viria a ser a sua primeira grande obra de fôlego - "A Teoria da Moeda e Crédito".

Tratando-se de um texto muito longo, irei publicá-lo em partes. A parte I, introdutória, é a que se segue:
"Não é possível escapar, nos dias que correm, a um sentimento omnipresente de crise. A desgraça iminente anuncia-se não apenas através de eventos reais, mas também pela cada vez maior proliferação de esquemas que são de arrepiar os cabelos e que, alegadamente, virão resolver os nossos problemas. Talvez não nos devamos surpreender se, numa altura em que os mais poderosos bancos centrais do mundo mantêm as taxas de juro a zero por cento, anos a fio, e continuam a imprimir quantidades de moeda que simplesmente vão para além da capacidade da imaginação humana (billions? trillions?), corajosamente esperando que, desta vez, tudo irá terminar de maneira diferente, as pessoas fiquem com a impressão que a ciência económica não tem certezas, que é apenas um exercício de criatividade sem limites. No seu excelente discurso à Fed de Nova York, Jim Grant lembrou-nos que quando o Financial Times, pela primeira vez, explicou aos seus leitores o que era o QE [Quantitative Easing], por volta de 2009, um desses leitores escreveu numa carta ao editor: "Agora consigo entender o termo "alívio quantitativo", mas. . . dou-me conta que já não percebo o significado da palavra "moeda". Esse senhor não está sozinho. Os fundamentos da economia monetária foram atirados pela janela fora e um alegre "vale tudo" de propostas de políticas "aterrou" em cima de nós. Homens e mulheres, que aparentavam ser sãos, propõem que, apesar de anos de taxas de juros de zero por cento não terem resolvido os nossos problemas, tudo irá mudar quando as taxas de juros forem negativas. Deveríamos todos receber cheques do banco central com dinheiro grátis para gastar, e os títulos de dívida pública depositados no banco central deveriam ser cancelados. Homens adultos sonham com dinheiro atirado de helicópteros e com dinheiro metido dentro de garrafas enterradas no chão. "Aqueles a quem os deuses pretendem destruir, são primeiro por eles enlouquecidos." [Eurípedes].

Quando pensávamos que era impossível aumentar o grau de loucura, aí chega uma proposta de política que estabelece um novo patamar mínimo na discussão sobre política monetária. Claro que no contexto actual está sendo saudada como "épica" e "revolucionária". O facilmente excitável Ambrose Evans-Pritchard, um incansável activista da exploração pelo homem do desconhecido na matéria da moeda, não podia acreditar nos seus próprios olhos: "Afinal sempre há uma varinha mágica", escreve ele no Daily Telegraph, "uma que poderia eliminar, de uma penada, a dívida pública líquida dos EUA e, por consequência, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Itália ou do Japão". E, prosseguindo, é cada vez melhor. Não estamos mais confinados ao debate de árduas estratégias para encontrar o lento caminho de volta ao crescimento sustentável, não, agora podemos simplesmente eliminar a nossa dívida.
(Continua)

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